Lembrei de um dia, quando andava pelas ruas de Goiânia e me deparei com um cinema de rua: a porta ali aberta na calçada, meio da tarde, jovens entrando e saindo, cartaz das sessões nas paredes e no meio da rua, programação variada. Lembrei disso porque esses dias caminhava por uma pequena cidade da Argentina e, ao atravessar a praça, início de noite, fervilhava o cinema de rua em frente à igreja.
Como faz falta um cinema de rua! E pensar que eles existem em cidades grandes e cidades pequenas, como nos exemplos que citei. Como, inclusive, já existiu em Joinville como minha mãe sempre me contou. Lembrei disso tudo enquanto pensava esse árduo fazer cinema, com tantos obstáculos, mas tão imprescindível.
Tenho três curtas-metragens produzidos, finalizados, prontinhos – viabilizados com verba pública – e não tenho onde exibi-los para as equipes e elencos que trabalharam neles, junto com alguns convidados. Essa, aliás, sempre foi uma crítica minha às obras de conhecidos e nas quais trabalhei. Depois de pronto, quem assiste ao filme? Ok, há a vida útil dele nos festivais, aos quais todas almejamos. MAS, eu só queria passar meu filme pra quem trabalhou comigo nele, aqui na cidade de Joinville onde eles foram gravados. É só isso. Só?
Bem, falem o que quiser, o cinema em Joinville ficou anos hibernando. Hoje temos muita gente produzindo, de várias gerações e formações. E daí falam tanto desses “tempos passados”mas Joinville, com sua alcunha de “maior cidade do Estado” (lembram?) não tem uma sala pública de cinema!
Um dia comentei num post do atual secretário de cultura de Joinville, que na ocasião estava passeando por Fpolis, para que ele desse uma olhada no CIC – Centro Integrado de Cultura e que este servisse de exemplo para a nossa cidade – quem sabe na destruída Cidadela Antarctica. Ele disse que era um belo exemplo, mas que dependeria do investimento do governo do Estado. Ah, mas, ah! E Joinville, uma cidade do tamanho e rica como Joinville, precisa do dinheiro do Estado para criar um espaço público para as artes?! E nem me venham com aquela opção de PPP na 9 de março com prédio pra rico e teatro pro “povo”.
Se tanto foi feito pelo cinema de Joinville, cadê? Ah, faziam umas exibições lá na (na época já não muito inteira) Cidadela Antarctica. Que fim levou? Onde estão as atividades contínuas? Onde está a perenidade das ações em cinema na cidade?
Ah, mas está no Plano Municipal de Cultura (aquele que fez dez anos e dele pouco se fez) que uma sala da antiga prefeitura (e, mais antiga ainda, rodoviária da cidade) seria uma sala pública de cinema! Começo deste ano a antiga prefeitura foi reinaugurada, depois de anos de restauração ou reforma (aqui nunca se sabe o que fazem com prédios históricos), sem nenhuma sala pública de cinema. Aliás, está lá o batizado Farol – que até agora os trabalhadores da classe artística não sabem bem para o que serve.
Tem uma questão óbvia e ululante para os nossos gestores: os espaços culturais públicos precisam de investimento e equipamentos! Vejam os museus, o MAJ, o Sambaqui, a Casa da Cultura, andem por eles, falem com quem cuida deles, perguntem o que falta. Museu que não tem onde colocar seu acervo! Salas de auditório sem projetores e caixas de som! Tudo abandonado, sem estrutura nenhuma para uma apresentação de dança, para uma exposição, para um show ou exibição de filme. Por isso, caros gestores, os espaços públicos vão sendo abandonados pela população, porque vocês permitem que eles sejam sucateados – e nem nós, trabalhadores da arte e da cultura, conseguimos ocupá-los e chamar o público até eles.
Eu convivi com o cinema do CIC, filmes fora do circuito hiper comercial em cartaz, preço super acessível, localização boa pra todo mundo de busão. Ali assisti a alguns dos filmes que mais marcaram minha vida, fora do estadunidismo que sufoca essas salas de gente que só pensa em dinheiro fácil. Em Joinville o público tem que mendigar pra assistir aos filmes mais cotados da temporada – se eles forem brasileiros! Imagina se vai passar filme argentino, sul-coreano, italiano, francês (país onde nasceu o cinema!), italiano ou alemão! Nem filme alemão passa nessas terras que forjaram sua história num germanismo superficial.
Na sala de cinema do CIC quem quer fazer uma mostra, um cineclube, uma exibição qualquer, tem espaço. Porque é uma sala pública! Não depende dos interesses de quem abre sala de cinema em shopping para ganhar dinheiro. Problema com ganhar dinheiro? Nenhum.
Exatamente, vamos falar sobre dinheiro. Eu contratei todas as minhas equipes para trabalharem em Joinville, todos eles, sem exceção pagaram impostos para receber os cachês que lhes eram devidos. E não é pouca coisa, não. Eu pago meus impostos de produtora aqui na cidade. Tudo o que consumimos, entre transporte, alimentação, hospedagem, itens e serviços paga seus impostos aqui na cidade. E então, como fica? Para onde vai todo o dinheiro que as produções de cinema e audiovisual estão investindo na cidade? Por que não temos nada, nem um centavo disso, investido no mínimo que precisamos aqui?
Sei que volta e meia discutimos algumas questões sobre arte e cultura e, ainda, essa gente nos menospreza e blá-blá-blá. Nós produzimos, nós geramos emprego e renda. Nós contribuímos com a economia da cidade – e com muito mais, porque nem tudo se resume a dinheiro, mesmo numa sociedade capitalista. E até quando acham que vão nos desrespeitar? Até quando pensam que esta cidade foi feita para dois ou três sobrenomes?
Felizmente as eleições do Conselho da Cidade já anunciaram que as coisas estão mudando. Felizmente há uma onda que não vai morrer na praia de um Novo Cinema sendo feito em Joinville – eu até diria “só não vê quem não quer”, mas, infelizmente não é bem assim.
Cinema não existe sem público. Cinema não é para exibir aos amiguinhos e tá tudo bem. Não tá tudo bem. Ah, mas o SESC! Sim, o SESC é a melhor sala equipada e acessível, em termos, para exibir filmes. Mas o SESC não é uma sala pública de cinema e tem sua programação também. Até quando vamos remendar os problemas evidentes?
É muito bonito, poético até, isso de sussurrarem as coisas, das críticas veladas e silenciosas, os tapinhas nas costas – que é como fazem muitos da arte e cultura de Joinville. Tenho a forte impressão que essa prática não surtiu resultados em seus mais de cento e tantos anos de cidade e que ela não se sustentará mais diante de uma população diversa, composta por muita gente que vem de fora tentar a vida aqui porque ela parece terra de oportunidades – não pode mais ter oportunidades só na linha de produção. A cidade não é de uns poucos e seus nomes e sobrenomes. A arte e a cultura não são só feirinhas na praça e enfeite de natal na rua.
Nós estamos organizados e bem armados. Eu produzo aqui e a economia não vai me deixar de lado – enquanto dá isenções para grandes indústrias. Quando vi o governador visitar Joinville, não encontrei agenda com o secretário de cultura exigindo um CIC em Joinville – soube que o governador assinou duplicação para a rua que leva à cidade industrial. Se cada uma e um que trabalhou nas minhas equipes cobrasse o investimento do imposto que foi deduzido do seu cachê nos equipamentos públicos de cultura da cidade, já teríamos um avanço. Se cada um e uma que trabalha com cultura tivesse a visão da força do seu trabalho, aí sim as coisas mudariam.
E eu não vou deixar ninguém em paz enquanto não tivermos uma sala pública de cinema, onde tenhamos diversidade de programação, onde tenhamos cinema joinvilense na tela, onde tenhamos cineclubes e encontros e mostras – e tudo acessível. Tenham minha palavra.
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