Chega a família, as mulheres colocam os pratos na mesa, alguns homens se revezam para servir as cervejas, todo mundo come, aí já começam a sair da mesa, as mulheres vão tirando os pratos, levando pra cozinha, umas ajudam as outras, uma começa a lavar a louça, a outra vai enxugando, outra guarda o que restou na geladeira. Enquanto isso, na sala ao lado, os homens continuam bebendo suas cervejas e vão preparando uma rodada de um jogo qualquer, ou ligam a TV num jogo de futebol, ou colocam as cadeiras lá fora para continuar a conversa. As crianças vão para um lado, as moças, obviamente, estão na cozinha onde rola aquele papo fofoca de família (Sabe a fulana?! Não tá mais namorando! E o bebê da fulana?), troca de receita, comentários sobre a novela. Os rapazes vão jogar videogame, ou futebol, ou assistem alguma coisa na TV.
A cena, infelizmente, é muito comum. Não sei se eu que vim de uma família um tanto rebelde e nem um pouco machista. Não sei e não entendo os relacionamentos de hoje em dia. “Hoje em dia” até parece estranho, porque parecem de algum século passado perdido no espaço. Eu não vi machismo na minha família. Não vi porque não havia. Tanto que é algo bem difícil de eu identificar por aí, e foi difícil nomeá-lo quando fui entender do que se tratava. Também não sei porque as pessoas se ofendem quando eu faço meus comentários sobre casamento. Mas, novamente, os farei.
A cena acima descreve a forma como muitos de nós fomos criados. Eu vi essa cena em famílias próximas. Eu comento sobre casamentos porque devo ter sempre achado os dos meus pais e avós um escândalo perto dos casais que eu vejo da minha geração. Falei em machismo, mas não vou deixar de citar os casamentos em que a mulher é dominadora e manda e desmanda em todos. Aquele tipinho de mulher (que normalmente casou por algum tipo de interesse, que não seria grandes coisa na vida não fosse pelas benesses do casamento, que manipulou o coitado até antes dele saber que se interessaria por ela) que é ruim, que mantém um frouxo no cabresto. Se tem mulher que se anula diante de um marido machista e babaca, há, também, aqueles homens bundões e frouxos que colocam o rabo entre as pernas diante de uma mulher autoritária.
E eu que não vejo um casamento nem de um jeito, nem do outro? E eu que vejo as casadas e casados a minha volta só reproduzindo essas situações e clichês?
Uma vez, na casa de uma pessoa, aconteceu a cena acima. Eu me neguei a ir tanto para um lado quanto para outro. Aquilo reproduzia o quê?
Em casa minha mãe sempre fez de tudo. Meu pai também. Bem, meu pai nunca cozinhou, é verdade. Até agradecemos que ele não faz isso! (Reza a lenda que na lua de mel ele foi fritar um ovo para ela e não deu certo!) Mas meu irmão sempre fez. Meu irmão lavava roupa, cozinhava, lavava louça e até brincava de boneca comigo (se eu jogasse futebol antes com ele, e caso não brigássemos durante o jogo). Lá em casa a coisa sempre foi igual pra todos. Eu sempre tive mais amigos meninos do que meninas. Aliás, sempre achei menina chata. Fomos criados sem frescura, é verdade. Mas eu nunca na minha infância/adolescência estive diante de situações que me fizessem ver que meu irmão era diferente de mim só por ser menino. De vez em quando, na casa de alguém, em alguma situação extraordinária, alguém soltava uma “ah, mas vocês dormem aqui, os meninos lá”. Esse tipo de segregação, como se meninos de dez anos não pudessem dormir no mesmo quarto com meninas. Eu dormia no mesmo quarto que o meu irmão. Aí uma vez veio o papo de que ele agora era mais velho, então não poderia dormir mais no mesmo quarto. Hein? Minha mãe sempre dirigiu, sempre trabalhou. Se precisava fazer alguma coisa em casa (trocar lâmpada, essas coisas de “homem”) e meu pai não podia ou estava viajando, ela fazia. Por um tempo é claro que as coisas eram divididas. Cada um de nós fazia a sua parte. Eu limpava a casa, lavava roupa, cozinhava. Eu e meu irmão ajudávamos o vô e o pai a arrumar o carro. Tinha que carregar geladeira, lá íamos nós. Eu aprendi tanto as “coisas de menino” (que os meninos de hoje nem têm idéia) quanto as “coisas de menina” (que as meninas de hoje cada vez mais têm ojeriza mas quando casam são obrigadas a fazer).
Talvez isso seja a causa de tanta dificuldade diante das coisas que eu vejo. A maioria das hoje mulheres da minha geração não sabe nem trocar o óleo, não abre um vidro de conserva, não troca um chuveiro, nem sabe fazer consertos simples num computador. E a maioria dos (supostamente) homens da minha geração não lava louça, não sabe como segurar uma vassoura, não sabe fritar um ovo. Ah, o pior: eles também não sabem trocar o óleo, nem arrumar um chuveiro ou consertar alguma coisa que quebra em casa.
E aí tenho ouvido com frequência na TV uma coisa que me lembrou tudo isso. Homens dizendo (na ficção e em programas documentais) que quer casar pra mulher cuidar da casa, dos filhos, da família, dele. Quando a situação é abastada, eles fazem cara feia (e até mesmo proíbem) que elas trabalhem fora. Se a situação é meio remediada, eles exigem que elas trabalhem fora – com a condição de que continuem cuidando da casa, da comida, da roupa…
Sabe aquela história de que o cara casa pra substituir a mãe, com o bônus do sexo? Pois é. Pior é que dizem que com o casamento o sexo diminui (se fossem sinceros diriam que acaba). Nunca fui casada. (uma prece de agradecimento a todos os santos e a mim) Conheço muitos casais. Vi amigas casarem. Vi amigos casarem. Vi descasarem.
Uma amiga me dizia, na minha primeira visita à casa dela, já então no famoso “morando junto”, que ela trabalhava, ele também, mas ela chegava em casa, fazia a janta e ele esperava que depois da louça ela estivesse linda, cheirosa, sorrindo e com as pernas abertas. (palavras da própria) E ela me disse que teve que bater a real pra ele que a coisa não seria bem assim. Ela deve ter percebido a minha cara, por isso veio com aquela conversa de que já estava mandando nele, que mandava fazer uma coisa ou outra. Realmente ela (ariana…) era do tipo manipuladora, faz com que ele acabe fazendo o que ela quer. Quem é que aguenta uma ariana reclamando, né, gente? O cara corre fazer tudo o que ela quer! E não adianta, porque logo ela vai reclamar de outra coisa.
Aí vejo casados que se orgulham de te contar algo e acrescentam “mas ele/ela não sabe”. Oh, wait! Eu, que sou uma reles amiga (ou às vezes nem isso!), sei de algo que a pessoa com quem você divide a cama não sabe?!
Agora não entendi mais nada!
Não foi um casado só que vi fazer esse tipo de confidência. Não foi só sobre traição. Às vezes uma bobagem qualquer. Ela não contou pra ele, ele não contou pra ela… mas tem umas dúzias de gente por aí que sabem. Ao comentar com um ex que eu prezava muito a sinceridade e que não consigo fugir disso quando falo com as pessoas (olha, pra dizer a verdade, nem tento fugir!), ele disse que sinceridade era bom, mas numa certa medida. “Certa medida”? Sinceridade não tem medida, meus caros!
Vejam só, o cara cozinha, tem idéia razoável de limpeza e responsabilidade com a casa, é bom filho e tal. Tu não consegue considerá-lo machista. Mas aí tem aquele momento que ele solta “ah, mas é que é papo de homem”. Hum… o alerta acende. Ele não pode sair com você e alguns amigos porque rola papo de homem. Bem, penso cá com meus botões, esse coitado não sabe que tipo de conversa eu já tive e ouvi na vida. Aí, um dia tu encontra filme pornô no computador dele. Não, não tenho absolutamente nada contra pornôs e putaria. Não nego que assisto putaria na TV desde os primórdios da minha adolescência e via escondida as revistas de mulher pelada do meu irmão (eu até escondia em lugares menos óbvios depois que a minha mãe pegou a primeira vez, meu irmão não era bom em fazer coisas escondidas – ele sabia que eu via, porque depois eu mostrava pra ele onde estavam), não nego que gosto, me divirto e assisto mesmo. Pornô é coisa de macho? Pára, né. Também leio os romances de banca de revista (mas, please, os que têm mais sacanagem!). Todo cara que me conhece sabe disso. Já disse aqui, não foi à toa que me chamavam, pelas costas, de pervertida e coisas afins. Não me incomodo. Tenho interesse no assunto, acho até saudável, não sou do tipo viciada (sim, tem quem é), me divirto! Aí o cara está contigo sabendo disso e tem pornô escondido no computador? Lá vem a explicação, rolou aquele “papo de homem” com o primo, este indicou um site e ele foi lá baixar alguns. Hum… mas não para assistir comigo, é isso? Porque isso não é coisa pra mulher. Isso não é coisa pra namorada. Bem, quando eu convidava pra assistir o privê na TV comigo, resmungava, recriminava e virava pro lado pra dormir. Lava, cozinha, limpa, é um doce. Mas assiste pornô escondido porque é coisa de macho? Não tem desculpa.
Essa coisa de “papo de homem”, gente. Não dá. Sério, os homens não fazem idéia do que eu posso chamar de “papo de mulher”, né?
Não entendo. Sabe o que falta nesses relacionamentos? Cumplicidade. E eu tenho isso aí em altíssima conta num relacionamento. Eu traio meu marido, conto pra todas as amigas, ele me trai, conta pra todos os amigos e… isso é casamento?
Ele trabalha, chega em casa, no máximo lava a louça de cara feia enquanto eu tenho que cozinhar, lavar roupa, limpar a casa, trabalhar para ajudar nas contas e… isso é casamento?
Aí você tem que ouvir que eles devem entender você e fazer o esforço de dormir de conchinha porque é disso que elas precisam. O diabo dormir de conchinha! Sou mulher e sou bem espaçosa na cama. Tem conchinha não. Tem momento de carinho, cafuné, sexo, tudo beleza… mas daí a achar que se lavar a louça e dormir de conchinha eles estarão fazendo o que uma mulher espera é demais. Quer dizer, muitas devem se contentar com isso.
Não sou contra casamento. Por um único motivo: vi que existem casamentos lindos. Eram outros tempos…
Casamento pra mim tem que ser de igual pra igual. Não tem que ter a questão financeira no meio. Tem que ter, acima de tudo, cumplicidade. Se você é mais cúmplice da tua amiga ou da tua mãe do que do teu marido ou esposa, alguma coisa errada tem. Não tem “papel” no casamento, você é o homem, eu sou a mulher. Tem que casar porque ama e só. Eu queria ver mais casamentos bonitos, mas cada vez que vejo um “fulano noivou” no Facebook (aliás, gente, estamos na primeira semana de janeiro e já foram vários!) eu perco as esperanças.
Como criticar os homens com seu machismo se as mulheres se rebaixam a fazer o mesmo papel? Queimaram sutiãs, se dizem independentes e donas do nariz mas não passam de amélias (ou empregadas dos seus respectivos, ou mães)? Como? Tem muito homem errado por aí, do tipo que vai jogar bebendo cerveja enquanto ela lava a louça, do tipo que não lava uma roupa e só casa porque vai sair da casa da mãe e precisa que alguém faça isso (e muito mais) por ele. E elas? E ela que se permite ir lavar a louça enquanto ele enche a cara? E ela que casa mesmo sem muita vontade? Ah, só um detalhe: não estou falando de pessoas de baixa renda, nem de pessoas de pouca instrução. Não mesmo! O detalhe não é à toa, falo de todas com, no mínimo, graduação completa. Todas em boa ou muito boa situação financeira. Tem gente que acha que isso é crítica a essas “pobres”, enquanto não olha o próprio umbigo. Ou a própria unha, feita na manicure paga do seu salário, lascada enquanto fritava linguiça pro maridão.
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