Ela sobrevivia naquela ilha perdida há anos. Comida e água a natureza sempre nos oferece. De resto, passava seus dias a escreer cartas – de amor. Escrevia todos os dias, exceto aos domingos que era dia de descanso. Vivia naquele lado da ilha onde havia praia, uma bela praia de água mansa e clara, sol e areia fofa. Do leste para o sul da ilha um paredão de pedra a afastava.
Passava os dias sobre um velho galho de árvore trazido pela tempestade, ou sobre as pedras do final da praia com seu maço de folhas a escrever suas cartas. A cada uma que finalizava, dava-lhe seu sorriso, seguia até a cabana onde vivia e a enfiava dentro de uma garrafa de vidro bem lacrada. Assim, ao final do dia ela voltava à praia e na vazante as despejava uma a uma. Quantas por dia? Variava conforme seu coração se exauria.
(De onde as garrafas, canetas e papéis? Nem eu saberia dizer.)
Inventava personagens, criava situações, imaginava encontros, lembranças e memórias – e tudo escrevia. Uma carta mais bela que a outra (posso lhes garantir). Em todas o amor vencia. E é o que dizem, mas nem sempre é o que a gente vê. Ela recheava cada uma com todo o amor que há no mundo. E, ao entregá-las ao mar, seu fiel amigo, fazia uma breve prece silenciosa.
O destino de cada uma ela jamais saberia. Se despedia com o desprendimento do afeto doce de quem muito viveu. Ocupava seus dias a calejar os dedos e o coração entre tantas palavras de amores inventados. Sentia, porém, que sua missão nunca se extinguiria. E tão logo ela não mais pudesse estar ali para escrevê-las, alguém a substituiria.
Naquela ilha fazia sol todos os dias, a chuva, quando vinha, durava pouco. Era possível viver em conforto e alegria. Tinha, enfim, todas essas coisas indispensáveis. Da solidão não vou lhes falar, quem tem amor não vislumbra sua sombra. E a deixamos ali, na companhia do sol que já vai alto no límpido céu, embalada pelo marulhar da água azulzinha e atenta aos gritos da natureza que a cerca.
Às suas costas, ao sul da ilha, as pedras e o enorme paredão vivem sob limo, umidade e escuridão. Por ali não há viv’alma, nem os animais marinhos a acham atraente. O mar quando obrigado a achegar-se, vem violento, rasteiro e inclemente. Estoura-se contra as pedras, faz ganir o silêncio daquela sepultura. Entre suas pedras rancorosas de abandono jazem cada uma das garrafas que são expedidas por ela, lá do outro lado da ilha. Se olharmos com atenção veremos que todas mesmo, sem exceção, encontram-se emaranhadas entre algas e pedras. Enquanto isso, o sol se põe e nas garrafas o amor adormece.