Tenho pensado muito nas pessoas (é mais um mal que eu tenho). Na verdade, queria um personagem. Foi assim que escrevi ali no meu mural. E no meio do caminho fui pensando nas pessoas.
Conheci e tenho convivido (mesmo que das formas menos banais) com pessoas interessantíssimas. Algumas têm feito minha alegria diária. São as trocas de pensamentos, os comentários espirituosos, a presença esperada, o humor variável. Sim, porque gosto de encontrar nas pessoas algo que me possui tanto como a variação de humor. Me encantam em especial as pessoas que pensam (não, não são todas), que levantam a voz para criticar, que fazem perguntas, que se indignam, que não querem fazer voz ao coro das opiniões, aquelas que não precisam mostrar nada porque o são de verdade.
Acima de tudo são pessoas que aprendem com a vida. São pessoas que não são óbvias. Ah, quanto amor meu por isso! Vou abrir um breve parênteses e comentar que todos os meus relacionamentos (algo) amorosos tiveram seu fim por causa da obviedade que nos corrói. Em alguns meses eu já sabia o que irritava-o, como provocá-lo (principalmente), como contrariá-lo, o que e quando perguntar, como ele agiria em determinadas situações, do que seria capaz. E assim perdia a graça. E as pessoas, meus queridos, precisam manter a graça. Desinteresso-me num piscar de olhos se a previsibilidade torna-se rotina. Aliás, sobre amor e tédio, já escrevi aqui, né?
Sobre aprender com a vida, pensava nisso antes de ontem no banho. Aí ontem, conversando com uma amiga, voltei às idéias. Como há pessoas que já passaram por tanta coisa na vida, já leram tantos livros, já assistiram tantos filmes, já trabalharam, já perderam pessoas que amavam (e que as amava, veja bem), que já choraram sem ver nada à frente, já bateram e já apanharam… enfim, pessoas que têm histórias boas e ruins na vida e que têm algum conhecimento do mundo e, ainda assim, são umas – me falta a palavra – umas bestas, umas portas. São pessoas que não sabem viver. Não sabem aprender. Não sabem olhar para os outros. Não sabem preservar as melhores coisas que têm. Não sabem apreciar este ir e vir dos dias.
Aí fiquei lá matutando sobre o meu personagem. Queria que ele fosse uma mistura dessas coisas. Queria-o óbvio, mas intrigante. Queria-o uma anta que não aprende com a vida, mas que tem sonhos.
Na literatura contemporânea o que não falta são narrativas auto-referentes. É um mundo de narradores que olham o mundo sob uma fração que o seu umbigo o permita. Personagens com tantas dúvidas vazias e dores inexistentes que enchem páginas sem fim.
Enquanto ainda pensava nas doces pessoas e fui escrever mais um pedaço do meu personagem me dei conta de que escrevia a história de uma pessoa que eu conheço pouco. Na verdade eu sei uma coisa ou outra da vida dela, e ao escrever eu escrevia a história dela preenchendo tudo o que eu não sei (que é bastante coisa) com a minha imaginação. E é assim que eu faço a minha vida mais bonita. Sempre faço isso, se eu conheço alguma coisa de você, pode ter certeza que já fui preenchendo as lacunas, fazendo deduções e criando a minha (tua) história. De fato, até abro mão da tua história e prefiro ficar com a que eu criei.
Queria um personagem assim. E queria-o difícil, real, abominável. Um autor uma vez me disse (talvez já tenha comentado aqui) que a coisa mais fácil de se fazer, ao escrever uma história, é matar seu personagem (até quando ele é o protagonista? Fiquei me perguntando. Fica pra outra hora.). E hoje me irritei tanto com os filmes que tenho visto que pensei que mais fácil ainda do que matar um personagem é criá-lo rico. Pronto, você matou-o de outro jeito, destruiu a maior parte dos conflitos que ele poderia gerar. O que, aliás, torna a maioria esmagadora das histórias atuais extremamente entediantes.Não é que faltem conflitos nos personagens milionários. Mas eles são vazios, chatos e vulgares.(as duas últimas frases foram twittes meus e segue um comentário em reply a quem me disse que sempre preferiu os personagens pobres) São mais profundos, têm mais dramas. Qualquer viagem (até um passe de ônibus) é um conflito pra eles. Perfeito.
Filmes ou livros (mais aqueles que estes) e, principalmente, novelas, nos quais os personagens são riquíssimos. Me deparei com muitos deles ultimamente. Novela é quase sempre assim, tipo as do Manoel Carlos. Agora o público não gosta mais tanto, pelo jeito, porque prefere aquelas nas quais os pobres… ficam ricos. Já escrevi sobre isso por aqui também. Essa idéia maniqueísta de que pra ser feliz é obrigatório ser rico. Li um texto de uma menina esses dias e ela dizia que todo mundo queria ser rico, mas que ela não queria dinheiro. Simpatizei tanto. E por conhecer a história dela foi totalmente compreensível o comentário.
Pessoas que viajam pra lá e pra cá com toda facilidade do mundo, nos seus jatinhos ou chegam no aeroporto e sempre tem avião pra onde querem e eles sempre têm dinheiro, é claro. Aquele filme super entediante do Walter Mitty, por exemplo, que era pra ser encantador em como ele via o mundo na imaginação dele. Aí ele do nada precisa ir pra Groenlândia e puf! lá está ele. Ou O Capital, aquele francês. O dinheiro supera conflitos nada dramáticos no cinema. É tão entediante. Tudo se resolve. Há os que colocam o dinheiro e o fetiche que ele carrega como o conflito, alguns, ainda assim, não conseguem fugir da facilidade e do tédio.
Assisti a um filme no qual uma mulher rica entrava num táxi e mandava o cara (pobre, pobre, pobre, como aquela música lindíssima que a Ângela Maria canta) rodar sem destino. Horas e muitos quilômetros depois ele a questiona sobre o destino porque o valor já está muito alto, ela joga notas de dólares em resposta. Eis que eles seguem viagem para atravessar os EUA de leste a oeste e no meio do caminho ela perde a bolsa. Ou seja, criou-se um conflito porque eles precisavam seguir ou voltar e para tanto era preciso dinheiro. Eles encontraram formas criativas de seguir. Aí o dinheiro é usado dramaticamente.
E são esses filmes com personagens vazios e bolsos cheios de dinheiro que têm me entediado deveras. Sobre as pessoas, o mesmo. Sobre a auto-literatura tão praticada hoje em dia, também. Gosto de um pobre com drama porque a vida é mais vida assim. A imensidão de conflitos que há, desde conseguir colocar comida na mesa, de um personagem que não vive com o saldo positivo na conta e tem cartões de crédito com limites nas alturas é, como comentei naquele reply no twitter, riquíssima. Some-se a isso dramas internos alimentados por estes conflitos. É uma teia interessante demais. E foi assim que fui olhando para o meu personagem.
Não era pra ser um desabafo sobre tantos filmes e livros entediantes com os quais tenho me deparado. E vocês também talvez não se interessem pelos meus personagens. Mas só cheguei a tudo isso pensando nas pessoas… ah, essas criaturinhas que cruzam meu caminho. Saibam que sempre e sempre penso muito em vocês. E vocês nem fazem idéia, eu garanto.
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