Eis que no bloco de anotações consta: poesia. Relevante: entre tudo, eu penso e agendo que preciso escrever poesias. Hoje, porém, não é o caso. Sinto versos e caminho em prosas. Piso na areia e arrasto a alma pelo asfalto. Vejo a vida a rir de mim e retruco num impulso: há método na loucura. Estou hoje aqui e amanhã estarei longe – vá me encontrar pra correr beiras-mar e beiras-rio num suspiro de manter-me viva. VIVA. Cadê a poesia pelas esquinas? Cadê a graça em cada linha?
Cadê as garças sobre os troncos de árvores, a lagoa poluída da minha infância, as tartarugas a jantar antes do sol de pôr? Estão aqui nesses olhos que não saem do mar. Meus olhos de mar a prometerem nada além do que o horizonte e o futuro, dias de ressaca e de vez em quando alguma calmaria – a ser implodida em dias de tempestade severa e raios e trovoadas. Não sei ser pouco, não sei ser contida, não sei não ser eu. Eu assumo o que sinto – dor maior no mundo não há. Quem não assume o que sente, vive escondido, se consome e definha. Vê?: é a felicidade logo ali ao alcance (só precisa assumir o que sente). Estrada pouco trilhada, essa. Somos poucos, caminhamos devagar e, roucos, não nos fazemos ouvir. Bebemos, é certo, para manter o equilíbrio – Aristóteles, você não me sai do pensamento. Eis a felicidade lá, tão certo, no meio-termo. Talvez, quem sabe, a balança esteja desregulada. Há método na loucura. Percorri despedidas antecipadas e quero viver como rainha – mentira, sou só eu quando descalça e de maiô, nem lenço nem documento só a alma a abençoar. Hoje acendi uma vela e foi por mim. Estou viva, parece. Não se acendem velas somente para os mortos. Acendi vela e fiz minhas preces, não sou o Papa para pedir que rezem por mim – afinal, até isso sou eu mesma que faço por mim. Coleciono versos impublicáveis e declarações em atos. O mundo dá voltas, quem perder essa não entra na próxima e estará condenado a viver a mesma volta para todo o sempre. Sei lá, não faz meu gosto. Os dias a conta-gotas em trânsito parado e a rotina a pauladas. Mircea, me ajude. Martelar as obrigações num coração felino é abrir as portas do inferno. Como jogar a chave da razão fora e abraçar Cérbero e lançar mão do método da loucura e dizer: sou maior e mais forte que isso. Bate, que eu não apanho. Eu revido.Se tenho tudo, busco lábios em paixões à queima-roupa em novos corredores. Não sei ser pouco – nem oco. Azar no jogo… sorte e juízo, enfim, fizeram as pazes. Percorro lembranças em praias, canções, fotografias, sentimentos adormecidos e tenho feito as pazes. Paz no presente encharcada de eu em paz com o passado. Previsões me dizem que sairei machucada – um arranhão é sempre um arranhão. Revi meus erros, a dor é menor para um coração que não se anula. Fiz juras que dessa vez seria diferente – gargalhadas se ouvem lá dos céus que a tudo testemunha. O medo abriu a porta e instalou-se confortavelmente na poltrona principal, não queria sair e esfarelou minhas bases mais experientes. Foi a lua cheia, quem sabe, a esperança, talvez, o coração sonhador, peut être, e o medo fugiu no rastro de um choro doloroso e pungente – como nunca antes. E falta poesia. A poesia espanta o medo e seca as lágrimas. Sem versos tomba sobre os olhos a lista dos afazeres atrasados e as cobranças na caixa de entrada. Viveria no mundo das ideias sem muitos problemas, adiando o fim do filme sobre o fim do mundo. Acreditar em amor, numa hora dessas?! Não fode, Coutinho. E tudo recomeçou com os versos de uma canção no rádio, numa tarde perdida numa semana sem fim. Tão doce reencontrar a poesia em meio ao afogamento da cidade insensível. Vais entender: há método na loucura.
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