Passou-se muito tempo para que eu possa continuar ignorando evidências. Talvez eu acredite demais numa sina, uma sina de família sobre dores e desgraças. E talvez eu tenha certezas, ou talvez só uma certeza: perderei todos que amo, sempre. Talvez Deus tenha me olhado, ao me designar para este mundo, e dito “vai lá sofrer, amar e perder”. Pois o raio cai várias vezes no mesmo lugar – e garanto que viajar de avião, mesmo em 2014, é mais seguro do que de carro. Sinto-me, por vezes, coletora de histórias. E me consumo muito em guardá-las, revivê-las, relembrá-las o tempo todo. Nem um décimo de mim divido com os outros. Porque faz ainda mais tempo que sei que sou sozinha no mundo, sozinha e solitária, e nada nem ninguém – graças a Deus – mudará isso. Eu é que às vezes, só às vezes, me engano e faço de conta que é diferente – que eu posso contar com os outros, que eles fazem parte de mim e essas bobagens. Sim, bobagens. Talvez eu leve demais a vida a sério. (e a construção da frase não ficou boa – agora implico até com isso) Tentei e tento ser melhor, pensar, mudar as minhas atitudes, fazer mais. Mas em manhãs chuvosas de domingo me questiono duramente porquê. Sei que é, essencialmente, para mim. Considero muito difícil que eu faça algo por ou para alguém. Quando faço coisas que as pessoas dizem que foi para ou por alguém costumo discordar, faço por motivos mais nobres e nem preciso dizê-los. Na melhor das hipóteses, faço por mim. Estudo, trabalho, corro atrás dos meus sonhos e não só corro, faço por onde, aprendo o tempo todo, perco horas de sono, dou meu tempo para criaturas que eu amo e que me fazem bem, dou meu melhor no que faço, separo um tempo hoje para todo o amanhã que eu almejo. E muitos diriam que faço tudo isso para nada. Aliás, quem me cerca nem entende o que faço. Nem acreditam no que faço. E talvez seja o motivo de eu ter me criado sozinha e solitária, basta que eu acredite em mim. Pra seguir meu caminho basta que eu saiba aonde estou indo. E coisas, lugares, pessoas e amores vão sendo perdidos… Perder. Taí, Deus acertou bonito nessa. Deve vir daí minha total ausência de espírito competitivo. Sou perdedora por natureza. Sei (bem) perder. E talvez já nem me importe muito com isso – mas ainda tenho meus momentos de rebeldia. E, talvez, perder seja a melhor lição que alguém possa ter na vida. Ou a única de fato necessária. Com ela o resto a gente tira de letra. Se um dia eu tiver filhos jamais direi que estudem, sejam boas pessoas, que o trabalho dignifica o homem. Talvez nem para eles eu consiga dizer mais que um décimo de mim, mas deixarei claro que ser inteligente, se doar em amor, ser fiel e companheira, liberal, divertida, tentar melhorar sempre, procurar fazer mais do que o mínimo e lutar não garantirá reconhecimento ou prioridade nem entre pais, irmãos, amigos ou amantes. Ser preterido por outros que não se esforçam ou não têm as qualidades que você tem é via de regra no mundo. Por mais que se aprenda isso, será sempre indigesto e a indignação será justa. Justíssima. Nem para quem é sozinho e solitário ser preterido cai bem. E nem a água do temporal da manhã de um domingo lavará cicatrizes e inflamações que custam a sarar. E ainda terão os sonhos, aqueles de olhos fechados, que insistirão em te lembrar disso quase todos os dias. E só é possível manter-se de pé trilhando um caminho sinuoso e estimulante porque os sonhos, de olhos abertos, fazem todo sentido – só pra mim, é claro, e é isso que importa. Nada mais importa. Ninguém mais faz com que eu sinta que devo me importar.
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