O audiovisual catarinense agoniza…

Eis que me encontro em dificuldade em começar este post. Será que ele não está “pronto” para as letras? Quem sabe. Pensei nele a partir de algo que já não lembro o que foi, mas foi durante o banho de ontem – banhos sempre me rendem muitos pensamentos – que, aliás, foi um dia excepcional, e eu estava espiritualmente em algum lugar distinto.

Tem o local e o universal, não é? Mas podemos dizer que há algum “local” que também é universal, não? E todo universal é local, então?

O audiovisual e o cinema em Santa Catarina são peças de estudo e crítica frequentes aqui pelo blog. Sei que nem todos os leitores têm interesse nisso. Mas, enfim, se escrevo sobre o meu mundo, escreverei sobre as produções daqui. E, na verdade, não pensei em nenhuma em específico.

Lembro que enquanto eu estava na graduação teve um artigo polêmico de algum colunista que virou duelo com alguns (ou algum) professor sobre o provincianismo da produção no Estado. Alguns devem lembrar quem foi, o que disse, outros podem fazer uma pesquisa aí no Google da vida e vai descobrir do que se trata.

Seria provinciana a produção audiovisual/cinematográfica catarinense? Vejamos…

Algo que me incomoda profundamente é o uso dos editais regionais como meros financiadores de “novas” produtoras “independentes”. Pois é, tem toda a história de prestação de contas, notas fiscais, serviços prestados e etc. que podem ser mais bem “controladas” e viabilizadas com a simples “criação” de uma “produtora”. Eu tenho uma produtora, no papel. Nunca ganhei um centavo de edital nenhum. Bem, primeira constatação: há “produtoras” demais no Estado (vide Fpolis, aliás, vide a Lagoa da Conceição). Se há tantas produtoras “independentes”, onde estão as produções independentes? Deveriam ser em grande quantidade.

Mas, vejam bem, falamos aqui em quantidade, apenas. O que, aliás, não me interessa de forma alguma em nenhuma hipótese. Desprezo essa “numeração” das coisas.

Não é novidade alguma, nem causa espanto mais, nem é segredo que essas produtoras são criadas com intuitos pouco desinteressados. Há tantos casos nos quais ela apenas serve de fachada para que o dinheiro recebido pelo edital (que não é pouco dinheiro, como todos sabem) seja usado na compra de câmeras, lentes, equipamentos em geral e o dinheiro que “sobra” para a produção é bem aquém daquele proposto pelo edital. Reparem nas produções feitas em uma locação apenas, produções que não usam sequer um travelling, que não requerem, de forma geral, gastos extraordinários em produção. Ah, sim, mas temos os atores, os diretores, os assistentes… Procurem fazer pesquisas e perguntas por aí e verão vários exemplos de equipes mínimas, onde o acúmulo de funções é regra.

Bem, chegamos ao ponto onde os recursos não são usados devidamente para a produção (apesar de que nada pode ser provado porque as “produtoras” encobrem todos os pontos suspeitos) e o proponente consegue erguer-se com as verbas que deveriam ser destinadas à qualidade das produções, não apenas à quantidade (não são tantos assim os “vencedores”).

E quando um professor universitário federal ganha um edital desses? E quando a velha guarda do audiovisual catarinense ganha? Sabemos que eles não precisam “erguer-se”, nem abrir a sua “produtora” (posto que eles já têm uma produtora que foi iniciada dessa forma descrita anteriormente)? Sim, a velha guarda fez isso (e muito) e, penso eu, ensinou a nova geração (da qual faço parte) a fazer o mesmo.

Bem, chegamos aqui ao ponto de que é assim que se “faz” audiovisual e cinema em Santa Catarina. A forma é a mesma a muitos e muitos anos, antes mesmo de eu sequer pensar em entrar nessa área.

Alguns dessa velha guarda foram (são?) professores nos cursos de graduação em Cinema/Cinema e Vídeo/Cinema e Produção Audiovisual. Digamos que tiveram “bons” alunos, não é?

E eis que vejo muitos problemas nisso. Mas a situação piora quando somamos a isso o “local e o universal”.

Por que o dinheiro público deve ser usado nessas produções? Bem, eu sei, o problema é histórico no Brasil, não vou dicutir.

Porém, quero discutir o universal e o local em poucas coisas que vi e vejo. Vejam comigo.

Um vídeo sobre inscrições rupestres (tão mais místico do que didático)? Um vídeo de ficção que trate do preconceito?

Todos são válidos? Sim, claro.

Participei, nos últimos anos, de dois trabalhos de amigos muito próximos. Acredito que eu trabalharia nas produções independente do tema ou da abordagem, pois são meus amigos. Independente disso, quero apresentar as qualidades dos dois (pretendo escrever uma crítica para cada um aqui no blog).

Semeadura, de Cleuza Soares, é um documentário sobre cotas para negros, índigenas, estudantes de escolas públicas. Ele é universal, as cotas no Brasil são uma extensão de projetos e discussões dos EUA e outros países. Porém, ele é local, ele aborda personagens aqui da Universidade Federal de Santa Catarina. A discussão, enfim, se embrenha no local e no universal. Como diria Vinícius ou Tom Jobim, na nossa fala sempre esta o nosso quintal. Cleuza conseguiu captar falas emocionantes dos personagens. As falas de dois professores da UFSC, um da Odontologia e uma da Filosofia, e do índigena me deixaram até hoje marcas impressionantes. Tive o prazer de assistir a uma exibição do Semeadura no FAM do ano passado e ficar lá atrás registrando a reação das pessoas. A professora Sônia Felipe deixa todos os espectadores desconfortáveis com a dureza e realidade das suas palavras – o que, aliás, ela conseguia fazer com os alunos em sala de aula. Cleuza viu o universal aqui no nosso quintal e produziu um material de riqueza excepcional com as falas de pessoas com as quais provavelmente muitos de nós cruzam todos os dias.

O outro trabalho foi o Pé na Tábua, do Adenor Gouvêa, que aliás nos deve colocar o material no Youtube da vida. Adenor delira. Delira muito. Acompanhei cada um desses delírios tão de perto que delirei junto. Enfim, delírios à parte, quando li o roteiro e a inteção da direção de arte fiquei muito incomodada. Aquilo ali era universal, mas não era local. As influências, a fotografia, tudo caminhava para a apropiação de um outro “local”, de um “estrangeirismo”, digamos. Eu devo ter falado algo assim pra ele na época. Como a produção não contava com verba nenhuma (como o da Cleuza), Adenor soube aceitar as realidades do “local”. Ali ele soube trazer o estranho para o quintal dele. Mudou locação, mudou quase tudo na arte, mudaram atores, surgiram personagens. O surgimento de um personagem (que na edição final ficou de fora, o que é a grande birra minha com o trabalho) foi inspirado nos políticos brasileiros, no “crime do colarinho branco”, na realidade tão brasileira e que tornou o “universal” tão local. Este personagem foi criado a partir da criatividade do ator escolhido e na época estavamos em eleições. Tudo isso foi criando um roteiro que não mais era um Tarantino numa estrada interminável americana no meio do deserto. E eu digo: faz diferença.

Nenhum deles, como eu disse, ganhou edital nem nada. Não foram, também, “patrocinados” pelas produtoras que “empregam” estagiários e prometem equipamentos maravilhosos para os seus súditos fazerem seus trabalhos na universidade em troca de promessas que seus sonhos e projetos pós-graduação serão realizados. Vejam bem, promessas. Promesas, apenas. Promessas pequenas.

Agora temos o exemplo de um bem-sucedido trabalho de conclusão de graduação do Alex Siqueira. Talvez o mais “rodado” dos trabalhos saídos da UNISUL, já foi exibido em vários países em festivais e ganhou os prêmios de júri e público do FAM deste ano. Não posso comentar aqui porque ainda não assisti nem trabalhei nele, mas pelo “tema” acredito que é mais um exemplo do universal e local.

É disso que precisamos.

Não precisamos de “historinhas simples”.

Diríamos eu e meu amigo Éder, na época da graduação: nem de historinhas de casal! Muito menos de comercial de margarina!

O dinheiro público não pode sustentar isso nem a “criação” (vejam bem, você abre uma produtora, não “cria”) de algo que chamam de produtora que de independente não tem nada! Também sou contra dinheiro público para o local apenas. “sei lá o que da tainha” e “mais contos bruxólicos da Ilha” serão sempre e sempre candidatos desleais nessas disputas. O local com o universal é um casamento difícil, por vezes doloroso, tortuoso e essencial – além de exigir uma criatividade fora do ordinário.

O ordinário, por sinal, é a zona de conforto da velha guarda. O “local” sempre vai garantir isso. Pena é a nova geração ter tido tão “bons” professores.

Felizmente nem todos fomos “bons” alunos.

E o audiovisual/cinema catarinense agoniza em noites frias de um ínsipido FAM e em dias de calor sufocante de uma antropóloga perdida entre bruxas da Costa da Lagoa.

 

 

 

 

2 comentários em “O audiovisual catarinense agoniza…

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  1. Bom, eu não tenho uma produtora, muito menos filmes concorrendo em editais.
    Tenho meios roteiros, ideias de produções, rabiscos de arte.
    Não sou fã do “local”. Gosto dos universais, dos não localizados e perdidos.
    Meu Cinema e Vídeo/ Produção audiovisual foi pura realização intelectual.
    Tenho vontades em sonhos perdidos… E só.
    Não sei se fui boa aluna… Será?!

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    1. Os perdidos são os melhores! Eu gosto do interno, daquele bem interno, sabe, amiga pisciana?
      Talvez o que falte aos muitos “bons alunos” (dentre nossos colegas) seja essa realização intelectual!
      Não se realizar intelectualmente gera muita precariedade para todo sempre. Quem sabe um dia eles cheguem lá!
      Acho que não fomos “boas alunas”, Erica…
      Mas, enfim, é desses que eu gosto!

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