Sorte dupla e um tango

“- Oi, moça, você é daqui?

– Sim…

– Sabe dizer se andando por essa praia chega àquela outra?

– Sim, chega sim. É como se fosse uma só.”

E assim começou a minha caminhada pela praia hoje. A menina que me fez a pergunta estava acompanhada do irmão e da mãe que segurava ansiosa uma câmera fotográfica. Ela me fez a pergunta com alegres olhos arregalados. Todos pareciam surpresos e inebriados com a resposta.

Eu arregalei os olhos quando respondi que era daqui. Poderia responder que não sou daqui, mas também não sou de lá, não sou de lugar nenhum, mas vivo feliz demais aqui e lá, acolá também, e nesse meio tempo passo por ali… a resposta soaria insana demais, eu sei.

Foi mais um daqueles dias sublimes. Não adiantaria eu descrever cada mínimo detalhe, vocês não entenderiam. As coisas que surgiram, as que seguem em construção, as conquistas que dependem de alguns cálculos aqui e ali para dentro em pouco me deixarem com aquele sorriso mais enigmático e satisfeito. Fato é que ninguém entenderia. Eu entendo, isso nos basta, não é mesmo?

Durante o dia, enquanto esboçava minha criatividade culinária alimentada por desejos especiais, lembrei de uma história do ano passado que acho que não contei aqui (ou apenas citei superficialmente). Tenho muitas histórias e impressões de tudo o que vi e vivi ano passado que penso em publicar aos poucos por aqui. Ainda são muito presentes, deixarei que virem memórias.

Numa tenda na praça ali do Centro Cívico, em Curitiba, tinha a praça de alimentação da Virada Cultural, mais voltada à comida oriental. Claro que meu desejo por rolinho primavera e yakissoba dominaram. Mas, enquanto comia, vi um rapaz andando com uma cesta cheia de biscoitos da sorte. Catei umas moedas e disse que iria lá comprar uma sorte dupla, pois queria dois pra mim. Sei lá, eu tenho um dom pra sorte. Aí comprei três. Voltei, dei um pra minha mãe e coloquei os dois na minha frente. Todos me olham. Minha mãe agradece e minha irmã faz cara feia. Pois é, eram dois pra mim e um pra minha mãe. Eu disse que queria sorte dupla. Mas, sou uma boa irmã, sabe… fiz que era brincadeira e dei um pra ela.

Nem lembro o que saiu nos delas… mas eis que quebro o meu e… dois bilhetinhos da sorte dentro de um biscoito! Minha fama de “bocuda” (no sentido de dizer coisas que acabam acontecendo) já é grande. Era só mais um exemplo. Quando li os dois bilhetinhos senti, num breve momento, que a sorte anda ao meu lado. Como andou 2012 todo.

Por isso, hoje enquanto cozinhava lembrei das duas frases e aquele sorriso ficou dançando nos lábios… me deliciando com as certezas mais inexistentes do mundo.

“O bom caráter é consequência natural do pensamento profundo” e “Você terá uma capacidade refinada para desfrutar a vida”. Eu ria, ao ler as duas, e quando li em voz alta ainda complementei que eram feitas para mim, minha sorte dupla.

Quando eu tenho esses momentos que não posso descrevê-los, quando as coisas acontecem e eu sei o que elas significam, quando aproveito as horas do dia como fiz hoje, eu lembro da tal capacidade refinada… conheço bem poucas pessoas que podem, talvez, entender e praticar isso. E o bom caráter me parece tão óbvia, pensar, pensar, pensar… com bom caráter nós alcançamos a capacidade refinada. As duas vieram juntas porque não podem, em mim, viver separadas. Ninguém entenderá. Me julgam, me condenam, fazem cara feia, tentam mudar quem eu sou… tudo em vão. Como diz a canção, carrego em mim um “sentimiento de vida llena”. É difícil, praticamente impossível, dividir, compartilhar, expor isso a alguém. Meu mundo, minha vida, meu olhar sobre as coisas. Confesso que é divertido ver as reações, desesperos e caras horrorizadas (além de algum desprezo, inveja – mas não quero falar de coisas ruins!) quando tomam parte ou tentam conhecer este mundinho aqui.

E ninguém viu a coroa lilás-rósea que o mar e as ilhas ganharam hoje no final de tarde. Nem ouviu aquelas canções deliciosas e tão, mas tão, marcantes enquanto pisava forte na areia fofa e chutava as espumas brancas das ondas olhando para um céu com uma estrela mais brilhante que todas e aviões que o cruzavam vagarosos. Ninguém além de mim.

Que venha a madrugada, o incenso de rosas vermelhas, o vinho, as boas palavras… e quem sabe algum tango.

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