Um dia me perguntaram o que era o amor. Sim, eu sei. É cada pergunta… quem diria que eu tinha resposta para esta. O amor é a dama da noite florida numa noite de Primavera.
Ela encanta meus dias e noites. Obrigo-me a deixar as janelas abertas até mais tarde – a despeito dos pernilongos – para conviver com seu perfume entorpecedor. Que perfume! Se o amor não cheira a isso, melhor não me contarem. Damas da noite floridas mudaram minha vida. Conheci-as há um tempo, quando caminhava longas caminhadas noturnas com paixões e sonhos e idéias. Sabia identificá-las à distância, cheguei a mapeá-las pela cidade. Eu era feliz. Hoje tenho duas no jardim, coisa linda é contemplá-las carregadas com suas pequeninas flores brancas e tão perfumadas. Nas Primaveras chuvosas desta terra onde me exilei, elas caem e estampam o terreno por onde meus cachorros correm alegres. Eu sou feliz. Penso que deveria plantar uma delas mais próximo ao portão, para despertar nas pessoas tudo aquilo que, anos atrás, elas me despertaram. Enfim, dizem, sou egoísta. Eu quero ser feliz. Por aqui não há muitas damas da noite, nem eu faço longas caminhadas. O cinza nos espanta. O cinza nos exila em nossas próprias casas. Mas, é preciso ser feliz. Reparo que há, ainda, alguns ipês, amarelos na sua maioria, e azáleas. Um salve aos nobres de coração que cultivam tais belezas que nos encantam os olhos todas as Primaveras e Invernos. Não é fácil cultivá-las, precisa dedicação, tempo, amor e prazer.
É como o florescer das damas da noite. Talvez, sem saber, eu as tenha sequestrado ao meu jardim para ter amor – para sempre. Nem sempre, eis que florescem apenas na Primavera e parte do Verão. No Outono, sabemos, não há amor. E o amor, por vezes, hiberna… não há amor que dure um ano inteiro. Por vezes, penso, ela chega intempestiva bem naquela época do ano que o peso da vida nos carrega à desesperança e impaciência. Ela me avisa: calma. Faz com que eu não desista depois de tempos tão sombrios. Procura mostrar-me amor, novamente, o conheces tão bem. Vê-la cheia e vistosa muda meus dias – ainda exaustivos, ainda carregados da vida mesquinha e diária. Motivo do meu sorriso em dias desenganados. O amor, enfim, faz promessas. Mas não dura o ano inteiro.
É preciso viver algum tempo sem amor para saber dar a ele a devida atenção. É fácil (quem sabe até mais fácil) viver sem ele. Não me recordo de algo fácil na minha vida. Sei que aguardo pela Primavera e seu vizinho Verão, ano após ano, no longo exílio. A dama da noite é o símbolo da minha espera, que nunca é em vão. A dama da noite sacode a umidade do corpo e o torpor das sensações. É seu perfume forte e doce que irrompe meus pensamentos, dia após dia – mesmo sem as longas caminhadas, ainda há sonhos, paixões e idéias. Ela surge exatamente quando eu poderia iniciar a implosão, para segurar-me firme nos desejos que me assolam (porque eles sempre estarão aqui). Todos os dias, paro a fitá-la curiosa do poder que exerce sobre mim. É o amor, enfim. Passei meses a vê-la verde como mais uma das árvores do jardim, às vezes em expectativa, confesso – às vezes, indiferente. Diante dela revejo a vida nos seus explícitos detalhes: eu amo.
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