Ah, a indústria! Que bela é a indústria! Ela produz tudo aquilo que queremos. E a Academia premia a indústria – premissa que nunca deve ser esquecida. Ninguém está premiando a arte. Bem entendido, prossigamos. Um belo dia a indústria descobriu que, também na indústria do cinema, sempre houve abusos, discriminação, disparidade, desigualdade, racismo, e toda essa leva de coisas ruins que a humanidade já produziu. E aí a Academia resolveu que ela não poderia mais reproduzir estes problemas que, apesar de sempre existirem (e serem, de certa forma, constantemente denunciados pelos produtos que ela mesma produz), eram velados. Escancaramos as portas. E o que sobrou?
Restou um Oscar politizado, um Oscar polarizado, uma premiação que atira para todo lado. “Uou, reparem, não somos racistas!”, “Veja bem, ninguém aqui é mais (!) machista!”, “Homofobia, como assim, isso não existe!”. E, de pronto, todos acreditarão. E ficaremos contentes de ter pela primeira vez uma mulher indicada à Fotografia. E temos indicados negros nas categorias de atriz coadjuvante, melhor ator e direção. Um sucesso. Temos, aliás, dois filmes de elenco negro entre os melhores. Temos uma diretora indicada, temos filmes que tratam de gays, nas categorias principais. Um sucesso.
Será?
A categoria mais concorrida está na Melhor Ator principal. Os cinco concorrentes estão excepcionais. Nos dois filmes mais cotados para levar a categoria principal as protagonistas mulheres convivem com dois coadjuvantes, num caso, e com uma criatura, no outro caso – que, se pudesse, certeza que teriam indicado (e levaria – não quero acreditar que foi inspirado no Redford). As estruturas, não deixemos a indústria nos enganar, permanecem.
E tudo politizou-se. Não sei. Parece só mais uma estratégia. Muitas boas intenções, o inferno perpetua-se. A indústria nada mais é que a indústria. Muitos confrontaram a Academia com seu racismo, mas poucos (quase ninguém?) veio tecer elogios às indicações “less white” desta edição. Povo ingrato. As produções, industriais que são, aproveitaram-se desta ânsia (do público?) e elaboraram suas histórias respondendo ao apelo. É o velho menu que nos é servido. Tem degustação, nos oferece muito, mas saímos insatisfeitos.
O que faltou? Boas histórias. Histórias sedutoras, emocionantes. Quando se faz muita política, o principal jaz calado, amordaçado, o cinema cansa. Que venha a premiação, cada vez menos assistida, com filmes de baixo público, a Academia talvez esteja preocupada com as coisas erradas.
Mudbound: Apesar de parecer uma boa história (e produção pobre) resume-se ao modo Netflix de ver o mundo, que contempla um anacronismo feroz nas produções de época (vide Anne with an A e similares). Hoje essas produções fazem sucesso com o mote de “dar ao público o que ele quer e pensa”, parece que controlam as postagens de Facebook e fazem séries e filmes com este conteúdo. Complicado, muito complicado (mas boa questão teórica). Eu perdi as esperanças quando surgiu a Ku klux khan – foi demais, né.
Lady Bird: Sério mesmo?
The Square: “Minha instalação deu um bafafá! Uau, vou fazer um filme sobre isso!”. Não, amigo. Bem, se ele mesmo disse que o filme estava chato e, por isso, colocou um macaco do nada, não precisamos dizer muito mais. Algumas das piores cenas do cinema de todos os tempos – mas, se você precisa pagar de descolado e inteligente e endeusar o filme porque ele é inteligente e “mete o dedo na ferida”, bem, bom proveito. A gente entende o que ele quer dizer – e ficar repetindo, tanto diálogos quanto o tempo das cenas, não precisa (ou ele pensa que o público é muito burro). Gostei da atuação do menino que vai tirar satisfações. E é mais uma vítima dessa crise de filmes que querem dizer tudo sobre tudo (até um dos meus favoritos deste ano, Three Billboards também sobre).
Darkest Hour: Bom, mas nada muito além. Figura do Churchill atrai pelo que disse e pelo que nunca se soube. Tem outro sobre ele, do ano passado. Elenco de TV (pra quem gosta das séries britânicas soa bastante familiar). Gary Oldmann fez um trabalho artesanal (mas, em se tratando de Academy, Day-Lewis há de levar para entoar o coro “fique!”). Fica a ligação com Dunkirk (nunca nos livraremos do fantasma da 2ª Guerra) e a dica para filme (com Mel Gibson) e série (australiana) sobre Galipoli. A melhor cena é do telefonema com o “Franklin” sobre de quem é a responsabilidade e as atitudes a serem tomadas, com a sutil metáfora sobre o avanço do terrorismo atual.
Dunkirk: Levará os técnicos, de som. Pretensão, sempre tem algum candidato assim. Tem falhas no roteiro que prejudicam a edição e personagens desnecessários (mas o mais indicado também tem). É o suficiente para descartá-lo.
Three Billboards…: Baita filme. Despertou amor e ódio. Roteiro arrasa e, apesar de não ter sido indicado à direção, por mim merecia. Os atores arranham a tela, não por menos que levou duas indicações de ator coadjuvante (vejam só, num filme com mulher protagonista e que a Frances leva ao máximo seu papel, os personagens masculinos não ficaram “por baixo”, receberam suas indicações – quando acontece de ter protagnista mulher em filme que é considerada “coadjuvante” porque o principal é homem). Frances vai além de Olive Kitteridge, onde já está excepcional. Apesar de ser parte fundamental do roteiro, a intenção de atirar para todo lado pesa um pouco – a cena do padre, por exemplo. Mas é um filmão, necessário em tempos de muito melodrama atado, sem enredo fortes e interessantes. O flashback com a filha é um golpe no espectador – e é o único flashback, pois o filme não fica tentando explicar nada. As reviravoltas são impressionantes, o argumento é sensacional. Mas é um filme tenso. Frances e Sam merecem. Melhor filme e roteiro também.
Victoria and Abdul: Bonzinho. Mais um filme que, a partir de um fato do passado, tenta fazer com que as pessoas reflitam os acontecimentos do presente. Percebe-se que a Europa precisa muito pensar sua relação com a cultura Oriental, discutir a questão dos refugiados e tudo o mais. Tem até filme pra TV que serve para alertar os pais de como seus filhos e filhas são recrutados pelo Islã. Concorre a figurino, mas perderá para Phantom Thread (com louvor), e maquiagem, que perderá para Darkest Hour (os dois são medianos, tanto faz).
I, Tonya: Um excelente filme. Tenso, também. Mas com atuações brilhantes, edição muito boa e história interessante (o que faltou muito este ano). A mistura de documental e ficção nem sempre dá certo, mas neste encontraram uma boa medida. Alisson leva, de certeza (até porque a concorrência está fraca).
Loveless: Filmão. Sabe cinema? Então, o filme mais cinema de todos os candidatos deste ano. Sei que há várias intenções e algumas realizações realmente boas, além dos interesses comerciais e tal. Mas russos (ainda) fazem um bom Cinema. Ele não explica, não insiste para o espectador entender, não se preocupa em inserir (pelo menos não de forma óbvia, apesar de já ter feito isso historicamente) as questões do presente, não se apequena. É uma narrativa sutil, seca e universal (talvez isso também tenha faltado à maioria dos outros concorrentes). É tão o oposto de The Square, por exemplo, que leva horas dizendo e repetindo suas idéias geniais – o cinema não precisa disso. É russo por excelência na narrativa e, claro, sabemos que é um cultura bem diversa da americana, por exemplo (também difere da do Oriente Médio, e por isso lamento muito ainda não ter tido acesso ao libanês). Quem dera o cinema fosse feito sem tantas pretensões, teríamos mais filmes assim.
Call me by your name: Revoltante. Como filme, como mais um “discursivo”, como algo em relação a levantar bandeiras. O filme é misógino, como já disseram, tem um argumento fraquíssimo, atuações pífias (o que é o robô americano?). Eu fiquei muito incomodada com o filme. Há duas sequências que mostram o quanto ele foi incapaz: a do diálogo deles diante do monumento da 2ª Guerra, supostamente subentendido mas que não diz nada absolutamente; e o discurso do pai para o filho sobre a atração por outros homens – aqui, talvez, uma das piores cenas de todo o cinema, porque cinema não se faz pra pregação. A teoria é que todo homem sente-se naturalmente atraído por homens. Simples assim. Mulheres, no filme, são para serem usadas (sexualmente mesmo no caso da moça que ele “namora” e a noiva de “aparência” do americano) e vivem deslocadas (a mãe dele não “entra” em nenhuma cena onde aparece, nem na atuação, nem no figurino, nada nada, tudo destoa). O grande argumento seria da impossibilidade de assumir-se homossexual diante da família e sociedade – porém a família dele (estranhamente) aceita e existe no filme um casal de gays assumidos (do qual ele debocha, por costume apenas). É tanta incoerência no filme que não dá. Sinceramente? É só um filme sobre um guri de dezessete anos com os hormônios á flor da pele em pleno Verão. Por isso que ele pega mulher, homem, fruta, o que vier (se fosse filme brasileiro teria uma cabra, certeza). Não há um desenvolvimento de relação afetiva entre os dois (até porque a atuação do americano dificulta muito). O guri só quer aliviar-se sexualmente. E quando a gente fala em verossimilhança (já caiu de moda, dizem uns) estamos nos referindo a pais que desconfiam ou sabem que um estranho está comendo teu filho, na tua casa, e apoiam isso. Não, sinceramente, a história não foi construída para que o espectador aceite este desenrolar. São argumentos que não se sustentam e uma história que tenta surpreender (a aceitação da família), mas que enfatiza a questão hormonal do adolescente, não os sentimentos e problemas da sociedade. Por mim não leva nada – e deveria ter muitas ressalvas do público homossexual.
On body and soul: Bom filme. Mas talvez não passe disso. Para ela é amor, pra ele é mais uma pegação – e o que era pra ser uma bela história de amor acabará no farelo do pão. Como isso se desenvolve é interessante com o pano de fundo do matadouro. Talvez seja muito expressivo visualmente sem encaixar bem. Os sonhos desaparecem, os abates também. Merecia indicação de Fotografia (jamais aceitarei terem indicado Ada). Com carreira de ter ganho Berlim, eu esperava mais.
La mujer fantástica: É bom. É o primeiro indicado ao Oscar nessa leva de produtos audiovisuais que querem atores trans para personagens trans – logo passará. Foi novela, curta e longa. “Não faz sentido” mostrar um personagem trans e colocar um homem/mulher para atuar. Cinema não é realidade, cinema é enganação. Mas, pela publicidade muito é feito. Está na moda buscar “representação”. A história é boa, apesar de alguns percalços como a tentativa de uma “pista falsa”, os humores da personagem. Cinema chileno é muito bom e América Latina é a mais corajosa em trabalhar com questões sociais difíceis no cinema, a gente sabe. Acredito que só a questão do ineditismo e representação é que levaram o filme a fazer carreira, ofuscando as suas faltas. E eis o grande ponto do Oscar deste ano, como comentei.
The disaster artist: Divertido. Foi um alento entre tanto filme pretensioso e pedante. É um etretenimento que não quer nada além de falar de cinema – rá! James Franco faz um trabalho acima da sua média (merecia indicação, apesar de ser a categoria mais concorrida este ano). Levaria, por mim, Roteiro adaptado com folga.
The shape of water: Eu queria dissecar este filme, como eles queriam fazer com a “criatura”. O filme é tão, mas tão ruim que só a indústria e a legião de fãs para justificar a indicação. Há muitos problemas. O enredo é o maior. E um diretor que não soube resolver os problemas em cena. O que faltou (que talvez salvasse o filme): o desenrolar afetivo entre a muda e a criatura. Porque (até mesmo pela insistência nas cenas de masturbação dela na banheira) o relacionamento deles se reduz a sexo. (remember Call me…) O personagem do amigo dela tem uma história paralela de homossexual e ilustrador decadente que em nenhum momento tangem o enredo – e isso é grave. Você não coloca um personagem coadjuvante com história própria (a menos que isso importe para a trama principal) – isso só acontece em novela. O personagem do chefão também tem sequências desnecessárias: em família (que aparece e desaparece sem mais), na compra do carro. Há uma vulgaridade gratuita em diálogos e cenas que diminui muito o filme. E, definitivamente, a sequência na qual a muda pede para que o seu interlocutor repita o que ela está dizendo, porque precisa que a gente entenda, foi a pior escolha do diretor (as “legendas” foram boas). Não se faz isso no cinema. Parece haver uma “homenagem” à TV e ao Cinema, nas citações e trilha musical. Porém, o que isso tem a ver com o enredo? A atriz que era do cinema e está num programa de TV, o “monstro” amazônico, a ilustração perdendo espaço para a fotografia, a disputa Rússia e EUA, todas as referências ao cinema de outras décadas. Mas qual a relação disso? E até agora ninguém soube me responder: por que colocar sal na água se ele era da Amazônia? (citar a Amazônia, neste sentido, eu poderia forçar a barra e entender como mais uma relação com o cinema hollywoodiano do passado que fazia referência esdrúxulas com a América Latina, mas não deu)
Get out!: Uma grata surpresa. Diante da politicagem no cinema, tornou-se uma resposta a tanta preocupação. Subversivo e irreverente, “o negro está na moda”. É negro que vocês querem? Então aí está. E competente, além de popular. Deveria levar de melhor filme e é boa disputa em roteiro original com Three Billboards – receio que minha última impressão, apesar de ter gostado tanto de Three Billboards, seja por ele. Hoje em dia, quem não quer ser negro? (se eu branca priveligiada dissesse isso…) O Daniel dá conta do papel, mas talvez uma atuação mais instrospectiva fosse necessária.
Phantom Thread: O filme te seduz. Minha escolha para Direção. E figurino, claro. A tensão (demorei para encontrar uma palavra que traduzisse o filme) é a carta na manga. Daniel está sublime. Mas o páreo está duro para Ator principal. Sei que falaram demais sobre a convivência com os artistas, a submissão, mas parece-me que tudo isso fica aquém das relações entre os personagens. Por isso, talvez leve atriz coadjuvante. Ah, trilha original também, claro. Ele é o azarão, provável que leve mais do que o esperado.
The Post: Ok, talvez o Spielberg consiga o efeito de A lista de Schindler novamente – ele continua tentando, mas não foi desta vez. Ok, entendemos o recado para a atualidade (mas precisava mais do que isso, né?). Meryl Streep não soube fazer o papel de mulherzinha no mundo machista, infelizmente. Ela cresce no papel só quando a personagem se supera. Não tem como levar.
Roman J. Israel, Esq.: Baita filme. Deveria ser indicado a Roteiro, até porque a concorrência está fraca. Inteligente, não buscou fatos do passado para falar do hoje, ele apenas atualiza um personagem, dá um tapa na cara das “revoluções” atuais – parece que são cada vez piores e cada vez menos tolerantes. Denzel está sensacional. Apesar da forte concorrência, da predileção da Academia pelo outro Daniel, ele merece levar (talvez não tenha outra chance). (ouvi dizer que ele recebeu dicas do Jake Gyllenhaal, o que explica muita coisa) Este e Get Out surgem como um ar novo no cinema – o que passa longe do Mudbound, por exemplo.
Molly’s Game: Por que foi indicado? Pela “relação” com os figurões de Hollywood (e, na verdade, porque protegeu os nomes). Só pode ter sido. Um roteiro que você ouve três vezes ao mesmo tempo a voz narrativa é insuportável. Valeu por rever Kevin Costner de volta em indicados ao Oscar e pelo melhor que tem no filme: Idris Elba. O papel dele é livre adaptação do advogado da personagem real – e talvez justamente por isso que se salve.
The greatest showman: Injustamente indicado apenas com a canção “This is me” (sensacional), merecia Maquiagem e Figurino, no mínimo (incluiria roteiro). Porque é um filme pro grande público, e musical só quando é pretensioso (vide últimas indicações) que merece. Ele tem discurso atualizado com tudo isso que nos preocupa hoje – esse mundo aí que tem tanta coisa ruim, há tanto tempo. Hugh Jackman não brilha porque divide a cena de igual para igual com todos e este é mais um ponto positivo. Celebra as diferenças e a arte para o grande público (coisa que a própria Academia tem renegado), temas que são criticados em outros filmes paparicados da lista e que tão elitizadamente arrotam suas teorias. Ele não. Ele diverte, entretém, emociona e coloca o dedo na ferida. Uma pena não ter sido reconhecido. As canções têm uma pegada de Michael Jackson, é um musical atual e nem dá tempo de bocejar. Dos poucos que indicaria para todos assistirem.
O que ainda não deu tempo (além dos candidatos a Documentário e Animação)
All the money in the world: (pretendo)
The Florida Project: (pretendo)
The big sick: (não sei se vai)
Logan: (até fiquei curiosa, porque gosto dos indicados a roteiro, mas…)
The insult: (quero muito)
Baby driver: (vale mesmo a pena?)
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