Falo com as paredes. Debato-me entre argumentos. Estas paredes tão velhas, tanto já ouviram. Escutam agora minhas lamúrias e minhas revoltas. Não dizem nada, por certo, mas, por vezes, ouço seus suspiros. Não dizer nada, em absoluto, me transtorna. Falo sozinha, é claro, quando quero (quase sempre), discuto cá com meus botões (é verdade) o tempo todo. Minha cabeça não se aquieta nem em sonhos. As paredes devem sabê-los, também. Falo com as portas e, por vezes, dou pontapés nelas como se acabassem meus argumentos e só me restasse a violência. Ou, talvez a frustração. Falo com as paredes, vejam só. Esses dias eu conversava com a parede da janela sobre o livro que estava lendo antes de dormir. É um bom livro e eu nunca tenho com quem discuti-los, na falta de alguém, servem-me as paredes. Conversava agora a pouco com a parede da porta da sala de visita, sobre as provas (últimas do ano, que alegria!) que estava elaborando. As portas e paredes são nossas velhas redes sociais – sendo que com elas não nos desgostamos das pessoas nem passamos vergonha nem nada. São solitárias amigas para bons pensadores. Quanta coisa já contei às paredes… quantos amores perdidos, quanta tristeza incontida, quanta esperança vivida. E eis aqui as paredes: minhas testemunhas. Pois, é claro, muito já viram. Elas têm ouvidos, graças ao bom Deus não têm boca. Se saíssem por aí contando tudo que confesso só a elas, estava eu arrependida (mais uma vez na vida). Mas, elas são boas amigas… me ouvem como se só existissem elas a me fazer companhia. Falo com as paredes, é verdade. Delas, não espero respostas. Delas, nem um abraço ou um beijo carinhoso. Delas, nem frases inteligentes ou chochas retrucadas. Delas, jamais longos diálogos madrugada adentro. Delas, apenas esta companhia que me segue a vida inteira. Talvez por isso tenho tanta aversão às paredes brancas, vazias, lavadas. Gosto delas preenchidas (de vida) de palavras, de rabiscos, de nomes, de marcas, de lembranças e histórias. Assim, de um jeitinho todo nosso, dialogamos. Falo com as paredes, até meus desamores conto para elas. Elas me ouvem. Elas suspiram que eu sei. Gosto quando sinto que elas discordam (gosto quando discordam de mim). Gosto de contar para elas como foi o dia, os altos e baixos da labuta. Mas, gosto mais ainda quando depois do burburinho e barulheira de um dia inteiro, elas me recebem no mais pleno silêncio… a noite silenciosa será só nossa. Ah, uma noite silenciosa… para colocar o coração na batida certa, para acertar os ponteiros de relógios digitais, para aclarar as idéias e ouvir os anseios nunca saciados. Falo com as paredes, rogo a elas que os problemas se resolvam (sozinhos, de preferência, pois que não quero nem ouvir falar deles), que o mês termine, que eu esteja sempre em dia, que sobre tempo para nossas conversas ao pé da noite a discutir o livro que está na mesa de cabeceira. À luz do abajur, penso que queridas são estas paredes que me olham e vigiam meu sonho. Ensinaram-me, além de tudo, a falar comigo mesma. Ensinaram-me a saber que bons diálogos são avis rara. Ensinaram-me o poder das palavras ditas na hora certa… ensinaram-me que as palavras nunca devem não ser ditas. Palavra não dita é palavra não vivida. Falo com as paredes pois não perco nem um segundo da vida. Desperdiçar palavras é desperdiçar a vida. Esta vida que passou enquanto você estava em silêncio. (ouço seus suspiros)
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