O frio jamais poderia ser explicado a alguém que não sente. Privados dos sentidos, somos incapazes de compreender algo apenas conceitualmente. É assim com o doce, também. Como dizer o que é o doce, de um quindim, por exemplo, a quem jamais comeu doce? As idéias das coisas são inalcançáveis por quem não as vivencia.
Assim é o amor. Como explicar o amor a quem não o sente? Poderíamos passar horas narrando relações, explicando gestos, conceituando sensações – de nada adiantaria. Nem a dor, vejam só, pode ser explicada. Mas quando a sentimos sabemos que é ela. Ao contrário, talvez, do doce que quando experimentado só recebe este nome porque assim nos dizem que é, a dor é gatilho para seu alcance no tal mundo das idéias, ou da linguagem, como queiram.
O frio, então, vai espalhando suas garras… ou tentáculos, quem sabe. Vai se infiltrando pelas frestas das paredes rachadas, pelo vão das portas mal fechadas, pela dureza genuína dos vidros das janelas. Invade tudo sem nos darmos conta, faz gélida a fronte, nos dificulta a respiração. O frio brota sabe-se lá de onde, causado pelos fenômenos naturais e pelas Estações do ano e pela inclinação da Terra e tudo tão bem explicado. Mas, em verdade em verdade vos digo: nunca sabemos quando ele chegará. Ele chega, simplesmente. E de tudo se apodera.
É o frio que congela os olhos e a tudo dá um tom de paralisia. Para a vida se faz necessário o calor – o sangue é quente. Do frio nada nasce – o ventre é quente. O frio não se emociona – a raiva e a paixão são quentes. O frio não se comove – a lágrima é quente. Do frio não há luz – o sol é quente. Frio não é vida.
Querendo ou não, ele chega. E fica. Às vezes, vai embora – por vezes se demora. É difícil vê-lo se aproximando, quem sabe. Talvez quando a luz vai sumindo, quando os bichos vão silenciando, quando as árvores vão perdendo as folhas… quando a vida se cala. Num sopro, quem sabe. O último sopro já frio. E ao sentir o frio não sentimos mais nada – ele corrói as alegrias da alma. Ele se alastra pelos pensamentos mais bonitos. Ele escurece a visão mais ampla.
Dizem lá os calculistas que um dia ele irá embora. Fácil assim, como na natureza onde para tudo há uma explicação, onde tudo é previsível. Enquanto isso, há os que sentem – e há aqueles para os quais é impossível explicar os sentimentos abstraídos em conceitos, nem mesmo explicar o frio posto que parecem nem ter a fina pele a cobrir seus corpos.
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