Consumir arte e cultura define caráter

Um capítulo inteiro da série The Studio gira em torno da discussão entre o produtor de cinema e médicos sobre quem é mais essencial para a sociedade. Salvar vidas é importante, claro, mas, de certa forma, cada um faz da sua maneira. Quantos filmes já salvaram vidas? O produtor chega a dizer: quando entrar no quarto de hospital e estiver lá sem nenhuma esperança e com dor, você terá uma TV com filmes ao seu alcance. 

Lembrei deste capítulo enquanto pensava sobre como consumir cultura e arte deveria ser ato cotidiano. Além de ser quem produz arte, também produzo e frequento eventos de arte e cultura e tenho refletido bastante sobre esse consumo. O verbo consumir não me atrai, mas, como vivemos numa sociedade consumista, é bom adotá-lo. O consumismo é a base do capitalismo e arte e cultura não são entretenimento nem lazer para serem consumidos do ponto de vista da produção capitalista – é bom deixar essa definição explícita de largada. Você consome entretenimento todo dia, seja no streaming, nas redes sociais, etc. Você consome lazer em parques de diversões, shoppings, viagens. 

E como anda o seu consumo de arte e cultura?

Vejo muitos eventos de arte e cultura que sempre precisam discutir as ações de “formação de público” e como chegar ao público. Bem, vejam que produzimos arte e cultura com foco em formar público para os eventos de arte e cultura. Ou seja, eu preciso ensinar as pessoas a consumirem aquilo que é produzido e ofertado (muitas vezes gratuitamente) à sociedade. Além disso, muitos desses eventos não conseguem atrair o público local, as pessoas simplesmente não vão aos eventos – ou, quando muito, vemos os mesmos de sempre, normalmente outros produtores de arte e cultura. 

Por que as pessoas não vão aos eventos de arte e cultura da sua cidade? Por que elas facilmente trocam aquele evento – que muitas vezes é sobre temas com os quais elas se importam, ou produzido por pessoas que elas conhecem – por qualquer outra atividade cotidiana? 

Com a experiência de produzir arte e cultura percebo que a atividade de consumi-las é sempre relegada a segundo plano, algo de menos importância na sua formação e agenda. Se você for ao shopping numa quarta-feira à tarde, verá que muitas pessoas estão lá. Se for num supermercado num dia de semana de manhã ou pela noite, também. A academia ao final do dia vive cheia. As pessoas reclamam quando as atividades de arte e cultura não são exclusivamente aos finais de semana, em horários fora do “horário comercial” e até mesmo quando é dia de semana no período da noite (tem quem estuda e tem quem diz que é o horário de descanso pós trabalho). 

Mas, afinal, quando, na sua agenda, está planejado consumir arte e cultura?

Por que não temos o hábito de consumir arte e cultura da nossa cidade – como vamos ao shopping, ao supermercado, à academia, ao bar, à igreja? Por que os eventos de arte e cultura precisam se descabelar com ações para educar o público a frequentá-los? Por que os eventos culturais precisam ser em dias e horários destinados ao lazer? Por que não nos educamos a consumir aquilo que nos cerca, que é produzido pelas pessoas ao nosso redor? 

A dominação cultural estrangeira e dos grandes meios é um ponto muito forte para pensarmos a falta de hábito do consumo de arte e cultura. Como já dizia um ilustre crítico brasileiro, “até o pior filme brasileiro nos diz mais do que o melhor filme estrangeiro”. Por isso a produção de arte e cultura da sua região, e de eventos que tragam obras e autores do país e de outras regiões, mas que são para o público daquela cidade, dizem muito mais do que o filme mais visto no mundo no streaming (para o qual você paga a mensalidade, mas que não contribui com a produção de cinema do seu país: pense nisso).

Essas ondas da indústria cultural, do K-pop e superstars do pop estadunidense atuais, que são substituídas em questão de anos, demonstram como o público consome produtos e não arte e cultura. Ver hordas de jovens brasileiros num estádio ouvindo bandas sul-coreanas representa apenas o poder do dinheiro – jamais nos fala sobre arte e cultura. A arte e cultura que, muitas vezes, alguns desses jovens produz e nem eles mesmos consomem nas suas cidades. 

O que se passa na cabeça das pessoas para não irem até um museu, uma exposição, uma exibição ou uma apresentação na sua cidade eu juro que não descobri. Há uma preguiça e uma má vontade gritantes no público para sair de casa (e vamos superar a justificativa dos traumas da pandemia, ok?) e ir a esses eventos, participar, conhecer, ser afetado por obras que dialogam com a sua realidade. Ou até mesmo por obras que nos iludem e dão fuga da realidade – porque, sim, não é só a indústria cultural que nos propicia ilusões e fugas, felizmente. 

Antes mesmo de produzir arte e cultura e eventos na área eu fui criada como consumidora de arte e cultura (e também da indústria cultural). Minha personalidade, meus gostos, meu caráter, minhas ideias foram forjadas por esse consumo. Ler literatura local e regional, frequentar os museus da cidade, ir aos eventos de dança e teatro. Isso é formação que começa cedo, em casa e nas escolas. Não podemos querer a vida inteira tentar formar público. Com vinte anos essa formação já deveria estar consumada e incluída nas atividades diárias. Você que vai todo dia à academia: quantas vezes vai ao cinema, teatro e museus na semana?

Arte e cultura não é lazer nem entretenimento e não pode sempre se menosprezar e buscar dias e horários que supostamente vão se encaixar melhor na agenda de todos (sejam trabalhadores, estudantes ou o que for). É do interesse de todos que consumam arte e cultura produzidas ao seu redor (e nem precisa largar os produtos da indústria cultural, viu? te garanto). Adorno está vendo você ter tempo para ficar duas horas rodando o menu do streaming e não ter ido à peça de teatro de uma hora que foi encenada no bairro a dez minutos da tua casa. É sobre choices, sim. Porém, é além disso. É também uma questão de postura, de posicionamento diante da vida. É sobre quais são os valores e verdades que você professa e nos quais acredita.

A pior exposição de arte contemporânea da sua cidade é melhor do que a obra mais famosa do museu de qualquer capital europeia. Te garanto.

Live

If it were love 

You should be mine

I was a happy woman

With no more than a smile

And an open heart

In the shining moon

I believed

All nights I was there

Thinking of you

My sadness partner

I was your friend

I was the best listener

You said goodbye

My moon and I 

Only an ocean between

Our souls merged

The shore is my friend

like you’d never were

The stars guide me

Through the sunny days

I believe in myself

I’m my very best confessor 

Above all I trust no one – but me and the moon

Dezembro

Era domingo e era dezembro. A vida soprou da janela com calma e os pássaros cantaram novos dias. Ainda bem que o tempo havia chegado, sem mais peso nem lamento. Juntamos tudo numa fogueira no jardim: queimamos o passado e o mal, as cinzas adubaram as roseiras. Este ano o jacatirão já floriu. Sorrio para as flores que eu cultivo contra cada braços cruzados e cara feia de quem furou o barco esperando que eu naufragasse. São anos de experiência no timoneiro.

As peças se encaixam no quebra-cabeça como água que rola pelo rio. Há um dom em alguns seres humanos de destruir o que é bom. Mantenho distância das fraquezas daqueles que não sabem ser quem são. Era dezembro, mais um belo ano chegava ao fim: eu nem no meio do caminho ainda estou. Cada dia, alguns leões, cada ano mais força de nem sei onde. Ou, sei muito bem.

Lágrimas vieram, de alegria. Eu sorria naquela sexta, noite adentrando as frestas da porta, esta porta e estas paredes tão velhas companheiras de grandes sonhos e muita luta – amor, sempre amor transbordando – eu sorria com lágrimas doces brilhando na escuridão. É preciso saber brilhar na escuridão. Quando apagarem a última vela, quando cortarem todos os fios, quando destruírem os postes, aí mais que nunca é preciso saber brilhar – algo assim que vem de dentro, do mais duro e profundo que posso ter. 

Era a última sexta e era dezembro. Anunciam as boas novas, previsões não cansam de chegar, exibem-se a escancarar seus vazios e desesperos. Eu silencio. Ouço a luz que brilha em graças na janela. As nuvens são bom agouro. Aprecio o silêncio desde o início da manhã até alta madrugada. O ritmo pontuado pelo bem-te-vi a bater galhos na calha, em cadência com o sabiá a preparar a minhoca pro desjejum. Sempre foi fé. Quando nem mesmo eu sabia o que estava por vir, era fé. Quando souberem, já será tarde. Meu coração não olha pra trás.

No silêncio e na paz, você me visita em sonhos. Quem sabe mês que vem não apareça mais. Plantei jasmins no jardim e enterrei junto nossos sorrisos para que eles floresçam mais viçosos na próxima Primavera. Sim, vivo em saudades da Primavera – até lá já terei muitas mais histórias para contar e amores em poesia para cantar. Amores de Verão não sobem a Serra, os da Primavera não duram uma florada – qual o destino dos amores de Outono? 

Sinto falta da poesia. Fiz promessas – sou dessas. Minha única promessa de Ano Novo. Não prometo nada aos outros, só a mim. Sou dessas. A poesia vai invadir os dias, as horas, as noites, as páginas. Sê fiel a si mesma. É preciso e preciso.

Amor não se conjuga. Amor é prática e precisa ser alimentado dia a dia. Quando eu me levantar amanhã, vou calçar os passos do Destino. A confiança passa pela sola dos pés descalços. É preciso despir-se de tudo, desnudar-se por completo o corpo e a alma. Não importa qual vestido ou sandália, é preciso descer do salto. Eu sempre soube, dezembro é tempo de eterno retorno. 

Dezembro. Domingo. Sexta. Últimos… próximos passos a abrir portas e janelas ao Destino. Enxugo as lágrimas enquanto sorrio. O segredo é o amor que sempre esteve em todos os sorrisos.

Puzzle

“C’est fini !” – je ma dit trois ou quatre fois la dernière semaine

Qu’est-ce qui “est fini”, Fahya ? – ma dit mon cœur

L’attente, parfois

ou l’espérance

C’est pas fini, c’est pas terminé

Je ne suis pas un cœur fermé

je suis seule peau et chaud

dans un monde idiot

La patience me manque, c’est ça

Tes yeux, ton voix

Mon amour et mon désire

C’est pas fini

Tous les pas de cette puzzle que sommes nous

Au mystère sous le ciel et sur la terre

J’espère le destin de nouveau

Et en septembre toujours il pleut avant du bonheur

Poetas na varanda

Entendo os poetas

que escrevem sob a brisa

dos cafés das belas cidades

acolhidos por portos e faróis

diante de guardanapos

e xícaras vazias

O olhar a perder-se no rio

que mancha o mar

em marés baixas

e obcecados pelo jardineiro ao lado

o som do cortador

e o cheiro da grama

Somos pequenos

em silêncio observamos

a vida em vagas e idas

e o velho que com calma

percorre o passeio

com o tablado de cocada

na cabeça

Apenas observamos 

poeta não julga

poeta é livre desses pecados

das mentes mesquinhas 

das almas que envelhecem

Sento-me aqui

e em cada flamboyant há verso

no mar crispado há Verão

O poeta escava

a vida alheia no prazer e na labuta

a natureza que verga e luta

Não é o poeta dono dos tribunais

das inqusições e do inferno

O poeta é livre das morais

e também o deveriam ser os cronistas

Entendo os poetas

entregues ao solícito garçom

que lhes traz mais chá

ao detalhe sutil do candelabro

iluminado antes do fim da tarde

ao beija-flor que visita o bebedor

e aos ponteiros parados

na varanda auspiciosa:

empunham seu binóculo 

mirando o mundo. 

À beira-baía 

(para Itajaí) 

Desfaz, vento

Ondas em par

Nuvens nenhumas

De sábados de sóis

Que amanhã é domingo

Em paz de dia frio

E almoços e sobremesas

Desfaz, vento

O alinhado dos cabelos

O desenho das areias

Que é sábado de praia

E amanhã é domingo

À beira-baía e crianças

E barquinhos atracados

Ouvindo o ondular

Das águas nas pedras

“que hoje é domingo

não é dia de pescar ”

Desfaz, vento

O domingo a passar

Até os peixes descansam

E ninguém quer ver

A segunda chegar

Dia de folga

Hoje não é dia
do trabalho
nem do trabalhador
Hoje quem não tem folga
é o amor

O amor que tece
o sofá em cores de riso
e a cama em suspiros

Hoje a folga é nossa
folgo em saber:
és meu tempo
sou tua pauta

O amor reverbera
as paredes da cozinha
do quanto me vale
ter tua companhia

Hoje é feriado
para a distância
para os dias da semana

O amor acampou
na chegada do frio
entre música ao longe
e perigos de cidade grande

Hoje somos nós
por todos os hojes que virão
em dias primeiros ou 26
por todos os nós
que desataremos – juntos.

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