O ano confirmava: íamos em frente, no tempo apenas. Não queremos acreditar no que vemos, nessas ruas tomadas por idéias do passado. Negamos – o pior dos pecados de uma humanidade – que exista o nojo encalacrado pela cor da pele e pela religião do outro. E diziam que evoluímos, escreveram tratados, provaram-nos por a + b que descendíamos desse e chegamos a esta perfeição, a esta máquina que funciona tão bem. E criamos um mundo todo novo e que avança sem nos darmos conta, e este mundo cura doenças, desvenda DNA, constrói arranha-céus e trens-bala. Nossa máquina, quem sabe, não falha. Mas a mente, há um “mas”, ela jamais poderá ser explicada.
É 2017, eu garanto. Nos outros calendários, nem sei, é muito mais. E nem todo esse tempo nos livrou de querer a morte dos nossos iguais. Aliás, eis a questão: não queremos ser iguais. Não admitimos que somos iguais. Somos estúpidos, é certo. Nossa estupidez humana nos une. Vamos às ruas unidos pela ignorância. Apoiamos a estupidez de negar – a negação, a negação… – que fizemos (e fazemos) mal ao mundo onde vivemos. Talvez ainda mais difícil de acreditar, negar que este mundo está padecendo da nossa vida abusiva e do mal que nossas criações geraram. Negam, negam com a cara mais inútil da vida. Negam que o gelo se parte, que as Estações estão doidas, que o calor esquenta cada vez mais e o frio nos aterroriza. Negam, negam e negam que o lixo produzido entope as artérias do mundo. Negam que usinas e desastres ambientais estão ameaçando o ar que respiramos.
A negação é o último estágio da morte. Logo depois, morreremos. E vivemos esta negação hoje. Negamos, principalmente, que temos um passado árduo e cruel. Negamos que somos responsáveis pelos nossos rastros – negamos nossa humanidade, esta que nos une e que nos culpabiliza sem chance de defesa. Nossos atos são indefensáveis. Nossa culpa coletiva é homérica. Nossos pecados são inegáveis. Temos consciência disso, mas – sempre o “mas” – queremos negar como crianças mimadas que choram porque contrariadas.
Diziam que chegaríamos tão longe, imaginavam carros voadores e tudo. Eu sei. E acabaremos nas mãos da mais ínfima reação animal: matar-nos uns aos outros. Garanto que não será por comida, nem por território, nem pela reprodução da espécie. Será pela estupidez que nos caracteriza tão bem e que, de fato, é o que nos diferencia dos outros animais. Um pato não é estúpido. Nem uma jararaca. Não chegaremos lá, não nos demos esta chance. Preferimos ir às ruas reproduzir nossas estupidezes do passado, preferimos repetir os erros pois somos humanos. E errar é a reação mais humana possível.
Negamos. Negamos que tudo é tão precário. Negamos que esta vida é tão fugidia. Negamos que para ser humano é preciso sensibilidade. Negar as consequências de toda uma humanidade a viver desabridamente por tanto tempo, num espaço finito, é nosso segundo maior erro. O primeiro é negarmos que nossos atos desfazem nossa essência: somos humanos.
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