Quando um povo ataca sua própria Cultura…

É doloroso ver os ataques constantes que a Cultura do país tem sofrido. Avisei que teríamos um retrocesso sem precendentes num provável governo deste que vocês elegeram. Agora o povo acha que não precisa de cultura e arte. Claro que não, eles têm Netflix. Nossa pobreza intelectual chegou a patamares desconhecidos, por isso muito do que virá será desconcertante.

Acompanho a página do MinC no Facebook e percebo a luta dos seus funcionários, técnicos na maioria, em mostrar como o Ministério é importante, o quanto ele investe em todo tipo de cultura e arte pelo país todo. Mas essa “era da internet”, de ler manchetes nas timelines e já achar que sabe tudo, está destruindo com nossas chances de país melhor. O MinC é essencial. Ele não pode ser vilipendiado. Ele investe e dissemina arte e cultura, ele preserva nosso patrimônio e incentiva produções de todas as áreas. Mas, tem uma leva de analfabetos culturais (é como um desenvolvimento dos funcionais) que prefere só xingar e bradar que Ministério da Cultura só “dá” dinheiro para grandes artistas e “dá” dinheiro para filmes ruins. É o que dá falar sem conhecer. É o que dá o colonialismo.

Quando falávamos de um “american way of life” que nos foi tentado vender goela abaixo (apesar de nunca termos tido cacife para tal) parecia coisa do passado. Não é. Quando percebemos a importância de um segundo idioma, pelo menos, como o inglês do mundo globalizado (como o foi o Francês, etc.) era para alçar nossas gerações ao contato com o mundo. Porém, saber inglês tornou-se o dominar-se pela cultura de tudo que em inglês se produz. Um jovem brasileiro hoje aprenderia muito mais do mundo, da sociedade e da vida se fosse fazer um intercâmbio para o interior da Argentina ou para a Índia. Certeza que ele não aprenderá nada com uns meses de subemprego na Disney. Esse mundo fácil, de dinheiro “em dólares”, num país onde “tudo é barato”, que se não é “o melhor” é “melhor que aqui”. Quando e onde que Estados Unidos é melhor para um brasileiro do que o Brasil? Pra Bündchen, talvez (tenho minhas dúvidas). Esse USA que se vende nas séries, filmes, clipes, músicas é ilusório para um povo pobre, aculturado.

A proporção da calamidade ainda é pouco percebida. Temos crianças e adolescentes que reproduzem o modo de ser dos personagens de séries americanas. Suas vidas tornaram-se iguais às deles. Hoje novas gerações assistem Friends e sonham em ser garçonete em New York, é claro. A pizza que o brasileiro pede fim de semana é uma extensão desse american way of life. Crescemos vendo os personagens gostando e agindo de uma determinada forma, comemorando isso ou aquilo, e queremos igual. A cultura estadunidense é cultuada (e eles nem percebem).

Se vão assistir a um filme indiano, ou francês que seja, estranham, não gostam. Aliás, sentem-se assim com os brasileiros também, é claro. Porque conhecimento e cultura são coisas que a gente nunca “acaba” de apreender. É o modo de vida, mas é também a narrativa, os dramas, o ritmo, tudo – assimilado de uma vida que não nos pertence. Nós não somos americanos – sul-americanos, meus queridos. São séculos de História, de miscigenação, de Cultura, de tradições que nos afastam. Eis porque a importância do nosso Ministério da Cultura, também para fazer o brasileiro conhecer a sua própria Cultura e a sua Arte.

Quando falam de “qualidade”, então… o que dizer? Existe algo que se chama “formação de público”, todos os produtos americanos têm uma extensa formação de público, que o “educa” (formação neste sentido) a entender e gostar do que é feito por eles. Se o público não conhece o que se produz aqui, não conseguirá um contato com isso. E por mais que a gente pense em influências e apropriações, é curioso ver brasileiro que renega a qualidade de tudo que é feito aqui (desde funk até Cinema Novo) e só gosta de arte e cultura estrangeira. Aí só um psicanalista, né – ou Nelson Rodrigues. As linguagens artísticas causam estranheza nas pessoas, através dos nossos sentidos. É preciso que nos eduquemos em arte e cultura. Mas, educação é o fraco deste país (dos EUA também). Só vai gostar de arte e cultura brasileiras quem for educado a gostar? Não. Mas para o povo iletrado, que mal escreve o próprio idioma, exposto desde cedo aos produtos culturais mais duvidosos, sim. E, também, para um povo que prefere desconhecer a própria cultura – porque prefere os clássicos, o que a crítica especializada diz, tudo aquilo que for “bem falado”.

É doloroso saber de pessoas que desconhecem cinema brasileiro. Que não ouvem música brasileira. Que nunca vão às exposições de artes visuais. Que nunca leram um autor brasileiro. É doloroso vê-los lendo crônicas de-sei-lá-o-quê sobre culturas riquíssimas que não nos pertencem. É doloroso vê-los xingando o dinheiro que o governo “dá” para os “vagabundos” enquanto adoram Harry Potter e a baixa literatura comercial que se produz aqui. É doloros ver um país com tantos problemas sociais e educacionais como os EUA servindo de modelo e exemplo para nós, pobres brasileiros. É doloroso ver a expansão de escolas bilíngues onde formaremos mais e mais alienados adoradores de culturas que nos são alheias.

Minha esperança reside no fato de que temos funcionários de carreira, técnicos com boa formação dentro de alguns ministérios e eles já mostraram que estão dispostos a resistir. Quem dera tivessem o apoio de boa parte da população. Que eles resistam em nome do nosso futuro. Alguns, felizmente já abriram os olhos diante do engodo que elegeram – outros levarão mais tempo. Porém, diante disso não podemos entregar o país de joelhos. Será uma longa batalha. Salve a Arte e a Cultura Brasileiras, hoje e sempre.

Cine Holliúdy e um ano cinematograficamente brasileiro

Não é novidade e muito foi alardeado, no final do ano passado, sobre o crescimento de público (e também de número de produções) do cinema brasileiro em 2013. Devo dizer que fui uma das responsáveis por tal façanha. Foi, definitivamente, o ano no qual mais fui ao cinema para assistir às produções nacionais. E só não fui para assistir a O Som ao Redor e Cine Holliúdy porque não passaram na cidade onde eu estava – e Ensaio porque perdi a data. Aliás, entrei em campanhas na internet para que passassem Cine aqui pelo Sul – e, por favor, quando digo Sul estou me referindo a Santa Catarina ou Paraná. Fiz minha redenção ao ir assistir a um argentino e pegar sessão dupla com um brasileiro – Flores Raras, provavelmente o qual eu considero o melhor do ano. Já assisti mais filmes argentinos no cinema do que brasileiros. Era hora de rever isso.

Também escrevi e discuti e ouvi muito sobre cinema em 2013 (vai dizer, dos melhores anos da minha vida, não poderia faltar isso). Num evento do qual participei, tive o desprazer de ouvir uma apresentação de uma criatura, formada em jornalismo mas que se diz estudiosa em cinema, mestre e no momento doutoranda (na Literatura da UFSC, claro), sobre a nova lei da TV paga que “obriga” os canais a cabo a passarem produtos brasileiros. Entre a discussão, já bem batida, de que a lei aumentará a produção e blábláblá (aquela velha máxima brasileira: cria a lei para “incentivar”, sem dar condições e infraestrutura antes) veio a ultrajante falsa argumentação sobre a falta de “qualidade” do público. Não sei se essas pessoas ainda vivem no mundo dos cinemanovistas que queriam esclarecer as massas, ou realmente acreditam que o problema é o público brasileiro que não sabe o que é bom. Vejam só, o problema do nosso cinema é esse povo ignorante. Era uma mestre e atual doutoranda falando. Pasmem, ao falar de séries de TV, ela ainda disse “Já viram tal série? É muito boa, mas as pessoas não gostaram.” – ela é esclarecida, sabe o que é “muito bom”, nós (sim, eu me incluo) é que não.

A discussão também se fez presente nos blogs do Eduardo Escorel e do Bernardet, inclusive em eventos. Muito se discutiu, e não é nada novo, sobre a rivalidade que há entre os filmes “cabeça” (cult, para pensar, de autor, ensaístico, ou seja lá como quiserem chamar) e as comédias populares. É só avaliar a quantidade de público de O Som ao Redor e De Pernas Pro Ar 2 (foi o exemplo mais usado). Mas aí surgiu uma outra questão, o fato de que filmes como O Som ao Redor não conseguem espaço na distribuição e na exibição, enquanto filmes como De Pernas… têm espaço garantido – pois leva-se em conta o peso de uma Globo Filmes no marketing, na produção e exibição em relação a produções ditas independentes, mesmo que muitas vezes dependentes do dinheiro público (aquele outro velho problema dos editais que garantem a produção mas não exigem nem garantem espaço para exibição – ou “os filmes que nunca vimos”). Porque, como bem assinalou o Bernardet num dos seus livros, o que vale no Brasil é produzir, se alguém vai ver ou não, parece não importar muito.

Mas chamei a atenção para tudo isso porque queria escrever alguns comentários sobre Cine Holliúdy, talvez o que mais me chamou a atenção até porque soube fazer um bom marketing usando a idéia de primeiro filme falado em cearês (ou cearensês, não sei ao certo). Estive no Ceará e me apaixonei. Lamentei que a estréia do filme tenha sido logo após minha estada por lá. O filme, quando estreou no nordeste, lotou as salas e teve sessões extras. Foi literalmente um fenômeno. No começo do ano eu fiquei louca para assistir a O Som ao Redor e quando estive em São Paulo soube que teria uma exibição por lá – centro cultural do país, afinal, infelizmente – mas não tive tempo de ir assistir. Em dezembro vi que já estava passando na TV a cabo, vi somente uns trechos e não posso falar, ainda, sobre. Mas eis que em dezembro tive a surpresa de ver a propaganda, na Globo, de que passaria Cine Holliúdy. Seria num sábado e eu, lá pelo horário da novela, me aconcheguei no sofá depois de um dia árduo de trabalho. Acaba a novela e começa Zorra Total (uma das coisas mais ignóbeis que o humor brasileiro já produziu). Eis que penso que seria, então, depois de Zorra Total. Resolvo assistir um outro filme que já havia visto, para passar o tempo. Acaba Zorra e começa (putz, esqueci o nome do programa) o Groismann (de quem nunca gostei desde o sucesso que ele fez em outro canal). Eu, como não conheço a programação de sábado, fiquei de cara. Aí aparece a propaganda dizendo que o filme seria depois do Groismann. Ou seja, madrugada. Ah, lembrei, o nome do programa é Altas Horas (o que já diz muito). Bem, eu havia ficado acordada até aquela hora, o filme que eu estava assistindo para matar tempo era bom, ou seja, resolvi resistir porque pensei “quando terei a oportunidade de assistir Cine Holliúdy novamente?”.

O primeiro choque foi a escolha por exibir o filme legendado, depois do letreiro anunciando que era o primeiro filme falado em cearês. Vi numa entrevista ou li em algum lugar sobre alguns produtores nordestinos já terem sofrido a abordagem, de exibidores, que “sugeriam” que os filmes fossem legendados para poderem passar no resto do país (sudeste, que fique claro). Aí inicialmente fiquei pensando sobre isso. Tive a experiência de ter ido para o nordeste ano passado e presenciei um sulista conversando com um piauiense: o segundo não entendia nada do que o primeiro falava. Eu mesma, quando estive no Ceará, reparei no meu modo de falar, me senti um brucutu. O nordestino, com as diferenças cabíveis, tem melodia, fala de um jeito agradável aos ouvidos. Essas considerações sobre o sotaque dos nordestinos (como se paulista, gaúcho, paranaense e até os chiados intermináveis dos cariocas não tivessem) nada mais são do que preconceito – ah, mas tudo hoje em dia é preconceito: não, não é. Porque eu me pergunto se eles criticam e falam dos nossos sotaques como nós falamos dos deles. E sulistas e sudestinos são especialistas em preconceitos. Os exibidores do nordeste também “sugerem” que os filmes daqui sejam legendados? Vejam o trabalho muito bem realizado do Thiago Lacerda em O Tempo e o Vento em relação a um falar “gaúcho”, precisou de legenda?Comentei isso no Facebook e um amigo, cearense, disse que a escolha por legendar poderia ser uma crítica satírica do próprio diretor – não sei, realmente não sei, percebe-se que o filme é crítico e satírico, mas aí não sei o quanto isso pesou na escolha pela legendagem.

Mesmo que tenha sido uma crítica – ou o reverso da crítica pelo nosso preconceito com o sotaque deles – nós, bons sulistas e sudestinos, jamais entenderíamos. Devo dizer que desatentei para as legendas e, claro, uma palavra ou outra, mas não pelo sotaque e sim pelo regionalismo, não entendi. Mas isso, meus queridos, até ali em Curitiba, minha terra natal, acontece comigo.

Tinha lido algumas críticas não muito positivas sobre o filme (o que não aconteceu com O Som ao Redor, e devo dizer que o pouco que vi deste arrefeceram minha animação de vê-lo). Realmente ele não é nenhuma obra-prima. Porém, o mais louvável é que ele constrói uma crítica contundente sobre a condição de exibição de cinema no Brasil de forma lúdica. Confesso que aquela parte das artes marciais e dos filmes exibidos eu achei um tanto enfadonhas, porém é uma questão de gosto pessoal. Mas considero genial a utilização de produções “próprias” dentro do filme e não aquelas já desgastadas referências a clássicos do cinema. As atuações são excelentes, a diversão é garantida. A apresentação dos personagens, a brincadeira com a linguagem cinematográfica e o final são sensacionais. Em quase tudo há leveza, o riso sutil, a malícia na medida, sem precisar descambar para o humor fácil e para a apelação sexual. Falcão é uma participação especialíssima e impagável, enquanto meu personagem favorito é aquele que fica repetindo as coisas – adorei. A direção, porém, me pareceu errar na mão ao alongar muitas cenas que poderiam imprimir um outro ritmo a um roteiro e atuações tão esmeradas.

O letreiro final, contudo, é ácido: no Ceará, dos 184 municípios, somente cinco têm cinema. E a pungência deste dado me fez, na hora, lembrar uma notícia que eu tinha lido há pouco tempo sobre o Ceará estar com 174 municípios, do seu total de 184, em situação de emergência por falta d´água. Claro que na hora também lembrei do filme gaúcho Saneamento Básico. Finca no coração a questão crucial: como discutir cultura, mais especificamente cinema, num país que não tem esgoto nem consegue levar água ao seu povo? Lembrei até dos cinemanovistas. Será que eu preciso – ou posso – conscientizar essas pessoas? O cearense que, no meio do semi-árido, não tem água em casa para seus filhos não tem consciência disso? Ou cineastas seriam pretensiosos por natureza? (tenho um relato sobre esta questão da água de uma experiência pela qual passei durante a viagem que, de tão contundente, fica difícil expressar em palavras)

Não se pode tirar o mérito do filme de mexer em vespeiros do cinema brasileiro com tanta lucidez e fabulação. Talvez um dia tenhamos um filme brasileiro que se enfie por estes caminhos espinhentos sem humor, sem fábulas, sem açúcar e de forma inteiramente crua. Acredito que seria muito interessante, mas careceria de público e seus realizadores seriam execrados pelos seus “colegas” de profissão. Seria muito interessante inclusive para o público, para que ele – vejam só, não gostamos de esclarecer o tal público ignorante? – entendesse quais as agruras pelas quais passam os que trabalham com audiovisual no Brasil (e, claro, como eles mesmos colaboram e muito com isso).

O fato de Cine Holliúdy ser nordestino é notável. Durante a final do The Voice Brasil vi o comentário irritado de um amigo, no Twitter, sobre esse senso comum de associar o que é nordestino ao “brasileiro legítimo” e coisas semelhantes (era sobre aquela participante que era nordestina e tocava sanfona). Tenho lidado com a questão porque é parte dos meus estudos e fazia pouco tempo tinha lido, num excelente livro sobre o cinema rural no Brasil, a relação que no próprio cinema se percebe sobre buscar um legítimo “brasileiro” no sertão com o sertanejo, no rural com o caipira, na favela com o favelado (negro, invariavelmente migrante). Este é um dado mais que evidente da nossa história cinematográfica – e que é, como bem assinalou meu amigo, expansível para outras áreas, principalmente na cultura. Algumas características do “bom nordestino” estão presentes no filme, como a força de quem, mesmo diante de toda a desesperança, é perseverante, a inerente alegria e o traquejo com as forças políticas usurpadoras locais. Sem querer expandir em considerações acadêmicas, estas características são, em determinados momentos, “autorizadas” para serem levadas às telas, pois há conflitos diante de preconceitos e ideais utópicos. Só para esclarecer, darei um exemplo sobre o caipira que era criticado e renegado nas décadas de antes de 1940 porque representava, nas telas, um país ignorante, atrasado, inculto, enquanto nossas elites queriam avançar com a modernidade – somente depois que nos afirmamos como país rico, industrializado, é que foi autorizado ao caipira estar nas telas como um bom exemplo humano de trabalhador e sonhador brasileiro. Não sei se o filme evidenciou isto porque são, enfim, características do povo nordestino ou se simplesmente caiu no senso comum. Eu voltei de lá com impressões ainda mais fortes sobre estas características. Aliás, gostaria de acrescentar uma (sem medo de cair no senso comum mais raso) qualidade a essas características: o colorido. Reparem, no filme, nas cores das casas, do cinema, dos figurinos. Voltei do nordeste com os olhos mais coloridos. E como sou uma apaixonada pelo excesso de cores, isto aqueceu meu coração.

Enfim, o último filme brasileiro que assisti no cinema, depois de um razoável Serra Pelada, foi Meu Passado me Condena. Comentei brevemente sobre ele por aqui e confesso que pouco tenho a dizer. Assistam ao trailler, é o suficiente – e vocês vão rir mais do que com o filme. Infelizmente ainda levaremos muito tempo para encontrar um caminho entre os filmes “cabeça” e as comédias populares. Ainda acho que a vocação brasileira é pela comédia (até eu comecei a me arriscar neste “gênero”). Meu constrangimento (e, vejam só, a platéia pareceu concordar comigo) ao assistir Meu Passado me Condena, mais um sucesso estrondoso de bilheteria do ano, me fez pensar que o caminho para um tempo áureo na comédia, como já tivemos, será árduo e longo. Porém, porém, porém… Cine Holliúdy aliviou um pouco o peso de toda esta discussão e deu um passo considerável neste possível avanço.

De resto, não me cansarei de ler, ouvir, discutir e escrever sobre tudo isso. Já diria o querido Paulo Emílio sobre a importância dos filmes brasileiros acima de todos os outros, para nós brasileiros. Irei mais ao cinema para assistir a filmes brasileiros, espero que sem ter que sacrificar um Darín. Porque discutir rivalidade entre cinemas nacionais, a força da TV e o fim das salas de cinema se extinguem com a já célebre frase presente em Cine Holliúdy: Enquanto houver vida, haverá cinema.

 

Ps.1: Ficou faltando Tatuagem ali na lista dos que eu queria assistir e não consegui.

Ps.2: O livro que mencionei é O Rural no Cinema Brasileiro, edição esgotada de 2001, o qual eu adoraria ter mas só há disponível no Estante Virtual por R$150 – se alguém quiser me dar, ganha um beijo e minha eterna gratidão. Sim, estudar no Brasil é caríssimo. Sim, sebos exploradores não são algo incomum. E 2013 também foi o ano no qual mais comprei livros novos.

115 anos de cinema brasileiro: na História ou distante dela?

 

O dia de hoje é comemorado por um fato curioso: a primeira filmagem realizada em terras brasileiras, por um italiano. Já dizia lá o Bernardet que significa muito o Brasil comemorar o dia do Cinema Brasileiro (“nacional” implicaria muitas coisas) justamente quando foi feita a primeira filmagem, não a primeira exibição. Até hoje isso prevalece: valoriza-se mais a produção, menos a exibição. O fato de o primeiro realizador ter sido um estrangeiro também é curiosa: o Brasil importou muitos profissionais de cinema durante muito tempo – pouco houve ao contrário. O cinema veio de fora, pelas mãos de estrangeiros. Por essas e outras que “nacional” implica muitas coisas, inclusive por quem é feito e para quem é feito.

 

Semana passada tive o prazer de participar de uma oficina com o Fábio Andrade, editor da revista Cinética. Fábio é uma pessoa acessível (coisa difícil na área), as idéias e concepções dele sobre crítica cinematográfica casam muito com as minhas e foi uma delícia gratificante as discussões. Entre tantas coisas, uma frase dele me chamou a atenção justo no dia que lembrei que hoje seria dia do cinema brasileiro. Vou a ela: “Hoje, com a internet, a gente consegue assistir a praticamente tudo. Menos cinema brasileiro, esse é quase impossível de assistir.” Para um crítico, é imprescindível assistir a muitos filmes, a tudo que passar nas telas (e estiver disponível para baixar). E Fábio levantou uma questão que eu já trouxe algumas vezes aqui: a dificuldade em conseguir assistir ao que se produz no país.

 

Casos recentes de curtas e longas, inclusive catarinenses, realizados com edital principalmente, que tiveram inúmeras exibições pelo país e até no exterior e aqui nada – tipo caviar, a gente só ouve falar. Tal filme (curta/longa) ganhou prêmio não-sei-onde e foi exibido X números de vezes lá e acolá, aquela chuva de elogios (?!) nas redes sociais e afins e… nada de passar no Brasil e, no caso específico, Santa Catarina. Por quê? Eu me perguntei isso várias vezes. Medo? Descaso?

 

Antecipando um ponto, volta a questão: filme realizado com financiamento público que evita o próprio público? E os filmes que são realizados com financiamento público e cobram ingresso? Pois é. Reclamam da quantidade de cópias que os cinemas exibem de blockbusters e afins – a maioria dos cineastas brasileiros reclama disso – mas todos sabem que ainda existe a má vontade do brasileiro sobre o próprio cinema. Eu mesma já cheguei no cinema e preferi assistir a um filme estrangeiro, quando tinha duas opções e um era brasileiro. Se não todos, a maioria de nós já fez isso – alguns sempre fazem. Não pretendo abordar todos os problemas do cinema brasileiro, seria pretensão demais.

 

Quando pensava sobre o dia de hoje, lembrei do posicionamento do Paulo Emílio, destacado no seu trabalho escrito e professado por quem o conheceu pessoalmente. Todo filme brasileiro merece ser visto, dizia ele, e um filme brasileiro nos diz mais do que todos os outros de fora – afirmações com pequenas variações. Ouvi isso na graduação de cinema, assim como ouvi aquela máxima (que hoje me parece a mais covarde e rançosa) de que no Brasil, independente de qualquer coisa, o que sempre predominou foi o “fazer” filmes. Digo covarde e rançosa porque a realização sobrepõe-se a tudo, inclusive à exibição (reproduzindo a idéia da “origem” do cinema por essas terras), desprezando, desta forma, o seu próprio público que em contrapartida também o despreza. Concordo com Paulo Emílio, todo filme brasileiro merece ser visto, e todo filme daqui me diz muito mais do que qualquer outro de fora. Não, não acho um posicionamento nacionalista, ufanista ou qualquer bobagem da qual os fãs de Said poderão me acusar. É uma questão de formação, de consciência. Nem que seja uma questão econômica, afinal, a esmagadora maioria dos filmes brasileiros é paga por nós. Eu sei, dói tirar dinheiro do bolso para comprar o ingresso de um filme brasileiro se eu, de alguma forma, já paguei por ele. Bem, resta garimpar as exibições gratuitas. Mesmo que em alguns casos sejam raras e dificultadas, veja lá um curta de Santa Catarina que depois de rodar o país foi exibido em Fpolis num dia 30 de dezembro. Pois é, parece que não querem mesmo que o público brasileiro – e, vejam só, não estou falando de público de festivais! – assista aos filmes daqui. O motivo? Pois é, quem nos responderá?

 

Na minha família sempre ouvi o preconceito com filmes brasileiros: só tem putaria e palavrão. Nem falavam da questão do áudio, outro preconceito bastante difundido. Lembro que o primeiro filme brasileiro que assisti no cinema foi o do Menino Maluquinho, com a escola. Aliás, antes de entrar na universidade, só havia assistido a quatro filmes no cinema. Um deles daqui. A quinta vez que tentei ir assistir a um filme brasileiro (“O Xangô de Baker Street”) com minha mãe e minha avó (num ato de ineditismo total) fui barrada porque não portava a identidade. Vejam só. É uma peripécia conseguir assistir aos filmes brasileiros. E os cineastas reclamam de número de cópias, verbas para lançamento e cotas nos cinemas!

 

Me apaixonei pelo cinema brasileiro aos poucos. Foi uma picada aqui, outra ali e de uma hora para a outra me descobri apaixonada. Me encantava ver aquele povo, aquela realidade, aqueles lugares tão conhecidos nas telas. Sou até bem bairrista, vide a alegria em descobrir o “Burguesa” ou o “Ditadura Reservada”. Sou nacionalista, pelo jeito, porque gosto de garimpar paisagens brasileiras (na vida real) nos cinemas (um dia tentarei escrever sobre isso de “cinema” e “cinemas” – teoria em formação), garimpar sotaques, realidades. Sou bem bairrista em me apaixonar pela Curitiba em “Estômago”. Levo um soco no estômago por assistir “Menino do 5”, gravado em Salvador, e ver um espaço que não conheço mas com uma realidade que transcende os limites dos mapas. Me apaixonei perdidamente pela câmera cheia de destreza e consciente de uma linguagem própria do Glauber Rocha. Me apaixonei pelos críticos, historiadores e cineastas que tanto escrevem sobre o nosso cinema. Sou tão bairrista que olho com desconfiança para um Padilha que fez sucesso aqui e foi lá pra fora dirigir Robocop.

 

Poderia escrever mais parágrafos elencando minhas paixões. Vocês sabem, paixões são meu forte. Porém, essa paixão é ofuscada por algumas questões. Eu queria ver o cinema brasileiro independente. Queria vê-lo desatrelado dos intermináveis editais e financiamentos. Eu queria vê-lo maior de idade. Queria vê-lo superar-se – e aqui me refiro ao modo de produção e à linguagem. Cinemas novos não acontecem do nada. Cinemas crescem superando-se a si mesmos. É preciso crescer e não estou falando nos números, pois não sou a ANCINE para ficar divulgando números para tentar dizer algo que me parece sempre vazio. É preciso superar essa idéia de que “O Som ao Redor” ter tido cerca de 200 mil espectadores é um resultado “louvável”, tendo em conta o orçamento e a “competição” com blockbusters ou ainda por ser um filme “cult”. Para que ele se supere eu sonho com duas coisas: que os profissionais do setor tenham caráter e sejam realmente profissionais e que os que não são assim não ensinem os estudantes dos cursos de cinema a serem como eles – aquela velha história, pegar dinheiro para abrir produtora, meios de burlar orçamentos e prestações de contas, como viver só às custas de dinheiro público. É um círculo vicioso. Não criam nada novo com as obras e mantém um sistema falido (bem, “falido” é relativo, porque tem muita gente ganhando dinheiro com isso). Queria ver Meirelles, Furtado, Murat, Barreto´s family, Babenco e todo esse povo sem correr atrás de editais. Queria ver milhões de espectadores seja para “Pernas pro Ar” tanto quanto para “O Som ao Redor”.

 

Minha paixão é ofuscada por ainda não ter conseguido assistir a “O Som ao Redor”. Por ser, como disse o Fábio, tão difícil assistir aos filmes brasileiros. Mas marquei de assistir a “Elena” neste sábado, gratuitamente, em Joinville, numa exibição organizada por um grupo ligado a uma faculdade. Pra quem não sabe, muitos festivais só aceitam filmes que não foram ainda divulgados, por exemplo, na internet. E os realizadores acatam isso, preferem mandar seus filmes para inúmeros festivais a simplesmente colocá-los à disposição do público em geral. Público de festival, todo mundo sabe, é restrito e restritivo. Resta a pergunta: quem faz isso então produz para qual público? Para o crítico de revista, “crítico” de jornal e bonequinho, cinéfilos e alunos de cinema? Interessa formar platéia ou não?

 

Mas, caramba, falar de cinema com essa multidão toda nas ruas?! Pois é. Pensei nisso também. Cadê os cineastas? Cadê os cineastas nas ruas? Os cineastas brasileiros já testemunharam levantes, greves, fizeram “o que a TV não fazia”, mostraram o que as pessoas não viam. E cadê os cineastas quando temos o maior número de pessoas nas ruas em toda a nossa História? Cadê cineastas se posicionando, apoiando ou sendo contra? Acompanho algumas discussões de grandes cineastas e críticos e não vi uma palavra sobre o assunto. “Ah, mas essas manifestações estão sendo gravadas por milhares de celulares.” E isso tira a posição do cineasta? Então aquela imagem linda do povo sobre o teto do congresso com as sombras refletindo nas abóbadas não pode ser significada e ressignificada pelo cinema? É isso mesmo, colegas? Por que a comunidade cinematográfica se acovarda diante desta multidão? Tem medo que o dinheiro do próximo edital não caia na sua conta? Então já tivemos cineastas melhores, porque eles burlavam deliciosamente isso. Ah, não sabia? Será que estudamos cinema brasileiro mais do que aquela uma ou duas disciplinas perdidas em quatro anos de curso?

 

Normalmente, os filmes brasileiros mais aplaudidos são os que esmiuçam a nossa realidade. Ou que a ironizam, como o “Saneamento Básico”. Pois é, falar em cinema hoje com ruas cheias de gente insatisfeitas com (quase) tudo. Mas cadê o cinema pra protagonizar isso? Mostramos a realidade (quais realidades?) e nessa h♦ora damos um fade out? Brasil fazendo História e o cinema não sai da sua redoma?

 

Eu apoiaria menos festivais (muitos só comem dinheiro público também). Apoiaria salas de cinema públicas (“como na França” dizem tanto por aí). Apoiaria exibição de curtas antes dos longas nos cinemas. Será que os produtores e diretores apoiam? Ou está bom assim? E volto a dizer: quero cinema brasileiro independente. Quero editais de fomento, incentivo, não de sustento. O cinema brasileiro dá lucro, vamos superar esse mito e sair da zona de conforto.

 

 

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