Hoje os barcos não saíram para pescar. O temerário, só um, é verdade, navegava próximo à praia. Na cidade o sol cegava. Lá nem se teve notícias do nevoeiro. A angústia do olhar de mar que não via o horizonte, nada além de umas braçadas. O dia acordara mesmo sem escolhas: ou se ama, ou se ama. Quem conhece os humores do mar sabe que ele não estava para brincadeira, hoje era dia de discussão profunda. Poucas ondas, maré de ressacas do frio, uma superfície calma, diriam os ignorantes. Não é bom ignorar os humores do mar. O mar não é traiçoeiro nem engana, essas acusações são dos que preferem culpar os outros pelos seus erros. No amor, não há espaço para culpas. O mar dizia bem claro como ele estava, cada um na sua. Os pescadores à janela testemunhavam o nevoeiro adensar e adentrar as ruas e casas, fazia tempo que algo assim não se via. Era temporada boa de pesca, noites seguidas de muitas luzes no horizonte, redes espalhadas pelos dias de sol e seca. Você nunca pode contra o amor, tal qual o nevoeiro ele chega e muda a vida das pessoas. Assim como não é possível obrigar ninguém a amar o mar. Tarde da noite o nevoeiro foi se transformando em gotas que umedeciam os telhados, as redes da varanda, os carros fora da garagem, o mato do quintal. Gatos contrariados procuravam abrigo nas casas desabitadas. Em algum lugar está escrito que não se ama em vão – mesmo quando o desejo por alguém não é correspondido. Parece que há uma lei no universo abençoada pelos astros que confirma que ninguém pode ser forçado a retribuir o amor. Quase não havia faixa de areia na praia dos pescadores. Na praia ao lado havia areia e os caixotes (alguns chamam de lar) que o motor destruidor do ser humano constrói nem eram avistados. Bonita paisagem. Recorda aquele livro no qual eles partem num barco e ao naufragar vão parar numa ilha deserta e lá criam uma nova sociedade. Uma ilha deserta, o sonho dos amantes. Viver numa ilha, só apaixonados entenderiam. A cidade tem o poder de destruir sonhos e poluir os pulmões, não é recomendável. O nevoeiro trouxe apreensão, as aves voavam baixo, as tartarugas não apareceram. Os mais antigos se recolheram cedo, diziam ser mau agouro um nevoeiro assim, que boa coisa não viria, ou do mar, ou do céu, ou do coração. E as famílias já acuadas pelas tragédias da natureza fecharam as portas e janelas mais cedo. O amor se embrenha pelas frestas, encontra um canto quentinho do coração, busca um espaço confortável nos pensamentos. Quem planejava banhos de mar ou nadar até as pedras teve que se contentar com mirar a água límpida. O mar estava mais gelado que a alma de quem ama sem esperança. O amor aprende a esperar. O nevoeiro levou as crianças ao choro, ao leite quente e a irem para a cama mais cedo. Crianças antecipam as desgraças, seus corações são puros porque não conhecem o amor – só a necessidade. Crianças não são fruto do amor. Há quem olhe e não veja o mar. Há quem não veja poesia no nevoeiro. Há quem diga que ama, sem amar a si mesmo. Amar é um exercício cotidiano. Amor é uma vida, precisa ser alimentado e cuidado. O mar, hoje, casou-se com o nevoeiro numa ironia do destino. Passaram o dia e a noite a discorrer em falatório sobre as incertezas e inseguranças de nós que habitamos a Terra. Concluíram que são todos muito tolos. Tão tolos que não sabemos se amanhã amanhecerá com sol ou nuvens ou chuva ou se o encontro deles ainda não terá terminado. Nem o casamento do mar com o nevoeiro dura para sempre. Amor nenhum dura. O nevoeiro, porém, teve que concordar que o mar é o melhor amante. Amar é saber dar-se. Apaixonar-se pelo mar é inevitável para as almas solitárias e donas de si, é um amor que baliza o amor ao próximo. Amar nunca é errado. Já dizia o livro sagrado que fomos feitos para o amor. O mar é o templo. O nevoeiro, hoje, fechou as portas do mar porque precisavam, juntos, dizer algumas palavras aos corações apaixonados. Amar é só para os corajosos.
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