Num domingo, nada como acordar e ir assistir um filme. Tenho andado tão romântica para a ficção, acho que para compensar as agruras da vida e as obrigações sérias. O mundo fantasioso de uma pisciana precisa, de certa forma, ser alimentado. Como esqueci de pegar um livro para colocar na mala e nenhum daqui me interessou, fico com os filmes.
E há aqueles filmes que mexem com a vida da gente. Esses dias ainda, conversando com um amiga de muito tempo (se vão aí pra mais de dez anos), ela me dizia que naquela época me via, no futuro (ou seja, hoje), autora de vários livros, que nunca havia pensado que eu iria parar no cinema. Mas são as voltas que a vida dá e minha ficção foi encontrar satisfação nas imagens. Talvez aquela união da fotografia e da escrita, velhas paixões e companheiras.
Eu já plantei inúmeras árvores nesses tantos anos de vida, eis que só me faltam os livros e os filhos. Eles já não parecem assim tão distantes…
Escrever é como um prolongamento do meu braço, tão natural quanto necessário. E escrever sobre filmes é tão delicioso quanto difícil.
E naquele domingo acordei com a casa em silêncio e liguei a TV. Começava um filme no meu canal favorito. A intro me conquistou no mesmo instante com um trilha pegajosa e tão direta. Dei uma olhada na sinopse (essas infelizes) e não tive dúvidas que assistiria. Eis que chegam do supermercado com os ingredientes para o almoço que eu havia prometido e tive que interromper a sessão. Passaria novamente dali a dois dias.
Recomendei a uma amiga que assistisse também indicando que era verborrágico tipo um Woody Allen e baseado em uma peça da Broadway.
Eu teria reservas sobre ser baseado em uma peça, afinal dispositivos diferentes podem não contemplar suas aspirações ao mudarem de “casa”. Mas…
E para quase tudo na vida há um “mas”.
A intro é perfeita, um homem e uma mulher que se conhecem sem mais num hotel de beira de estrada americano. Risos, sorrisos, não ouvimos o diálogo (e o que importa este tipo de diálogo? como diria a personagem Doris depois, ele nem a estava ouvindo) pois toca o tal tema meloso e lindo e nesses momentos o que vale é a sintonia.
A sintonia! Ah, esta me é muito cara!
E, um elipse depois – aliás, a elipse neste filme encontra sua forma genial -, lá estão os dois discutindo. Não vou aqui me deter a escrever uma sinopse do filme, nem a contar a historinha. O texto é afiado, lapidado, perfeito. Os atores não deixam escapar nada. É preciso um elogio maior à direção de arte que soube conduzir uma história que se passa durante 26 anos com cortes bruscos, e conta os anos turbulentos de 1951 a 1976 com detalhes de deixar qualquer bom apreciador da sétima arte babando!
O poder de síntese da fotografia e do roteiro é que mais encanta, definitivamente. É uma história de amor contada no seu tempo, com as elipses de tempo transformadas em pura imagem, sem mais. Talvez algumas mentes mais recentes e pouco informadas não consigam acompanhar as referências, mas isso não deixa o filme datado: datado é o espectador mediano (ou abaixo da média) que não reconhece aquelas imagens, aqueles personagens, e, assim, não há de entender nada do filme.
Ele, ao contrário do que poderia parecer – e foi um dos meus receios – não é repetitivo. Pensei que o roteiro escorregaria na sua perfeição quando George pede Doris em casamento: mas, não, até ali ele soube ser tão genial.
Confesso que não entendi como, até hoje, eu não havia me deparado com esta pérola. É um daqueles momentos que você sabe porque ama o cinema, porque ele te atrai tanto, porque ele é tão múltiplo.
“Same time, next year” é uma versão da vida que não se encontra em qualquer lugar, a qualquer dia. É um filme que infelizmente não fez escola, talvez porque reparar nos pequenos pontos da vida não rendam boas bilheterias.
Alan Alda esta incrível.
E só para deixar na vontade e resumir muito bem toda esta obra-prima, cito uma metáfora (para o espectador atento, são várias!): Doris pergunta a George que horas são. Ele diz para ela ver no relógio dele. São 11h50 e ela fica surpresa, não achava que era tão tarde. Ele diz que, na verdade, ele está mais de três horas adiantado, então é preciso diminuir para saber o horário certo. Doris: se está quebrado, por que você não arruma? George: ah, sabe como é, a gente se acostuma.
É, nós nos acostumamos com o que está quebrado… e leva uma vida inteira assim. Não é um poema que diz isso?