Eu queria escrever sobre as Gerais. Foi minha segunda ida até lá. Contudo, havia três problemas. O primeiro foi que eu não “voltei” de lá – me explico: cheguei em casa, na volta, sem a sensação de ter voltado, nem sei se isso é possível explicar porque é algo que eu senti, e um indício é a falta do mau humor que me acomete sempre que eu “volto”; o segundo era a insatisfação por ter visto tão pouco e por ter ficado pouco tempo, voltei como o sentimento de falta; o terceiro, muito mais interessante, é que meus sentimentos pelas Gerais tornou-se complexo.
Aqui não é um blog de viagens (acho que a Jules faz muito melhor lá no dela) e entendi, ao começar a escrever, que as Gerais para mim é uma questão de sentimento. Os motivos dela ter entrado na minha vida e das nossas relações tratam de sentimentos e estes, para mim, ainda são incomunicáveis. Não, eu não sei comunicar sentimentos. Felizes vocês que conseguem. Por isso tentei pensar nas observações, nos pensamentos, trato muito melhor desses.
Eu estava lá e amava e não sabia o que pensar sobre certas coisas e… mil sentimentos confusos. Foi assim. A viagem em si foi daquelas obras do Destino que fundam minha vida e sem as quais eu não saberia viver. Se 2012 foi do ineditismo, 2013 é o planejamento sem chão, o intuitivo, a fé no Destino – aquele velhinho safado. E eu só faço o que ele manda. Em algum lugar perdi medo, perdi vergonha na cara, perdi preocupações materiais.
Vou tentar elencar algumas impressões do pouco que vi das Gerais. E do tanto que não vi e achei que veria.
1. Belo Horizonte está alguns (poucos) graus abaixo do Rio de Janeiro no quesito caos. Os motoristas são muito loucos. A quantidade de ônibus pela cidade e principalmente no centro é absurda. Fiquei de cara que não há terminal de ônibus (pelo menos eu não achei nenhum e um motorista de táxi disse que realmente não há mas que vão construir – Copa feelings). A cidade é suja (e em alguns lugares o cheiro é nauseante) e ninguém parece se importar com isso. Dizem que é mania desse povo do Sul a coisa da limpeza – pois então que seja. É fácil e nem tão caro pegar táxi.
2. O povo belorizontino é barulhento.
3. O Mercado Central é fantástico. Pra quem virou cultivadora de pimentas aquilo lá é um sonho. De vez em quando dá aquela vontade de ir lá comprar umas. Ou um queijo da Canastra. Ou um pingo. Ou mais uma bolsa em couro, artesanal, daquela loja linda. Foi lá que comprei a bolsa mais linda da minha vida.
4. Não vi direito o pôr-do-sol. Ah, pois é. Essa parte foi bem difícil. O sol se põe cedo por lá. Um dia cheguei a vê-lo melhor na estrada, mas em BH (eu detesto abreviações e tal, mas voltei de lá soltando um ou outro “BH”) foi impossível.
5. Não se engane, chegar ao mirante das Manguabeiras não é tão “fácil”. Lá de cima a vista é realmente linda.
6. Aliás, conseguir informações com os belorizontinos é uma missão. Não sei se não estão acostumados com pessoas de fora (talvez não seja cidade turística, mas imagino que deva ter um bom fluxo de viajantes), mas há uma desconfiança, umas meias palavras e só.
7. Obras para todos os lados. Aquele ar “cidade planejada” passando por cima de tudo. Viadutos, trincheiras, obras faraônicas. Enquanto isso a rodoviária caindo aos pedaços e abandonada bem no centro da cidade – dizem que vão construir uma em outro lugar, mas só daqui uns dois anos. Copa feelings para todos os lados. Fiquei abismada que deixarão a rodoviária do jeito que está para a Copa. Nem uma limpeza e reforma?! Até a de Curitiba que estava bem melhor está sendo totalmente reformada. Ah, sim, vão usar aeroportos, mas para acesso às cidades históricas e toda parte mais “turística” de Minas o principal acesso é pela rodoviária. Confesso que não entendi. Aliás, a rodoviária dá aquela sensação de alerta. Aliás, eu que nem sou paranóica com segurança tive que ligar o sinal de alerta por BH. Sério. E com motivos.
8. Os entrecruzamentos das ruas planejadas é intrigante e, assim, apaixonante. Para que quadras quadradas, não é mesmo?
9. Mineiros. Não são lentos, não se enganem, meninas. São bem diretos até. Mas parece que leva tempo até você “conquistar” um – em outro sentido. Li tanto sobre a “hospitalidade mineira” e essas coisas, mas demorei para encontrá-la. Mas eu gosto de mineiros, não duvidem.
10. Museu das Minas e dos Metais. Apaixonante. Incrível. Não adianta eu tentar explicar. Você vai achando que é um museu como outro qualquer, mas ele é muito além. Sei que sou fanática por pedras e tal, mas não foi só por isso que me apaixonei. Ele tem aquela coisa que você vê bastante por lá: um avanço, uma modernidade gritante ao lado da preservação orgulhosa de uma bela História, de valorização mesmo do que eles têm pra contar. E isso foi o que mais me apaixonou pelas Gerais.
11. É assim: o novo e o velho, lindos, muito bem pensados, lado a lado. Isso muito me agrada. Um exemplo é a Academia Mineira de Letras, os dois prédios simbolizando isso.
12. Uma das primeiras coisas que vi: viadutos e estradas com nomes de escritores. Sorri instantaneamente. Nunca se perguntaram por que tantos nomes de políticos e empresários nas nossas ruas e vias? Então, eu já. Minas tem um elenco invejável de artistas e escritores. Quando vi o viaduto Murilo Rubião um pedaço da minha vida me veio à mente. Coisa que só vi lá, infelizmente. Copiem. (sim, tirei uma foto agarrando o Carlos e outra fazendo sanduíche de gente com ele e o Nava)
13. Sei que tem essa coisa dos mineiros pelo Rio de Janeiro. Consegui explicar pelo nível de caos que as aproximam. Aí reparem que BH é provavelmente a cidade brasileira mais bem localizada. Em uma hora de avião você chega a São Paulo, Rio, Brasília, Vitória. Ou em umas duas horas a Curitiba, Fpolis e outras. De BH em uma média de 500km você chega aos maiores centros urbanos do país. Para alguém assim viajante me encantei com isso. Tanto que quase segui para Vitória.
14. Sim, comi pão de queijo e queijo da canastra todo dia no café-da-manhã. Não caí de amores pelo prato típico contemporâneo que consiste em uma chapa com carne, linguiças, palmito, batata e variações. Mas foi o que mais comi lá. No Mercado Central há um bom restaurante de comida mineira (difícil de achar! me disseram que para o interior é mais fácil) gourmet. Pastéis pelo centro: 10 por R$7,90. Diz que não dá pra amar?
15. Inhotim. (um motorista MUITO louco, o Cardoso, nos levou – os ônibus saem da rodoviária todo dia pela manhã e voltam à tarde, bem pensado e organizado, mas o motorista me fez soltar palavrões durante a viagem e encolher, em alguns momentos, até o dedo do pé – e olha que sou bem acostumada com motoristas loucos) O comentário mental que me ocorreu em Inhotim: não parece Brasil. Ah, pois é. Quando vemos algo sensacional no Brasil logo corremos dizer que não parece daqui ou que parece algo dos EUA ou Europa. Complexo, né? Tudo tão limpo, organizado, genial que infelizmente foi o que me ocorreu. Eu queria um Inhotim em várias partes do Brasil. Preciso dizer que chorei ao entrar na galeria do Cildo? E que me emocionei deveras com a exposição da homenagem ao Lumière que esteve em Paris faz pouco tempo (já havia lido sobre ela e ao vê-la fiquei estarrecida). E as obras do Oiticica? A galeria dele me fez quase desistir de entrar e depois escrevi mentalmente uma associação com a vida. Fantástico. Tudo lá é tão pensado que os carros são elétricos (há carros disponíveis para idosos e pessoas que necessitam, fora essas condições é preciso pagar). E a das velas? E o modelo das casas dos franceses na África? Não, não citarei mil nomes de obras e artistas. Vão lá ver. Em alguns momentos infelizmente eu ouvi e vi atitudes de pessoas que parecem que não deveriam ir a um lugar desses, sério. E o tamboril?! Eu quero um pedido de casamento aos pés do tamboril, já me decidi. Assim: vão a Inhotim. Só isso.
16. Inhotim está cravado na cidade de Brumadinho. É uma sensação meio irreal mesmo porque há uma discrepância muito grande entre os lugares. Em BH a cissão entre “ricos” e “pobres” é gritante. A gente vê isso em qualquer cidade, é claro, principalmente em capitais, mas em BH parece que há um abismo ainda maior. Incomoda – no bom sentido.
17. Sabará. Amor. Amor. Amor. De tão lindo e de tão precário o cuidado e a preservação. Dentro da Igreja do Carmo me deu aquele nó na garganta. Era por ver o barroco (aquele dos meus livros de arte, História) ali materializado na minha frente e por perceber a dificuldade que há em mantê-lo. Pensei que um dia poderão não existir mais. E as pessoas que trabalham lá falam com amor das coisas. Os mineiros lá eram mais acessíveis. Subi o morro até a Igreja de Nossa Senhora do Ó. Fiz um pedido/promessa. Ou seja, em uns dois anos terei que voltar. Ela impressiona muito pelo tamanho, pela história e pela arte dentro. É fantástica. Todas são. E a casa do Aleijadinho? E as histórias sobre o túnel que levava da casa dele direto para dentro da igreja? Emocionante. (essa história, acerca da repulsão da sociedade da época pela deficiência do Aleijadinho me fez lembrar de uma história semelhante de um pai com seu filho lá das Sete Cidades, no Piauí) E a bancada de trabalho dele? E a Sant´Ana Mestra da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos e do Museu do Ouro? A primeira pequena e com a virgem no colo, a outra imponente e com ela ajoelhada. Fiquei inebriada. E as histórias do Museu do Ouro e da Igreja do Rosário dos Pretos? Esta com sua construção pequena original e a “em construção” que foi abandonada por conta do fim da escravidão? Tantos lugares e fatos que me deixaram pensando em mil coisas – talvez por isso a dificuldade em “voltar”. Sabará entrou pra minha vida.
18. Pampulha. Se um dia foi, já não é mais tudo aquilo, né? Não sei, não me impressionou. Também nunca fui assim fã do Niemeyer. Igreja da Pampulha, de São Francisco de Assis: sensação estranhíssima entrar numa igreja projetada por um comunista ateu. Sorry, a coisa não fluiu. As pinturas do Portinari, por outro lado, são maravilhosas.
19. Sobre preços de entradas e fotografias: em Sabará tudo é um ou dois reais a entrada. Achei um absurdo. Eles precisam de dinheiro para manter as restaurações (de algumas igrejas lá se vão dez anos!), a manutenção. Postais também um real, tudo muito barato. Mesmo podendo claro que não paguei meia e comprei até postais. Na da Pampulha a mesma coisa (e também está precisando de reforma, há infiltração e tal). Eu não acho que pagar cinco reais seja um absurdo e as ajudaria bastante. Lugares como fortes e museus que têm financiamento cobram mais que isso por aí. Nas igrejas de Sabará só a dos Pretos permitia entrar com câmera (sem flash, é óbvio, quem entende sabe o motivo), a da Pampulha também não. O problema é que pode entrar com câmera, desde que não use flash, mas pela falta de respeito – RESPEITO – das pessoas eles resolveram barrar de vez. Acontecia que as pessoas entravam com suas câmeras e usavam o flash. Como eles não têm quantidade suficiente de pessoas para controlar os visitantes (ao contrário de Inhotim) resolveram proibir de vez. Isso me revolta. Claro que o babaca que não sabe usar uma câmera entra lá e liga o flash porque acha que está “muito escuro”. Na da Pampulha eu achei mais curioso porque dizia que havia “direitos autorais”. Eles disseram que há mas que o filho do Portinari não recebe. Fiquei matutando sobre direitos autorais e “reprodução”, porque afinal fotografar a pintura do Portinari não seria copiá-la, mas reproduzí-la. Achei que isso já tinha sido resolvido lá com o Benjamin, mas parece que não. Inhotim tem ingressos “caros” cerca de R$20 a R$28, mas às terças é gratuito. Sinceramente, pelo que oferece e por ser um programa de dia inteiro, não achei caro. O Museu das Minas também é algo barato, nem lembro de dois reais, mas fui na quinta-feira e era de graça. Como não amar?
20. Cuidado ao atravessar as ruas. Sério, há algo muito errado, inclusive com os sinaleiros para carros e pedestres, por lá. Ou todos estão desregulados ou eu não entendi a lógica deles.
21. Bares. Pois é, é a capital. Muitos, muitos. Mesas e mesas só com cervejas. Eu via e me perguntava: não comem? Futebol: são frenéticos por isso. Acho que a Copa lá será mais emocionante do que em qualquer lugar do país.
22. Sou uma amante dos horizontes. Ontem lia Rubem Alves (ah, esses mineiros…) e ele falava do amor dele por Fpolis citando que Minas tem mar, é só preciso saber encontrá-lo, no céu, ele diria. Pois eu digo que no céu, nos chapadões, no horizonte, nas linhas. Minas tem muitos mares. Por isso também senti falta de ir mais para o interior, ver os planaltos, ver as chapadas, ver mais serras e horizontes. Voltarei, é fato.
23. Um choque: é preciso pagar por tudo. Até pelo banheiro do shopping. Um contraponto com o item dos preços das entradas.
Vi e pensei muito mais, é claro. Nunca o bastante. Senti tantas coisas e sentimentos me levaram até lá… esses ficarão por aqui.
As Gerais fundaram em mim a sensação do complexo. Estou aprendendo a lidar com isso, mas sei que levarei algum tempo ainda. Pela segunda vez na vida ela remexeu as coisas por aqui. Desconfio que não foi a última.
Ninguém melhor para descrever sentimentos do que tu Fahya…. ❤
Adoraria viajar mais pelo Brasil!
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Ah, mas ando em crise com os sentimentos! Venha viajar mais por aqui! Tenho destinos para nós! Já estou pensando em duas aventuras, mas confesso que um pulinho más allá do Brasil me encantaria!
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Então… tem coisas que são estranhas mesmos… o trânsito é caótico e dá medo. Não são todos os shoppings que cobram o uso do banheiro e você deu azar com quem pediu informação. Deve ter sido punição do universo por não me avisar que estaria aqui.
Eu costumo dizer que o que é apaixonante em BH (se não quiser abreviar, escreva Beagá! 😉 Ou Belzonti mesmo, uai!) não são os lugares turísticos, mas o cotidiano. O dia-a-dia é ótimo. No centro é o caos que você viu, mas a 15 minutos do centro é outra coisa. Fica até estranho.
Infelizmente a cidade é suja mesmo… 😦 mal de belo-horizontinos… eu detesto isso. Nesse sentido somos bem porcos (não todos, mas certamente a maioria). Era uma das coisas que eu gostava em Floripa… não havia tanta sujeira…
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O trânsito é como o Rio, como eu disse. E essa relação dos belozontinos com o Rio a gente conhece. Ah, não são todos e eu só fui em um – não sou fã de ficar em shopping quando estou viajando, mas às vezes é o único lugar que a cidade te oferece.
Sabe, eu não fiquei só no centro e a sensação de complexidade belozontina me acompanhou. Não achei tão diferente assim! Como boa viajante também observo o cotidiano e não só pontos turísticos!
O que me incomoda em cidades sujas é que parece que as pessoas não se importam com isso!
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