Joinville, o mirante, o descaso, os amores, o risco e as fugas. Escrevo porque posso.

Eu poderia passar sem essa. Não, eu não poderia. Não suporto sofrer auto-censura baseada em opiniões e julgamentos que os outros fazem a meu respeito. Já tive que ouvir até um “você não pode falar porque mora em Fpolis, não aqui”. Acho tão lindo que alguém saiba mais onde eu moro do que eu mesma. Nem eu sei onde eu “moro”. E aí me pergunto, então, se tenho endereço (rá! querem saber? eu tenho endereço em quatro cidades! então posso falar de todas, certo?!) em Fpolis não posso falar do Rio, nem de Mafra ou de Joinville? Pois bem, falo de onde eu bem entender. Falo quando eu penso que tenho algo a falar. Se os dignos “moradores” (muita gente só tem um endereço, tadinhas) de um lugar não sabem ser críticos acerca do seu entorno, entendam: o problema não é meu. Podem dizer que curitibano é bairrista, e somos mesmo! Digam, também, que o típico joinvilense tem características bem definidas e uma delas é você não poder criticar a cidade deles. Meu irmão era desses. Antes de qualquer consciência sobre o “típico joinvilense” eu já discutia horrores com ele (vê lá, não é a maior cidade do Estado, é só a mais populosa, a maior em território é Lages – nunca entendi porque os joinvilenses se agarram ao número populacional e ao título, enfim…), como volta e meia vejo a careta que minha mãe (nem tão típica, mas joinvilense) faz quando eu critico alguma coisa.

Quem me acusou de nem morar aqui foi a amiga virginiana que deixou de falar comigo por discussão política na última eleição. Ela defendia o candidato da igreja, vejam só, aquele que prometia meia dúzia de elevados e que nunca sequer fez uma proposta para o ridículo terminal de ônibus do centro. Essa amiga só anda de ônibus a vida toda dela aqui em Joinville. E eu perguntei pra ela: como tu pode votar em alguém assim? Ela teve que concordar! O terminal de ônibus (não só do centro, mas alguns dos bairros são, pelo menos, mais novos) do centro é a coisa mais ultrapassada que eu posso imaginar, desde que me entendo por gente é o mesmo! Trocaram o telhado ali faz alguns anos, mas não mudou nada! Esse é só um exemplo, não é o principal para hoje.

Sobre eu morar “aqui” ou “ali”, lhes digo que nos últimos dois anos, por motivos pessoais e avessos à minha vontade, tenho passado bastante tempo por aqui (sim, encontro-me faz alguns dias em Joinville). Nos anos anteriores estive mais afastada, mas sempre presente.

Sei que Carlito ganhou, novamente, destaque na imprensa por conta dos seus “últimos dias” como prefeito. Criticá-lo parece bater em cachorro morto, é verdade. Ele será para sempre, pra mim, o babaca que deixou retirarem as azáleas dos canteiros da JK. Sim, aquelas azáleas lindas, sempre floridas no inverno, barreira natural para pedestres afobados, que existiam lá desde que eu era criança. Foi ele também que deixou colocarem aquelas cercas dentro da rodoviária (esta abandonada desde a última reforma feita pelo Luiz Henrique) que não servem para nada. Foi durante o mandato dele que vi as ruas da cidade virarem mato.

Ontem tive que fugir de casa. Pois é, fugi mas tinha que voltar. Enfim, isso não vem ao caso. Saí andando rápido sem destino (por aqui posso andar de olhos fechados, como, aliás, eu fazia ao voltar da escola). Para onde ir quando se quer fugir de tudo e todos aqui? É difícil. Não tem praia. Tá, eu sei, tem. Mas eu não iria à pé até a Vigorelli ou ao Morro do Meio. Ah, sim! O zoobotânico! Lugar com mato, lago, bichos, pouca gente. Ou, quem sabe, o mirante? Para quem não sabe, sou apaixonada pelo mirante de Joinville. Claro, ninguém sabe disso. Mas, dizem, o mirante está interditado… desde quando? Desde sempre.

A missão era ir até o mirante. Na volta uma passada pelo zoobotânico (sempre me dá vontade de ir às segundas, coincidentemente, e nesse dia não abre). Eis que desacelero o passo ali pela Casa da Cultura, um dos lugares que mais tive o prazer de frequentar na vida. Me bate uma tristeza enorme toda vez que passo ali e a vejo fechada, abandonada. Ela foi interditada já faz algum tempo e nada de reabrir. Sigo e vejo mais movimento de pessoas do que eu gostaria. Lembro minha mãe dizendo que tomava banho ali naquela pequena barragem um pouco antes do zoobotânico. E eis a surpresa (ou não): pessoas chegando no portão do zôo e voltando. Alguém ali dizia o motivo de estar fechado. Eu nem ouvi, segui em frente. Já estava posto a tônica do governo Carlito: fechado. Foram escolas, Casa da Cultura, Museus, zoobotânico… tudo fechado por falta de manutenção, interditado, abandonado. Outro exemplo: o cemitério dos Imigrantes. Perdi a conta de quantas vezes fui lá e o portão fechado (apesar da placa com o “horário de funcionamento”), hoje pensei em ir lá, mas não sei se tenho vontade de dar com a cara no portão novamente. Ah, Museu Fritz Alt, que a maioria esmagadora do povo dessa cidade sequer conhece: fechado. A última vez que fui lá saí com o coração apertado. É um crime não conhecer. E está lá “em reforma” e abandonado. Mas se as pessoas nem conhecem, como poderiam condenar o abandono?!

Sigo e passo pela placa “perigo em obras” “acesso restrito”. Eu só paro diante de placas assim quando acompanhada por pessoas chatas, bundões em geral. Como, aliás, foi o caso da penúltima vez que estive no zoobotânico. Enfim, segui. A mudança foi drástica. O caminho que leva até o mirante era de terra na maior parte, até encontrar a antena lá em cima. Agora é toda ela iluminada (pelo menos há lâmpadas, desci já passava das 19h e não vi nenhuma acesa) e com paver na calçada e via. Ah, é uma “trilha” um pouco urbana no meio do mato. Minha alegria: não havia ninguém. Só perto de uma casa que tem ali havia dois meninos. E ela sobe, sobe… tão vazia que tirei a blusa ensopada de suor e segui só de sutiã em meio ao mato com vento refrescante.

Quando eu estava pensando em fazer isso novamente (tinha uma foto em mente para fazer), lá na última subida, quase chegando, vem um ciclista. Tiro uma foto aqui, outra ali e sigo. Lá em cima há o pedaço de uma placa onde se lê “perigo” e “acesso aos funcionários da obra”. Chego, o cara da bicicleta (ele tinha uma garrafa d´água!) faz a volta e desce, fotos para cá e para lá, relembro desde a primeira vez que lá estive e chega um carro. Um homem e uma mulher. Os dois de cara sobem no mirante. Penso cá com meus botões: eles são reforçados, espero aqui e vejo se vai cair, se não cair eu subo. E eu subo. Relembro cada vez que subi ali. Lá em cima aproveito um sol lindo, uma vista maravilhosa, vejo o quanto a cidade cresceu para a parte “de trás”, sim, o lugar mais lindo da cidade. Logo, mais um casalzinho, de carro. Depois eu desço e começo a me divertir. Sento ali no banco que pode cair a qualquer momento e resolvo observar as pessoas. Todo mundo sabe que tem bons e baratos motéis em Joinville. Mas uma fugidinha para um lugar êrmo deve fazer a cabeça das pessoas. Toda vez que vou para lá encontro os vestígios desses amores fugitivos. E dá-lhe chegar casal, dar uma volta, e ir embora. Já era lá pelas 18h, então o movimento tinha razão de aumentar. Além de observar as pessoas, reparei na sujeira que predomina, num portão ridículo que estava aberto sem impedir o acesso, em cercas de plástico há muito arrancadas, em grades que já não existem e oferecem risco real. Lá em cima, com um vento leste forte, reparei que o mirante mantinha-se firme – muito mais firme do que das últimas vezes. Ele resiste.

Logo chega um uno, um homem e umas cinco crianças pequenas (a maior não devia ter dez anos). Ele liga o som, toca Raul Seixas, abre uma cerveja (e eu me derretendo por um copo d´água!) e as crianças sobem e descem correndo, descem ali atrás do banco, sobem e correm por tudo. Ele nem aí. Pelo que entendi nem era o pai delas. Acende seu cigarro e fica ali, urina do lado de lá do carro. uma criança corre até onde não tem mais cerca de proteção e diz “se eu cair daqui será que eu morro?!” ao que uma um pouco maior forja empurrá-la. Ao observar tudo isso me lembrei daquelas grandes tragédias que a imprensa cobre de vez em quando. “Criança morre ao cair do mirante em Joinville” e aí viria todo o drama de um lugar da cidade supostamente em obras estar abandonado e gerando risco para as pessoas. Bem, quando subi no mirante tuitei: se eu morrer, não haverá indenização. Eu estava lá por minha conta e risco, ciente da situação. Como sou um tanto cética quanto ao mirante estar prestes a desabar (como disse, sempre ouvi isso), subi. E, também, ontem estava com a frase “quando eu morrer” desde quando acordei, ou seja, um tanto mórbida. Como poderiam responsabilizar alguma coisa ou alguém quando um babaca daqueles permite que crianças sob a sua responsabilidade façam o que não pode? Volta e meia é esse tipo de situação que gera as notícias dramáticas, mas aí só vale explorar a dor. Desse babaca só agradeço pela trilha, fazia tempo que eu não ouvia Raul e Maluco Beleza caiu como uma luva para o meu dia.

Nesse meio tempo cerca de cinco ou seis pessoas subiram até ali e desceram, pessoas que só estavam fazendo exercícios. Alguns carros e seus casais, duas motos. Logo chega um homem de carro alugado, tira foto daqui, dali e sobe. Eis que surge uma moto. O cara desce e me diz “Não pode ficar aqui, moça. É um perigo, tá tudo fechado, tem placa, não pode subir.”. Eu levanto para sair, né. Ele “Está sozinha, não é pra subir!”. Eu “Eu só estou aqui sentada, estou sozinha. Tem um cara lá em cima.”, ele “Ah, então desculpa, moça. Pode ficar. Só não pode subir. Só pode vir aqui pra fazer caminhada, subir é que não pode.”, eu “Mas eu passei lá embaixo e o cara não falou nada.”. Ali depois do zoobotânico há uma corda barrando a entrada de carros e uma guarita, onde havia um homem que não me impediu de subir.

Eis que ele chama o cara lá de cima, ele desce, diz que “não viu placa nenhuma” (aham…), só tirou fotos, pede desculpa. O guardinha da moto diz que o portão ali foi arrombado ontem (aham, sei…) e que não pode subir, que é um perigo, que está pra cair. O cara do carro vai embora, o guardinha sobe e chama o casalzinho que está lá. Aí chega um carro com placa de outro Estado cheio de gente e uma moto com dois. O guardinha desce e diz que não podem subir, que está interditado. Olha pra mim e diz que vai fechar o portão, eu levanto e vou saindo. Só ouço a voz alta dizer para os turistas “Não pode, não, pessoal. Está fechado. Vou fechar o portão, vocês precisam sair.”. Achei uma abordagem linda para turistas, né? Já passei por coisas semelhantes em certas cidades e é o que a gente sempre lembra ao associar o lugar. Quando eu estava ali perto da antena passou o carro, um ciclista e a moto. Logo o guardinha (que me esperou um pouco mais adiante), me senti escoltada.

Pouco tempo sobe um carro com mais um casal, e lá vem o guardinha atrás! Achei as cenas hilárias. Logo, desce o carro escoltado pelo guardinha. Na descida ainda encontrei dois maratonistas (uhuhu) e três adolescentes subindo. Nada mais do guardinha.

No final da rua pavimentada há uma placa onde constam os planos para o mirante “janela”, a pavimentação da via, etc.. Segundo a placa (sem data) a pavimentação estava concluída e as outras duas etapas em “fase de licitação”. Licitação eterna. Por que não começou pelo mirante, depois a pavimentação?! Eu nunca deixei de ir no mirante porque a rua era de barro. Aliás, havia alguma rua ali que dava acesso aos fundos da prefeitura, onde ela foi parar?

Na volta, sigo à pé pela beira-rio e me irrito com aquele asfalto jogado às pressas e sem nenhuma noção onde havia o belíssimo mosaico português. E dizer que teve quem elogiou aquilo ali! Carlito se resumiu, bem resumidamente, àquilo: pavimentação. Ou nem isso. Porque aquele cimento grosso, mal acabado e feio não é pavimentação. Eu caminho com certa frequência pela beira-rio. Então eu posso falar, certo? Aliás, ninguém tem idéia da minha revolta, durante a campanha para prefeito, quando tive que passar por ali e ver os caras arrancando e jogando fora o mosaico português enquanto o caminhão despejava o cimento. Por que não cimentam o Cachoeira duma vez?!

Por que não fecham tudo, duma vez?! O mirante não recebe sequer manutenção desde, no mínimo, o primeiro mandato do Luiz Henrique. Ele teve dois, mais um do Tebaldi e um do Carlito. Calculem o tempo. Antes disso minha memória política não alcança. Posso, sem orgulho mas com razão, dizer que sou mais joinvilense que muitos “daqui” que eu conheço. Não vou, por nada nem ninguém, fechar os olhos ao que eu vejo seja onde for. Porque, segundo dizem, até parece que eu não critico Fpolis, por exemplo. Não critico Curitiba. Vejam só, cheguei ao desparate de criticar o tão babado Rio de Janeiro! E, quando tenho os melhores motivos, me derreto em elogios…

Assumam o risco, subam ao mirante de Joinville. É inesquecível, lindíssimo. Você vê a Baía da Babitonga, a cidade toda, os morros. E quando subirem a Serra do Mar, numa determinada curva lá depois da Santa, olhem para traz e vejam uma pedacinho disso ali. É lindo. É, sim, emocionante. Não esperem que algum prefeito arrume o mirante, acho que infelizmente ele cai antes disso (e olha que acho bem difícil que ele caia tão cedo!).

Pra você que só reclama: há dor e delícia

 

Não é novidade alguma para ninguém que gosto muito de Florianópolis.

Vim pra cá praticamente sem conhecer a cidade, com uma mala com roupas e uma caixa com livros. Dezoito anos na cara, matriculada em duas graduações e sozinha. Não me faltou coragem, não me assustaram nem a solidão nem as responsabilidades e decisões. O pouco que eu conhecia da Ilha tinham deixado uma impressão forte de quando menina: a beleza natural. E, bem, já um pouco mais velha, eu pensava que se num lugar tão lindo (isso só do pouco que eu conhecia) ainda havia a oportunidade daquilo tudo que na época eu sonhava e traçava meu destino, melhor ainda.

Também não é novidade alguma que eu gosto muito de praia, talvez pelo costume de frequentá-la desde antes de fazer um ano, talvez pela alma que se encontra à beira-mar. Gosto da natureza, de cachoeiras, de morros altos com vistas lindas, do meio do mato, de árvores e flores. Isso sempre foi assim, me sentia criada no meio do mato quando abria a janela do quarto e via a goiabeira e um pé de fruta do conde, lá embaixo as galinhas e patos livres pelo quintal. Vivi sempre num mundinho a parte, com meus brinquedos e as histórias e personagens que eu criava. O elo com a realidade era a mãe, sempre por ali, e que tem papel definitivo em quase tudo o que sou, e em muita coisa que gosto, como esse apreço pela natureza.

Bicho do mato como me sinto, não nego ter nascido onde nasci e sempre gostei de cidade com opções. Naquela época eu olhava para a Ilha e via isso, um deleite natural com cara de cidade grande. E aí, me senti em “casa”. Eu sei, não sou só uma e não vivo em um só lugar. Por isso vivo para lá e para cá, com aqueles meses sagrados no meu reduto (que de cidade grande não tem nada).

Eis que estava na Ilha sem ter sido ela nunca um objetivo em si, sonhada ou idealizada. Mas ali estava e ali eu vivia. Viver, no sentido mais doce e amplo. Soube aproveitar tudo o que ela me oferecia. Quantas vezes, ao chegar no CFH e ter uma notícia de falta de professor não olhei para as amigas e disse: vamos pra praia? Quantas vezes num dia de folga de aula ou faltando aula não subi um morro desses aqui em volta? Quantas vezes não fui ensandecida a um bazar de shopping fazer compras como se não houvesse amanhã? Foi tudo e foi muito.

Não sou daqui e nem me sinto de lugar nenhum. Posso, amanhã, ir para qualquer lugar. Ainda não fui porque me sinto contrariada em sair de onde gosto tanto e de estar nas proximidades de quem é importante pra mim. Afinal, a BR 101 é aqui ao lado. Sei que é bom ampliar horizontes e blábláblá. Nunca me neguei a isso. Nem me nego. Mas ao chegar aqui tão sem planos concretos, hoje vejo traçados para o futuro coisas das quais não posso fugir pelo traçado que já vivi até agora. E assim se faz.

Tudo isso convive conscientemente comigo. Nas últimas semanas, certos eventos fizeram tudo ficar à flor da pele. Já conheci algumas características da Ilha e de quem vive aqui. Já escrevi sobre isso inúmeras vezes. Sei que é impossível impedir o crescimento, mas acredito possível impedir muitas das suas nefastas consequências. Sei que sempre pareço saudosista. Não acho, porém, que seja o caso.

Há uma canção da Shakira que diz que para falar de dois é melhor começar por si mesmo. E acredito que para poder falar sobre qualquer coisa, preciso dizer de onde estou falando (coisas que a academia fazem você perceber ainda mais) e por isso começo sempre por dizer quem escreve aqui, de onde, por quais olhos.

Meu discurso representa aquilo que eu estou o tempo todo formando como “eu”. Não nego isso e prefiro deixar bem claro.

Fazia algum tempo que não explorava uma determinada região do Campeche. Sabia que numa rua havia acesso para uma trilha, como há tantas pela Ilha. Resolvi, naquele dia, ir até lá. Quanto tempo havia passado? Uns três anos, provavelmente. Mas sou frequentadora da região e fui direto por onde eu achava (resquícios da memória, obviamente) que era a entrada para a tal trilha. Eis que logo na estrada de uma rua comecei a reparar nas mudanças. Mudanças drásticas. Há, agora, pelo menos mais cinco novas “servidões” (nada mais característico da urbanidade da Ilha) ali atrás da tal rua que eu conhecia. O mix indescrítivel que é a população e os tipos de moradia da Ilha (um dia aquele documentário sai do papel) tinham ali um belo exemplo – certo, não tão belo assim. Ao mesmo tempo que sempre me fascinei por essa multi-qualquer-coisa que são os moradores da Ilha e suas habitações, sempre fiquei horrorizada. Ali naquelas servidões há um novo condomínio fechado com casas de alto padrão com suas piscinas, sem muros nem cercas, as casas de metragem razoável com carro simples na garagem e terreno padrão, as velhas casinhas que parecem existir desde que a Ilha é Ilha, um puxadinhos pra lá e pra cá que pelo número de portas diz que o aluguel ali come solto, aquela casinha de madeira caindo aos pedaços com um sedã caríssimo na garagem, as inúmeras e intermináveis casas em construção… Um churrasco pra cá, um cachorro pra lá, um fogão a lenha ali, um som alto de carro acolá. Diante de mim estava o melhor exemplo do que é a Ilha. Há bairros com características predominantes, mas essa mistureba é a cara da Ilha. Como toda cidade, tem seus bairros “ricos” e os “pobres”, mas estes convivem numa babel econômica bastante peculiar por aqui.

Como viajante da Ilha, já encontrei um tipo bem específico que é aquela pessoa que constrói sua casa ao lado do paraíso (uma praia, um morro, o início de uma trilha) e desrespeitosamente coloca cachorros, cercas ou qualquer outra coisa para impedir o acesso dos outros ao que é de todos. Esse tipinho é o que mais me irrita. E neste dia me irritou muito, quase desisti de tudo e resolvi voltar para casa. Porém, caso eu tivesse feito isso, teria voltado com uma péssima sensação e seria mais uma a olhar a Ilha pelo ângulo tão desfavorável ao qual é tão fácil recorrer nessas horas por quem mora aqui.

Entrei em uma servidão, perguntei na penúltima casa, a mulher disse que achava que era ali o acesso à trilha, senão seria na rua detrás. Na última casa desta rua, uma casa que a melhor descrição que me ocorre é “improvisada”, dois cachorros enormes dominavam a área que pensavam ser deles, o cara lá na casa fez de conta que não me viu e eu voltei. Voltei bufando. O cara não tem o direito de jogar sua casa onde bem entender, fazer que aquilo é dele e ignorar quem deseja ter acesso ao que não é dele. Fui até a rua de trás, subi um morro, tentei achar a trilha e nada. Um morador da última casa desta rua me observava. Nessas horas os moradores daqui não são tão queridos. Voltei, vi uma mulher na casa desse observador e perguntei sobre a tal trilha. “Ah, não é nessa rua. Pega a principal e entra na próxima.” Pois bem, ou ela queria me dispensar de vez (o que acontece muito nesses casos) ou a minha memória realmente tinha dado uns pulinhos. Eu lembrava de toda aquela entrada da rua principal, exceto pelas novas servidões. Voltei, segui, entrei na outra e, sim, era lá. Eu havia errado (e minha memória me alertou que da outra vez eu também tinha errado) a entrada. Subi, subi, subi, lavei e sequei a alma, lamentei o mato alegre com o calor que fez no nosso inverno e que me tirava uma parte da vista, tive aquele momento que só eu sei o que é e voltei.

 

Nos últimos meses tenho acompanhado a campanha política para prefeito. Não só de Florianópolis, mas de Joinville e de outras cidades. Um dia, em casa na Ilha, ouço a propaganda do Cesar Souza Jr falando sobre as liberações em excesso para construção de imóveis na Ilha. Esse é um lema da campanha dele desde o começo. Achei um risco grande tocar nisso, mas ao mesmo tempo um trunfo. Este é um grande problema da Ilha, é verdade. Mas a nata da cidade administra a construção civil (Político posicionar-se contra a elite? Nem Lula fez isso… o perigo é grande demais e não garante votos.) e o povo quer morar em Florianópolis, é imagem, é demonstrar poder, posição, sei lá o quê. Aí quem se posiciona contra a ocupação desenfreada é tachado de saudosista, atrasado, mané. Fiquei pensando se o Cesar faria uma placa com a famigerada frase “fora haole” e colocaria nas pontes. Porque é disso que acusam quando se tenta abordar o problema. As pessoas, no geral, não percebem que construir um prédio como aqueles ao lado do Paula Ramos, na Trindade, é um atentado ao que já está tão ruim. O cara reclama do trânsito parado, mas só usa o seu carro (e como 90% das pessoas nessa cidade, anda sozinho no seu carro). A pessoa olha para um prédio e não entende que cada apartamento daquele vai ter entre duas a quatro pessoas, que essas pessoas vão andar nas ruas, vão ter carros (a maioria dos prédios por ali tem pelo menos duas vagas na garagem), vão precisar de serviços na região, etc.. O problema por aqui é realmente grave. Porém, se você critica as cidades do entorno que são “dormitório” e não absorvem a mão-de-obra dos seus habitantes, levando à exaustão as pontes e a região central (aquela pessoa que mora em Palhoça e vem todo dia trabalhar num shopping qualquer) você é preconceituosa e sabe-se lá mais o quê.

 

Fiquei curiosa pela declaração do Cesar Jr., mas achei ainda mais curioso quando ele, num programa na TV, disse que a cidade não aguentava mais elevados. Segundo ele, a gestão anterior havia construído elevados pela cidade e não havia resolvido o problema do trânsito, havia, inclusive, piorado a situação. Cesar Jr. é candidato pelo PSD, mesmo partido de Kennedy Nunes, candidato de Joinville. E aí eu lembrei da questão do “horizonte” que citei ali acima.

 

Kennedy Nunes tem por principal promessa de campanha a construção de seis elevados e um túnel em Joinville. Como toda cidade brasileira de médio e grande porte, Joinville hoje também só sabe reclamar do trânsito. (Parênteses necessário: o “trânsito”, ou “mobilidade” que acham mais bonito chamar, é um problema nacional. É sabido o incentivo para a compra de automóveis, a isenção de impostos, o crédito fácil e o consequente endividamento da população para que, num ideal golpe de mestre, o governo não entre na crise mundial e possa dizer aos quatro ventos que aqui, agora, a população não é mais pobre e compra, compra, compra, tem acesso a tudo e mais um pouco. Um golpe de mestre, sim, senhores presidentes, que joga para o indivíduo, com a querida intervenção federal, mais problemas – endividamento, trânsito, poluição, doenças – e nenhuma crítica.) Eis que pensei, então, que Florianópolis, anos atrás com a maior frota proporcional do país quis solucionar o tal “problema do trânsito” e construiu suas dúzias de elevados. Em pouco tempo, agora aquela solução politiqueira e de aparências tornou-se um problema maior ainda porque em nenhum momento tocaram na raíz do problema – e ganharam a colaboração de grego do governo federal. Joinville, com o candidato do mesmo partido de Cesar Jr, deveria ter este alerta da experiência. Florianópolis, que é mais desenvolvida que Joinville (alguns joinvilenses me odeiam por declarações assim), enfrenta problemas por ter sido ludibriada com as soluções de fachada, e Joinville segue o mesmo caminho. Não cobro a previsão, mas daqui poucos anos estaremos ouvindo em Joinville a mesma ladainha do “novo”, da “mudança” que a cidade precisa com este ou aquele candidato que vai finalmente resolver o problema do trânsito em Joinville, coisa que o prefeito anterior não conseguiu e só gastou dinheiro em obras faraônicas.

 

Tenho profundo desprezo pelos que “passam” pela Ilha. Aqueles que vêm morar aqui porque foi onde encontraram as oportunidades que não tiveram nas suas terras e só sabem explorar (no pior sentido) e criticar muito a cidade. Essa babaquice de “Beverly Hills catarinense” só demonstra isso. Por que a chacota? Todas as cidades têm todo tipo de gente, não é só aqui que encontraremos idiotas que fazem declarações idiotas. Não é só aqui que há pessoas com muito dinheiro e pouca coisa na cabeça. E sabe o que as páginas do Facebook de Diário de Classe, Beverly Hills catarinense e afins demonstra? Uma outra característica forte do povo de Florianópolis: a vocação por seguir modismos rasos. Sai qualquer bobagem, lá estão todos achando lindo. Quem se ancora aqui e fica só dizendo o quão desprezível a cidade é, a mentalidade das pessoas, merece, sim, um “fora haole”. Volta pra onde veio e vê se lá vão te dar a vaga na universidade que você queria, o emprego que você precisa. Difícil?

Não dou crédito ao discurso “ah, mas acha que é fácil largar tudo”. Não é fácil. Eu não gostava de morar em Joinville, não via minha vida lá, e só eu sei o que passei para resolver isso. Vire-se, eu diria. Agora, quem vem com o discurso, ao morar poucos meses em Florianópolis, de que aqui não é paraíso nenhum, que a cidade é elitizada, excludente, que tudo aqui é ruim, que é só propaganda a tal “ilha da magia”, precisa sair da Trindade, abrir os olhos de verdade, pegar umas dúzias de ônibus, estudar algumas coisas e pensar antes de falar. Acho bem simples. Se, mesmo assim, continuar na rabungentice, saiba que as pontes ainda estão abertas, pra quem chega e pra quem sai.

 

Quem gosta de verdade de alguém ou alguma coisa aprende a ver seus defeitos. E, melhor ainda, se preocupa com eles, tenta fazer alguma coisa. Seja aqui, em Joinville ou onde for. Uma amiga ainda me disse “Bom saber que o Campeche ainda resiste.”, infelizmente não sei se posso dizer que o Campeche, ou a Ilha, estejam resistindo. Não sei dizer se Joinville com suas tão mais frequentes enchentes (com exceção de umas três citações durante a campanha, foi o tema mais grave e mais esquecido) está resistindo, seja ao avanço ou aos péssimos políticos. Ou, ainda, à própria ignorância de suas populações.

 

Sei que Florianópolis não é nenhuma perfeição. Nunca chamei-a de “ilha da magia” ou “floripa” porque discordo do que vem embutido nisso. Me preocupo muito com os problemas que me parecem os mais graves da cidade. Mas sei olhar aquilo que é bom, sei aproveitá-la e não deixo de criticar. Eu poderia ter voltado pra casa quando tropecei nos malditos moradores com seus cachorros. (E, só para constar, há um caminho dali até onde eu queria sem precisar ir para a outra rua, pude constatar isso lá numa das curvas do morro, onde começa a trilha que vai para a casa das servidões, mas os moradores devem achar que é acesso “particular”.) Mas, não, eu insisti e fui lá ver, ouvir e sentir o que eu precisava, com vistas maravilhosas, silêncio, paz e alma lavada. Eu poderia ter ficado com medo e não ter pegado aquela mala e aquela caixa com livros para vir pra cá. Reclamar e desistir são cânceres da alma, meus queridos.

 

 

A ignorância e a arrogância de mãos dadas e um comentário sobre o horário eleitoral

 

Minha mãe chega em casa e relata a seguinte história:

 

Na clínica, sala de espera.

 

– Ai, cheguei atrasada porque teve um acidente na rua Aubé, com três carros. Mas não tiraram os carros da pista, deixaram lá, ninguém ia nem vinha. Tive que dar a volta e ir lá por trás. – diz uma mulher

-Ah, mas ano que vem isso tudo vai mudar. Vão colocar elevado pra todo lado, duplicar. Ano que vem! – diz minha mãe citando ironicamente a propaganda política que vimos ontem no horário eleitoral.

– Ah, é mesmo! Ano que vem a cidade vai ter “elevado” o trânsito! Mas elevado não é nada, vai ter até túnel! O túnel foi demais! – diz um homem, citando a tal propaganda do candidato a prefeito.

– Túnel? Elevado? – pergunta a mulher que ficou presa no trânsito.

– É, é, não viu o horário eleitoral ontem? Disseram que vão fazer até túnel em Joinville! – responde o homem.

– Túnel em Joinville? Pra quê? Pra encher de água da enchente?! – pergunta a mulher.

 

Aí entra em cena outro personagem, quieto até o momento.

 

– Eu nem vejo horário eleitoral porque eu tenho TV a cabo. Aliás, esses canais todos aí, Globo, SBT, eu nunca assisto porque tenho TV a cabo.

 

E o silêncio domina.

 

Eu pergunto pra minha mãe: E tu não respondeu que também tem TV a cabo e que coloca no horário eleitoral porque vota e quer ver o que está acontecendo na campanha?!

 

Eu digo, meu povo, arrogância e ignorância andam de mãos dadas.

 

Sim, a ignorância do high society brasileiro é arrotar que não assiste Globo. E ignorância maior é fazer questão de dizer que não ouve no rádio (não sei se vocês sabem, mas tem propaganda no rádio também, tá?) e nem assiste na TV. Fazem questão de dizer. Sim, porque é aí que entra a arrogância.

 

Fiz meu título de elitor com dezesseis anos. Desde então talvez só não tenha votado em uma eleição para prefeito porque não estava na cidade. E assisto e ouço no rádio frequentemente os horários eleitorais (que, não sei se vocês sabem, mas não tem nada de gratuito).

 

Além de assistir comento em casa e onde eu bem entender sobre os candidatos e sobre os programas. Te incomoda? Problema teu.

Se paga de inteligente e blábláblá e ignora Política? Ou, ainda pior, se paga de revolucionariozinho-esquerdista-pseudo-mil-coisas mas não tem um argumento atualizado sobre Política? Taí, ignorância e arrogância em lua-de-mel.

 

Próximo post vai pensar um pouco mais sobre isso, sobre a falsa associação que se faz entre renda, nível social, educação, cor e outras cositas mais.

 

 

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