Domingo: Vivaldi e supermercados

 

Tocava Vivaldi e eu almoçava. Que porra era aquela? Era domingo e eu só queria sair. Tinha sol. Sol, entende? Semanas inteiras de chuva e era um domingo com sol. A lista do supermercado anotada na geladeira “ARROZ FRUTAS VERDURAS PIPOCA”. Antigamente e nem tão antigamente assim, supermercados não abriam aos domingos. Por que eles abriam, agora, aos domingos? Ninguém morreria de fome se eles não abrissem aos domingos. Supermercados, fechem aos domingos. Dêem aos seus funcionários o prazer dos domingos ensolarados. Ou dos domingos chuvosos, debaixo das cobertas com seus filhos, ou com os namorados fazendo filhos, matando ausências. Não irei ao supermercado. É um comodismo o qual eu não preciso. Anunciarei, à noite, em tom solene: não teremos pipoca para o filme de hoje. Com seis dias da semana para ir ao supermercado, por que eu iria no domingo?! Não via o fundo do prato. Eu só queria ir caminhando, com a parada para fumar meu cigarro diário escondido, até o parque. Queria sentar naquele banco em frente ao lago, fingir que era homem de exercícios na minha roupa de lycra e poliéster – e sem fôlego por causa do problema nos pulmões que o cigarro me dera. Ninguém desconfiaria. Sorririam como se eu fosse um deles – amante da natureza e da vida saudável. Queria ficar ali rindo escondido de todos que tropeçam naquela irregularidade da pista de caminhada. Por isso sento-me naquele banco. Imperdível. E Vivaldi. Acabei um prato e ele continua. Agora virá o prato principal. E ainda haverá sobremesa. Lá do banco espero ansioso aquela moça que caminha sempre bem devagar e com fones de ouvido. No mundo dela não existe mais ninguém. Ela olha e não vê. Como eu faço com meu sogro aqui ao lado. Que inveja dela! Frango assado e polenta. Que porra era essa?! O que adiantava ir ao supermercado se ela só cozinhava as mesmas coisas? Presto atenção… este trecho de Vivaldi eu intitularia “marcha para um suicídio”. Seria uma boa trilha para quando eu anunciasse “não irei mais ao supermercado aos domingos”. E a sobremesa. Pudim. Pudim, porra. O pudim da mãe, da vó, do buffet barato, de caixinha do supermercado. Pudim.

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