Desculpa, sou hétera
Eu sei, é quase um pecado hoje ainda alguém declarar-se hétera. Mas, sou. E muito. Como tantos de nós, também me descobri hétera (e muito hétera) ainda cedo. Não, posso assegurar que não é nenhuma heteronormatividade imposta ou construção sócio-cultural, é da minha natureza mesmo. Também, lamento decepcioná-los, mesmo com as péssimas e nem tão ruins assim, experiências decidi jogar em outro time. Sou hétera, mas quero garantir que não é uma falha no caráter ou sequer algum desvio. Sou hétera e não sou melhor nem pior que ninguém. Só, por favor, não insistam: como eu respeito todas as sexualidades, respeitem a minha. Não tenham pena, porém. Pode não parecer, mas sei onde estou metida.
Decidi me assumir hétera, profunda e assumidamente hétera, por causa do Tom Hardy. Nessa angústia da espera da segunda temporada de Taboo – caso você não saiba o que é a primeira temporada de Taboo, por favor, finja – eu resolvi dar uma chance a Mobland. Fiquei surpresa, ao sair da minha bolha, que essas séries transpirando testosterona com sequências pavorosas de mau gosto misóginas ainda têm espaço E financiamento. Parece que têm, não é mesmo? Guy Ritchie envelheceu muito mal, Pierce (meu amadinho e melhor 007 ever) e Helen assustadores sem se sustentarem no texto teatral e beirando o ridículo, MAS Tom Hardy: másculo, homem comum, o não-herdeiro, o incompreendido (só as héteras entendem o poder de sedução que um homem incompreendido exerce sobre nós), o herói solitário. O QUE É TOM HARDY?
Um fenômeno.
Ele, casado (óbvio), com uma esposa que o pressiona pelo comum e comezinho (insuportável), ele que deve lidar até com o asilo da mãe da ex-empregada, enquanto, narrativa paralela, ele salva tudo e todos, ela só reclama e ainda quer TERAPIA DE CASAL. Pobre hetero incompreendido. E era um desses que nós, héteras raiz, quereríamos salvar. Um defeito de fábrica, com certeza, toda hétera raiz querer salvar um hetero incompreendido e sacrificado por relações espúrias e infelizes. MAS, nós, em algum momento, nos curamos.
TOM HARDY me fez rever minha TEORIA DO AVERAGE JOE
Por um ano eu coloquei em prática a Teoria do Average Joe. O homem comum, sabe? Você poder sair com alguém sem precisar citar Almodóvar ou Fernando Pessoa. Conversar numa mesa de bar duvidosa sem contar sua vida profissional (UFA) e onde você fez mestrado. O auge: ir num bailão, rodar e rodar, sem registros (dos quais até teus amigos mais próximos duvidarão), rir de coisas que você não vai nem lembrar, beijar e se divertir e nunca mais saber de nada. A Teoria do Average Joe era baseada somente num teste sócio-romântico com pouca base científica, no qual a fuga para um mundo paralelo onde ouvir sertanejo dor-de-corno não taxava as pessoas de bolsonaristas, mas representava umas músicas que eram boas pra cantar junto. Durante o teste, a conclusão foi que dou match fácil com motoristas (de caminhão, de ambulância, de máquinas, etc) e pessoas em cargos de segurança. Sei lá, deve ser minha vida nômade que me aproximava desses perfis.
O homem comum. Como é bom experimentá-lo. Eu vivi sufocada pela pretensão. Você já reparou o quanto a vida é imersa em pretensão? Eu quis fugir. E eu fugi. Eu precisava fugir dessa pretensão toda. Eu só queria ser eu. Eu só queria ser a Fahya, a mulher, a fêmea (amém, Wando), a debochada e brincalhona, a carinhosa e sonhadora, a Fahya que olha pro mar por duas horas sem ver o tempo passar, a Fahya que não é procurada pelas pessoas que só querem um cachê no próximo filme ou porque querem aprender a produzir. Foi intenso e reparador buscar o homem comum.
Ser hétera pesou muito ao ver homens héteros que não suportam que a sua companheira cresça naquilo que ela acredita, que se destaque na sua profissão, que não a apoiam, homens que até se relacionam com ela porque têm interesses profissionais. Eu tenho certeza que você, hétero, está numa relação assim – ou já esteve em uma – seja hétera ou hétero. Aliás, mesmo os não-héteros. Vamos deixar de romantizar até a parte ruim dos relacionamentos: merda há em todo lugar. Violência doméstica não é exclusividade dos héteros, tá? O quanto antes falarmos disso, melhor.
E eu falo mesmo. Cansei de homens que não me davam espaço e valor pelas minhas qualidades profissionais. Desisti de homens que só se aproximaram “romanticamente” de mim por interesses profissionais. Desisti do amor? Jamais. (aí entra a Carrie, mas fica pra um próximo texto)
TOM HARDY e a ilusão
Eu sei, a conclusão do estudo sobre os average joe é que fica mais difícil estabelecer uma conexão profunda e contínua quando não há interesses mais fortes. Bem, eu também não estava em busca de nada forte e profundo. Contudo, é muito bom entender que não vou basear um encontro em analisar os filmes do Pasolini. Também não me importa saber quais autores você leu. A Nova Teoria é sobre CARÁTER. Pouca importa com quem você faz sexo, inclusive (jovens, aprendam). Tenho definido as pessoas pela característica mais simples: caráter, tem, ou não tem?
Além do caráter, vou reparar no que você bebe. E talvez isso desperte em mim muito mais interesse do que qual faculdade você fez.
Por certo, se tiver caráter e bom coração já vai despertar minha atenção. Harry, em Mobland, é de um coração enorme. E que megera maravilhosa é a esposa dele que não percebe isso, não é mesmo? Pois é, e eu aqui querendo encontrar uma megera dessas. É alguma síndrome de heroína, só pode, que me domina e faz querer salvar um hétero de algum relacionamento apodrecido por dentro e com uma megera que o sacrifica e anula. Sim, busco caráter, mas já não considero que cobiçar o homem alheio seja falta de caráter da minha parte. Sei lá, nunca acreditei na perenidade e imobilidade das relações.
E era esse o ponto.
As pessoas têm medo de sentir, de amar, de arriscar-se. Ok, você está em um relacionamento, passou anos construindo isso e DAÍ?! As coisas mudam. Você pode conhecer alguém. Eu posso te conhecer. Já pensou nisso? Teus planos explodindo no ar igual a casa de um mafioso. Acontece. Que horror, tenho eu, lua em sagitário, de pensar na vida como algo definido e estático e imóvel. Até na Bíblia está que temos que viver pela cruz de cada dia. No fim a gente vê.
Passei dias pensando sobre as relações próximas entre sonho e ilusão. Não estou, ainda, preparada para confabular teorias. Mas, jamais deixarei de apoiar as ilusões, nem com os quarenta se aproximando. Então porque a idade se aproxima eu tenho que ter medo do que sinto e me deixar amordaçar pelo que a sociedade prega?
Não fiz isso nem quando tinha dezesseis anos. Tá doido.
Ainda não casei (graças a Deus e a mim). Ainda não tive filhos (desespero nunca foi meu forte). Não sou divorciada. Sou só uma mulher, hétera, branca, solteira, sem filhos. Espécie pouco estudada, mas tremendamente à margem da sociedade esdrúxula que rege nossos dias. Behind every successful woman is herself. Não, não contamos com homens nem ninguém para rachar o aluguel, pagar as contas, nos levar para cá ou para lá, para dar conta das coisas da casa, etc. Também, longe de nós!, pegar homem pra terminar de criar – e lavar suas cuecas. Nós fizemos escolhas. Porém, nem todas essas escolhas foram por nossa decisão (e isso terá um post especial, quem sabe).
Mas essas héteras são público-alvo de uma série fraquíssima (sorry, os turcos é que sabem fazer séries sobre máfia com muito mais propriedade – até do que os italianos, prego) que tem TOM HARDY. Porque, por vezes, a gente tem ao lado um average joe mesmo (ao contrário dos homo, os hétero raiz são LARGADOS e a gente sabe) e gostamos de satisfazer nossas fantasias com o TOM HARDY na tela. Ele enfrenta os marroquinos e mexicanos na Antuérpia completamente sozinho numa moto excitante e é tudo o que precisamos. Jamais que uma série dessas é produzida para um público que não nós, héteras exigentes e sonhadoras.
Talvez deixar de romantizar ou manter ilusão é não acreditar no mito do homem que demonstra “cuidar” de nós. Nunca precisei da sensibilidade dos homens. Sabe a cena clássica? Quando ele empresta o casado para ela não passar frio? Meu querido, precisamos muito mais do que isso. Eu sou independente, adulta, dona da minha vida: nunca precisei que alguém se preocupasse se estou com frio ou não. Eu não preciso da sua sensibilidade. As héteras legítimas, solteiras, independentes, maduras querem alguém pra estar ombro a ombro. E, infelizmente, na Nova Teoria isso já salta aos olhos: vocês não estão preparados.
Eu não preciso de um homem hétero que cuide de mim. Aliás, nunca precisei. Nem tenho cuidados para oferecer, não mais. Porém, aos héteros, o medo de não poder ter ao lado uma mulher que precise dele ainda é dominante, independente da idade, do estado civil…
A vida da gente muda drasticamente quando buscamos ter o que queremos e não somente o que precisamos. Eu super recomendo, mas sei que não é pra qualquer um.
AVERAGE JOE é história
A Teoria nasceu com o programa de TV The Bachelor’s do qual teve uma ou outra edição que eles colocaram no elenco os average joes, o programa foi sensacional, mas claro que as mocinhas héteras preferiram os musculosos nada average. Acontece.
TOM HARDY é ilusão
Eu sei. Estou me preparando para reassistir Taboo, primeira temporada. Que homem, que fenômeno que me faz construir teorias (mentira, eu faço teorias sobre quase tudo na vida, é um dos meus passatempos favoritos no mundo). Bem, eu sonho para realizar aquilo que me satisfaz na vida. Mas, na dureza dos dias, eu me iludo. As ilusões não são de todo dispensáveis, elas sustentam os piores dias, nos embalam ao dormir, entretém a mente nas filas de espera.
A Fahya não é uma máquina. A Fahya não é uma tola que as pessoas acham que enganam e de quem tiram lucro em cachês e aprendizado. A Fahya é uma mulher com uma vida apreciável demais para estar na boca das pessoas. E ela é essa hétera feliz (contra todas as previsões e desejos) que até experimentos faz. Sobre nunca conseguirem superá-la, é verdade, dizem que perdê-la é até razão para cortarem os pulsos!; fica como promessa de novo texto (que nunca escreverei).
Desculpa, sou hétera e ainda me divirto muito com isso. Não seria o tempo, meu grande e bom amigo, a me desiludir sobre o amor. Já faz tempo que aprendi que amor é algo muito maior do que as convenções, as exigências sociais, o aluguel do mês, os contratos, os prazos da idade, as aparências, as escolhas.
Lamento pelos que faltaram às aulas da vida e não sabem que quando ele aparece, é preciso largar tudo e segui-lo, sem medo. É como se Tom Hardy aparecesse na minha frente.
(sim, é só uma frase de efeito para encerrar o texto, mas podemos dormir com essa ilusão hétera fantástica)