Desabafo (e não é do Roberto Carlos)

Eis que chega o dia de voltar ao passado. Retomar práticas antigas como o desapego, o desprendimento e o desassossego. Eis que decido voltar àquilo que já fui, talvez nunca tenha realmente deixado de ser, e que deixei dormitando por razões infames.

Se tem coisa que mais detesto nas pessoas é esse arrastar-se da consciência pesada pela culpa. A isso, só os chutes.

Decidi voltar a uns dez anos atrás, retomar aquela rebeldia, reviver com toda a intensidade o espírito daquela menina que só se vestia de preto porque usava um luto pelo mundo, vivia trancada no quarto lendo livros, ouvindo música e sonhando com eles. É a ela que eu quero retomar com toda a vida.

Porque já vivi o suficiente para, entre o ideal e o real, preferir sem questionamentos o ideal e dispensar todos os “reais” que me aparecerem pela frente.

O que atravessou meu caminho e me feriu de morte? A hipocrisia. É, essa mesma. Essa que me fez num dia de fúria escrever num dos meus murais do tal quarto fechado “sejamos hipócritas” como um hino de escárnio.

Decidi não ser mais a mulher perfeita para completos idiotas. Decidi não ser mais a filha atenciosa, sempre presente e dedicada a pais que não me vêem, a irmã sempre e sempre ao lado para irmãos que acham que nunca passei dos cinco anos. Decidi não ser mais, num esforço sobrenatural, simpática com qualquer babaca boçal que cruza, todos os dias, o meu caminho. Decidi que estou cagando e andando pra todo mundo. Decidi que o mais nobre em mim só terá expressão com os animais e os sonhos.

Liguei o dane-se.

Decidi retomar os abaixo-assinados, decidi voltar a incomodar. Decidi mandar à merda quando e quem eu bem entender. Decidi que só vou usar o bom senso dentro da minha casa e, fora dela, só se houver completo retorno.

Lembrei que aquela menina que vivia de cara fechada e fone de ouvido sou eu, sem tirar nem pôr, e que não preciso mudar isso por ninguém. Lembrei que o homem que faz careta porque eu gosto disso ou daquilo, ou porque eu falo alto, ou porque bebo, ou porque faço piadas, ou porque sou obscena simplesmente é um merdinha que não me merece.

Se sou a fútil que adora bolsa e esmalte e isso incomoda alguém, me resta um peido.

Resolvi riscar da lista todos os que não têm consideração à altura de mim (ou da consideração que eu dedico à pessoa). Sim, não é mais o “mínimo” de consideração. Não sou maior abandonada pra viver de migalhas. Restos não me interessam. E ficar ruminando é coisa pra vaca.

Não me acompanha, ficará pelo caminho.

Estou cagando e andando para o dinheiro (como, graças a Deus, sempre fiz). Estou cagando e andando para o que as pessoas pensam (e falam, este tipo de gente sempre fala mais do que pensa) de mim. Estou meio Jesus, não nasci pra agradar. E farei piada com o que bem entender.

Aliás, não perdi meu orgulho, nem meu adorável amor-próprio, nem minha arrogância, nem meu narcisismo, nem meu egoísmo. Tem coisas na vida que nada tira da gente, ainda bem. Nunca serei unanimidade. Nunca deixarei de falar da vida alheia e dos idiotas deste mundo. Aliás, manterei sempre meu bom humor e alegria de estar viva. Sim, até nisso posso ser superior a muitos: estou viva e sei viver. Viver. E, como dizem, viver não é só estar respirando.

Vou, eu sei, atiçar ainda mais essa inveja que corrói os pequeninos deste mundo. Se deixarem, farei de tudo para atiçar ainda mais. Gosto de vê-los se retorcendo.

Vou cuspir de volta todo o veneno que me atingir. E ainda acrescentar um sorridente “obrigada”.

Vou rir do ignorante. Vou rir do pobre de alma.

Decidi não ter que ser nada. Não ter que ter nada. Decidi dizer mais verdades inteiras.

Lembrei que não fui eu que nunca amei ninguém, mas que esses pobres-diabos que andam por aí arrotando seus “te amos” é que não sentem com a cabeça, só com o estômago. Eu sei amar. Sei amar muito bem. Quem ama dá pérolas aos porcos. Quem sabe amar pode se dar a esse desfrute.

O comodismo nunca me infectou e eu nunca precisei de status, nem papel, nem teto pra referenciar o que se passa comigo.

Lembrei que não posso abandonar meu erotismo, minha putaria, minha sacanagem, meu pervertimento, meu lado inteiro cruel porque as pessoas assim me imploram. Implorem seus perdões que estarão mais bem pagos.

Lembrei que aquela menina escrevia bem e que não estava nem aí para quem se incomodava com o volume da música que ela ouvia. Reassumi isso faz já umas horas.

Lembrei que remorso, vergonha ou arrependimento nunca fizeram parte do nosso vocabulário. E que assim seja.

Decidi esnobar os falsos moralismos. Decidi pisar nas baratas, só pelo passatempo.

Decidi dizer o proibido.

Decidi ter “maus modos” e, quem sabe, sentar de saia com as pernas abertas.

E nada, nadinha, de titubear.

4 comentários em “Desabafo (e não é do Roberto Carlos)

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  1. Eu tive a oportunidade de conhecer um pouquinho da menina de camiseta preta e o que eu gostei nela foi o jeito destemido, encorajador! Eu agradeço a minha curiosidade e aos comentários alheios, que me fizeram me aproximar dela. Eu pude comprovar que ela realmente não mordia…Haha. E que seu jeito aparentemente diferente fazia bem para quem sabia apreciar 😉

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