Rasgar o coração aos poucos

Como é delicado e doloroso e precisa ser aos poucos rasgar o coração e expô-lo ao outro. Como é tradição sempre fechar-se, viver em pedra e cascas grossas, camadas e camadas de cascas onde ninguém pode adentrar porque é um santuário protetor da nossa paz e segurança (de ser quem somos). Tão diferente é demonstrar vontades, não é? Vontades qualquer um pode vê-las, tê-las, satisfazê-las. Para despertar vontades não precisa nada além de qualquer coisa, não demanda nem laços, nem sedução, nem inteligência.

É delicado e doloroso e eu nunca aprendi a fazer. Estou tentando, pela primeira vez. Nem acreditava em mim, nunca teve quem me despertasse para desvelar o que se passa debaixo de tudo – das aparências, do exterior, do que vêem. É aos poucos, em semanas, meses… entre parênteses que dizem tanto e não revelam nada. Delicado como uma estrela-cadente, doloroso como os dias sem notícias. Doloroso como expor-se a quem não se expõe. Incerto ao calcular tanto o próximo passo e, ao dá-lo, sentir-se cair no precipício de ter afugentado aquele a quem quero cada dia mais perto. Delicado como senti-lo tão junto, a ponto de sentir-lhe as lágrimas à noite, e viver a uma centena de quilômetro de distância… 

Escrever, caro poeta, se aprende com as porradas e gozos da vida. E, graças a tudo isso, que manejo as palavras com cuidado… revelo o que penso, subtraio cada palavra que trai meus sonhos. Deixo as vírgulas e os pontos de interrogação como cortes de leve sobre o coração: os olhos vão lê-los com a devida atenção? É ali, bem ali, que rasgo a ti meu coração. Ensaiamos uma dança pródiga em subterfúgios, eu gosto. Confesso, gosto. Não alcançamos, juntos, um ponto final. Por quê? Eu tentei. Sou de pedra, gosto dos pontos finais. Quando menos esperei, a casca da cicatriz já secando, a memória guardada: você escreveu mais um capítulo. Como é doloroso reabrir a cicatriz e ver tatuado ‘esperança’, como é delicado decidir reviver aquilo que pode ainda rasgar mais e ser caso para uma sutura dolorosa no futuro. Não sei se quero. Tudo começou com uma simples e animal vontade… 

Como é delicado ler cada linha, suspeitar entrelinhas, manter-me sóbria, admirar a profundidade e a sinceridade que se abre de tão pouco em pouco… corrói minha curiosidade, atinge minha loucura. 

Nunca quis seguir somente a vontade, pela primeira vez (também). Quem diria… foi essa delicadeza de decisões sérias que me trouxe até aqui. Por que já não é passado? Talvez saibamos dançar. Quando deixei a pista, dei as costas, fui embora – é o que eu sei fazer. A música voltou a tocar e eu não ouvi, lá estava, um convite? Uma mão estendida? Um olhar? Perdi o sono, aquela noite. Como é delicado rever decisões. 

Como é delicado e doloroso rasgar-se, aos poucos.


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