A presença da mulher na sociedade sempre foi distorcida – e ainda é. Quando vemos a História da Humanidade, percebemos que ela precisa ser toda reescrita. Com a História do Cinema não é diferente.
Tenho um apreço pelo cinema estadunidense das décadas de 1940 e 1950 por vários motivos e também pelas mulheres estrelas de cinema que foram construídas à época. Marilyn Monroe foi a grande estrela e nunca será igualada (nem mesmo as estrelas do pop estadunidense chegarão a superá-la). Mas, para além dela, existiram tantas outras. E mesmo a história dela, seus personagens, suas escolhas, sua vida pessoal, dizem muito mais do que os rótulos e os homens tentaram aprisioná-la.
Me refiro à filmes que foram realizados num período de grande censura moral, quando existiam códigos de conduta para o conteúdo que chegaria às telas. Um mero beijo de lábios gerava muita especulação. Por um lado, quando o cinema precisa dizer mais sem mostrar tudo, porém, quando também o moralismo, a perseguição, as ideologias eram ferozes (talvez não muito diferente do que o país de lá tem vivido hoje fora das telas). No cinema, as mulheres foram paulatinamente sendo excluídas, diminuídas, seus nomes não constavam nos créditos porque os homens viam como elas ameaçavam o seu domínio.
Contudo, em meio a isso, as belas mulheres e seus corpos atraíam público. Então, era menos interessante fazer filmes sem personagens mulheres (além da teoria do voyeur). Mesmo com a grande produção de filmes de Faroeste na época, gênero que poderia privilegiar personagens homens (como vimos em releituras do gênero produzidas em épocas posteriores e até hoje), as personagens mulheres existiam com boa presença no roteiro e nas cenas. Ao contrário do que aconteceu depois, com a onda dos blockbusters, principalmente, e seus buddy movies. Dos anos 1970 em diante, as mulheres foram engolidas em cena também, nem mesmo o cinema independente americano (ao qual somos muito devedores ao redor do mundo e ao maravilhoso Robert Redford que nos deixou dias atrás) conseguiu evitar isso.
É evidente: conforme as mulheres ganham liberdade e podem chegar aos espaços, alcançar posições, conseguir financiamentos, ter formação, os homens imediatamente encontram formas de sabotá-las e fazerem-nas perderem suas oportunidades. Desde que o mundo é mundo.
Contudo, essas belas mulheres estavam lá e faziam muito por nós – fazem até hoje. Quando vejo uma grande atriz da época a escolher personagens de mulher independente, “mal falada” que consegue driblar os preconceitos, entendo que, naquele momento, mesmo que o filme termine com um happy end de casal hetero, era algo extraordinário o que ela estava fazendo.
Quando acompanho a carreira de uma atriz que fez personagens de mulheres sempre lutando contra as violências do mundo, e, ao chegar aos 40 anos, assume a sua idade e faz filmes nos quais essa é uma das grandes violências: ela não é mais uma mulher porque tem 40 anos – mas ela se apaixona, vive, faz sexo (com homem jovem, inclusive) – eu percebo que sempre houve mulheres fazendo muito por nós. Com as ferramentas e com as armas que elas podiam naquele momento (mesmo que com seus corpos).
Esses dias ouvi “eu sinto que os jovens acham que precisam reinventar a roda”, e é verdade, muitos acham. Todos que já fomos jovens lembramos como é descobrir o mundo, não é mesmo? Quem somos nós para julgá-los. Descobrir o mundo é algo muito interessante – e, na verdade, nunca termina. Como mulher ainda redescubro como as mulheres lutaram (tanto e tanto) pelo seu lugar no mundo e nas sociedades. Nunca foi fácil, ainda não é fácil.
No último filme que assisti, com um argumento interessantíssimo e que flertava com o gênero do faroeste (um dos meus favoritos), e escrito também por uma mulher, o embate entre a situação de violência que as mulheres sofriam (sofreram e sofrem, visto que é a ameaça à vida e sua integridade quando diante de homens) era o ponto central. Fiquei surpresa, confesso, por como um filme despretensioso alcançou este tema de forma muito bem elaborada, mesmo tendo sido produzido naqueles tempos.
Não faz muito tempo assisti a um curta brasileiro que está rodando festivais que falava sobre mulheres e essas violências, de uma forma muito mais direta e objetiva inclusive sobre as circunstâncias que permeiam a vida das mulheres e achei, infelizmente, ruim. Pelo menos temos mulheres falando sobre mulheres, mas é questão de gosto como abordamos as questões e sobre o que queremos falar.
Um dia, em sala de aula, citei um filme que era dirigido e protagonizado por mulheres maduras e um aluno comentou “ah, conheço, é filme de mãe, né?” o que imediatamente me chocou, porque percebi que para aquele homem jovem, um filme protagonizado por uma mulher madura e sobre questões que tocam uma mulher madura era um filme “de nicho”, mesmo as mulheres sendo maioria da população do mundo. Vejam só, termos tantos filmes sobre homens que se aliam e combatem homens não é algo de nicho, é claro, porque a maioria do mundo é feita de homens em grandes embates. Sei.
Posso, assim, afirmar duas coisas: no mundo de hoje não vemos mulheres o suficiente no cinema. As personagens mulheres (adultas e maduras, então, menos ainda) são desprezadas, não protagonizam histórias importantes e interessantes e seus dramas não parecem atrair tanto os realizadores. Podem reparar. Além disso, as mulheres não têm liberdade no cinema (falo por mim com inúmeras provas). As mulheres continuam sendo sabotadas, minorizadas, perseguidas. Pois, ao que parece, sempre há quem pense que somos uma ameaça.
Tenho até formulado uma teoria, a partir de estudos e de conversas, sobre o ressentimento masculino dos homens a partir da minha geração que chegaram hoje e não sabem bem para que servem no mundo – e se sentem o tempo todo ameaçados por este vazio e como isso gera as inúmeras violências que sofremos todos os dias, desde o feminicídio até o ghosting.
Nós sempre fomos uma ameaça. Por isso sempre fomos sabotadas, queimadas na fogueira, perseguidas e mortas. Nós sempre encontramos inúmeras formas de seguir vivas e defender nosso lugar nesse mundo. E sempre encontraremos, assim como as personagens no cinema.
Descubra mais sobre fahya.com
Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.
Deixe um comentário