Queria que fosse assim.

Queria que minha filha fosse bailarina. Meu filho um justo, independente de qualquer profissão, que lutasse pelas causas justas. Um traria beleza, o outro justiça. O mundo viveria bem, assim. Queria que o amiguinho dele salvasse vidas e seus irmãos construíssem casas para quem não tem. Queria também que minha filha ajudasse os pobres, doasse cobertores todos os julhos e fizesse trabalho voluntário na creche todos os janeiros. Queria que os colegas de classe do meu filho estudassem todas as máquinas do mundo e soubessem o valor de um ser humano. Queria que as filhas da vizinha, amigas de minha filha, cuidassem dos cães abandonados no canil da prefeitura. Queria que como netos fossem obedientes e trouxessem toda a alegria do mundo em sorrisos e gestos. Queria que a filha da minha amiga, já maior que eles, nunca quisesse ganhar mais do que precisasse para viver. E que o menino filho da cabeleireira jogasse o lixo na lixeira e nunca deixasse o chuveiro aberto por mais de quinze minutos. Queria que aquela menina que acabou de passar no colo da mãe fosse a melhor professora do mundo, com direito a prêmio e tudo. Queria que o meu sobrinho não soubesse o que é preconceito – de cor, sexo, idade, peso. Queria que a filha da minha amiga ficasse mais tempo no sol do que dentro do próprio quarto. Queria que aquelas crianças do orfanato saissem de lá todas no mesmo dia, fazendo e sendo felizes com seus novos pais. Queria que todos eles abolissem os cargos políticos. Queria que meu afilhado fosse um filósofo. Queria que a filha da minha prima levantasse uma bandeira branca e andasse à pé por todos os continentes. Queria que todos eles acreditassem em Deus – não esse ou aquele Deus, somente em Deus. Queria que eles aprendessem o que é certo e assim nunca fizessem o errado. Queria que eles saíssem de casa e não soubessem o que é trancar as portas e janelas e não precisassem olhar para os dois lados da rua antes de atravessar. Queria que meu filho pudesse morrer sem ter se desiludido com sua justiça e que minha filha morresse sem saber o que é chorar. Queria que seus filhos tivessem nascido simplesmente por eles e não porque você é egoísta. Queria que meu filho sentasse ao meu lado com um jornal antigo e me perguntasse o que são “drogas”. Queria que um deles conhecesse bem o passado para nunca permitir que eles cometessem os mesmos erros que nós cometemos. Queria que o calor se fizesse quente e presente no verão, o frio no inverno, e que mortes em desastres ambientais fosse uma estatística que eles aprenderiam na escola. Queria que meus livros ainda estivessem intactos, porém amarelados, quando a curiosidade os levasse até minha velha prateleira e ali descobrissem a leitura. Queria que eles crescessem sem ter seus mundos através de telas – LCD, LED, tablet, smartphone, computador. Queria poder ouvir o vento quando os levasse para passear nas ruas e que eles tivessem seus pulmões e corações sempre limpos. Queria, quem sabe, poder querer que o mundo não fosse esse e que, assim, essas crianças teriam chance de existir.

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