Num filme do Buñuel

Me sentia como um personagem do Buñuel. Passei dias me sentindo assim.

Como escrevi no post anterior, não cabe aqui relatar os fatos. No surreal, os fatos são o que menos importa.

O que eu posso relatar aqui é o meu sorriso sacana a tudo aquilo que “acontecia”. Me senti muito fdp.

Senti e pensei demais. Demais. Demais.

Sentir é inerente ao surreal, entender não. Abri mão de entender qualquer coisa esse ano. Já não entendo o que sinto, nem o que penso. E vejo isso em relação a algumas pessoas, a alguns lugares.

Mas a vida dá voltas e voltas, mais do que as do Canto da Lagoa. Mas o Canto da Lagoa também é bem surreal. Aquelas frases e imagens que surpreendem e não explicam me convenceram ainda mais do surreal dos meus dias.

Se o surreal estava contribuindo com a minha felicidade… deve ter incomodado alguém, não é mesmo?

Tem um monte de gente que não sabe ser feliz. E, aliás, não pode suportar a felicidade alheia.

E eu cruzo meu caminho com essa gente, que de “gente” não tem quase nada.

Contato com as pessoas?!

Caí do meu mundo surreal… quebrei a parede da sala de jantar. Deixei meu personagem ao ouvir um distante e confuso “corta”!

Bem, conseguiram o que queriam. O que eles não esperavam é que eu tivesse tomado gosto pelo surreal, tivesse encarnado o personagem – provavelmente voltarei para lá.

Pessoas não me dão medo nem irão controlar a minha vida. Tirei hoje de folga do mundo, fiquei comigo mesma. Amanhã prometo atentar os ouvidos para o “gravando” que o Buñuel vai gritar de lá onde quer que ele esteja.

Dinheiro traz felicidade

O dinheiro me trouxe todas as alegrias que as pessoas não me proporcionaram. Mas ele não me aproximou de ninguém. Fariam alegrias sem fim comigo e meu dinheiro. Fiquei só, só ali com ele. Ele em profusão, chegava sempre mais. Sem muito esforço depois de um tempo, confesso. E com ele as alegrias. Aquele carro tão confortável que eu cobiçava. Um anel de safira. A casa nova tão sonhada. Até os sonhos tornavam-se realidade com ele! Era uma lâmpada mágica! Eu desejava, trabalhava um pouco e lá estava. Ele se reproduzia rapidamente. Diria até que dava em árvore, lembrando meu pai quando eu era criança “acha que dinheiro dá em árvore?” em resposta ao brinquedo pedido. Sim, meu pai, é como se desse em árvore. Em profusão. Uma jabuticabeira como a do nosso jardim. Eu me sentia feliz, comia tudo o que queria, todo dia. Não tinha um desejo que eu não satisfizesse. Frutas importadas, bebidas exóticas, tudo, tudo. Sim, com o dinheiro não vieram pessoas, mas alguns quilos. E eu tinha tudo. Os quilos trouxeram doenças, ele me deu saúde. Viajei o mundo. Tirava fotos com as câmeras de última geração. Tinha todos os equipamentos para onde quer que eu fosse, de mergulho, escalada, esqui. Conheci os lugares mais caros e os mais vagabundos. Publicava mil fotos por semana na internet, para os mil amigos que eu tinha. Ninguém via. Ninguém aparecia nelas comigo. Tinha cartões de todas as bandeiras, viajei nas melhores empresas aéreas. Conheci celebridades. Fui em muitas festas. Muitos shows, muitas noitadas em bares da moda. Eu era feliz porque podia aproveitar a vida, todo o meu tempo, desfrutando do que o dinheiro me trazia. E eu ia sempre sozinho. Pessoas nunca poderiam me dar tudo isso. Só estariam ali para me dar um abraço e um beijo no dia do aniversário, coisa que nem minha mãe mais fazia. Pessoas só estariam nas fotos para estragar as paisagens. Eu tinha celular super moderno. Eu era invejado. As pessoas queriam o que eu tinha. E elas, juntas entre elas, eu desprezava porque não poderiam ter o que ele me dava. E ele sempre aparecia multiplicado em várias e várias vezes. Eu corria marcar uma nova viagem, ia fazer trekking, colocava minhas roupas de marca e ia correr à beira-mar. Só ele me dava tantas alegrias. Ele me fazia feliz. Como as pessoas – que nunca poderiam me proporcionar o mesmo que ele – andavam à pé, sorrindo, abraçados, se beijando, sem terem o que eu tinha, e eram felizes?! Eles não sabiam o que é ser feliz. Eu via, à noite, pela janela da minha casa cara, no meu robe caríssimo, as pessoas passeando pela praia. Algumas andavam de ônibus, mal vestidas, comiam sanduíches feitos em casa. Elas não tinham o que eu tinha. Mas andavam sempre acompanhadas. Não percebiam que talvez fosse esse o segredo. Seria esse o segredo? Não sei. Só sei que ele me dava tudo o que eu queria, os aluguéis de carros possantes para viver a adrenalina da velocidade, o tempo para conhecer trilhos de trem esquecidos. Ele me fazia feliz. E ninguém me daria isso. Nem aparecia nas fotos. Nas milhares e milhares de fotos.

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