A Stendhal, Tchecov e ao leitor (des)conhecido:
Esses dias fui tomada pela ânsia de dizer a você, Stendhal, como os 28 fazem diferença. Como é tão diferente amar aos 16 do que amar aos 28. Dias depois voltei ao começo: já terei amado? Alguém tão leviana, impulsiva, apaixonada, pode amar? Não sei. Estive, sim, ocupada com mil compromissos e problemas, cheguei às raias da rispidez e extrapolei a impaciência – e, por vezes, me peguei pensando, nos breves minutos que meus olhos permaneciam abertos quando deitava minha cabeça no travesseiro, nos porquês do coração. Devo lhe dizer, caro amigo, que aprendi mais com você do que com meus raros relacionamentos. Pensamos tão igual sobre o amor! Pretensão minha, é claro. Você é um estudioso, teórico e praticante do tema e eu… eu não chego a ser simples iniciante – quando muito. Deveria escrever ao Goethe, também, para pôr um fim a minha obsessão por ele – e por tentar recontar a história do nosso amado Werther, se não com Charlotte, enfim, na vida. E é aí que entra meu amantíssimo Tchecov, pois ficar só falando de mim seria mais que enfadonho. Tchecov apaixonou-me em poucas linhas. Tchecov falava da vida de um jeito… como a vida é. Lembro de ter passado algumas horas com ele, em longas noites na varanda, com nós na garganta. Nunca fiquei tanto tempo imersa nas histórias – nem antes de conhecê-lo, nem depois. Em Tchecov não havia finais. Mas havia ponto final para todas as histórias. E eu chegava ali no ponto final, me sentia mal, abraçava o livro e olhava para algum lugar no meio do nada. Um dia, pouco tempo depois, supus, novamente, estar apaixonada. Eu que sempre dissera “não perder tempo” com essas coisas. Estava lá pensando demais em uma pessoa, sendo conquistada por longas conversas. Mas… havia algo que eu não sabia dizer. Quando encontrei-o pessoalmente, emprestei o livro do Tchecov – não é um hábito meu emprestar livros, que fique claro, mas o ato em si queria demonstrar algo sem nem mesmo eu saber. Descobri tarde demais que meus atos sempre querem dizer algo – que normalmente eu desconheço. Acredito que o livro fez diferença para ele, e eu pude discorrer horas seguidas numa euforia entusiástica sobre minhas teorias. Se foi amor? Não sei. Já tinha pra mim, desde aquela época, que se é amor dura, e se não dura é porque não foi amor – outras influências, eu sei. Hoje talvez eu pense diferente. Sim, amigos, eu mudo minhas idéias, concepções e teorias. Mas, infelizmente, em algumas coisas eu não mudei nada… nada. E até acredito que é isso que me faz escrever hoje. Voltando à história, o amor acabou, o amor virou alguma espécie de violência obsessiva da parte dele, de indiferença da minha parte e… ele usou Tchecov contra mim! Eu deveria, portanto, nunca mais indicar meus gostos, preferências, leituras e músicas, para que não pudessem, em algum momento, usá-las contra mim. Não é mesmo? Mas sou péssima aluna da vida. Tanto tempo se passou e vi Tchecov com outros olhos por questões profissionais e de estudo. De resto, nada mudou. Suas histórias, Tchecov, não têm finais… mas têm, sempre, o último ponto final. Como já disse tanto, eu gosto dos fins, gosto de pôr o ponto final no seu devido lugar. Porém, ninguém nunca me ouviu falar que eu sei fazer isso bem, ou que não dói, ou… que, sei lá. A carta começa a parecer meio vaga, não? Imaginem minha pretensão de escrever tanta bobagem para dois mestres das letras e da vida. Pois, saibam, que a regra sobre não escrever quando se está confusa é muito válida – e eu deveria usá-la mais.
Não sei se já amei – não sei se amo. Poderia partir para o clichê “mas sinto tanto!”. Sinto, é verdade, o que não pode ser traduzido em palavras. Confesso só para vocês que as possibilidades de manipulação pela escrita me assustam deveras. Palavras nunca são sinceras. Palavras nunca dizem tudo. Vejam só, quero viver da escrita e não confio nas palavras. Podemos, então, partir para os meus defeitos. Não confio. Algo, lá atrás, quebrou minha confiança – não em algo ou alguém, mas o sentimento de confiança – e eu nunca consegui reavê-la. E quanta dor isso me causa – só eu sei. Às vezes, eu só queria confiar um pouco que fosse… em mim, no que eu faço, em alguém, em alguma coisa. Não consigo. Eis a causa de tantos dissabores e atitudes infelizes da minha parte. Sou apaixonada, e paixão nós sabemos como é. A paixão destrói. A paixão consome. A paixão possui. A paixão não constrói um lar, não dá de comer, não tem um longo caminho pela frente. Eu sei, eu sei… me desculpe pelo resumo tão pobre, Stendhal. Mas, veja só, se os 28 já chegaram, por que a paixão não foi embora? Por que atraio justo por aquilo que mais me afasta das pessoas? Quis escrever, dias atrás, para dizer que eu desconfiava que tinha mudado. Que eu sabia ser mais despojada da minha imaginação traiçoeira, que eu havia me desapegado das exigências, que eu não era, imaginem!, mais tão sanguessuga. Eis que nada mudou. Eis que devo só amargar (sim, eis a exatidão) meus desalentos, minhas atitudes impensadas e, ah!, minhas frustrações. Não conheço ninguém que seja tão débil a lidar com elas como eu. Nunca quis que me prometessem a lua ou coisa que o valha, acharia até meio meloso. As frustrações vêm da falta que os gestos podem fazer – pois só eles dizem tudo o que palavra alguma poderia. Os gestos! Ah, Stendhal, me diverti tanto com suas histórias! O que o amor – ou qualquer das suas dúvidas – nos faz fazer! Ah, Tchecov… o amor nunca tem final. Lembrei de ti justamente porque pensei que você adoraria o site dos 140 caracteres. Imaginei-te um gênio dos começos, meios e finais em tão poucas letras e espaços. Pois é por uma dessas que você é tão comentado e estudado. Quantos amores começam e terminam em 140 caracteres? Nas suas mãos, muitos. Na vida? Ah, a vida tem lá suas complicações. Ou, como diria um ex-leitor meu, nós é que a complicamos. Sem fins, estou certa, se não complicam, pelo menos ficam muito complexas. Demais, até, para alguém como eu. Admiro as pessoas resolutas, as que sabem o que querem, as que tomam as rédeas dos próprios sentimentos, as que resolvem suas frustrações com o suicídio. Admiro-as, sinceramente. Já tentei ser assim, sabiam? Fracassei. Sou um fracasso até para querer dizer o que (acho) que sinto. Porque não acredito que alguém pense que as idéias, o trabalho, os estudos tomem todo o meu tempo. Jamais. Como diria uma (que eu acho que ainda é) amiga, sou zen só na superfície, por dentro sou mar revolto. E a tempestade não passa.
Os 28 fizeram diferença em eu me dispor a voltar a… amar. Porque sou sempre pega de surpresa e, como lema leminskiano, tenho esse pacto com o Destino, o que pintar eu assino. Talvez eles tenham apenas me ajudado a abrir os olhos e perceber que só coleciono fracassos. Sobre aquele que eu emprestei o teu livro, Tchecov, quando eu não sabia o que sentia (apesar de desconfiar que sentia algo) eu me disse várias vezes “se não for um grande erro, será o maior acerto”. Porque eu já tinha a convicção de que amar não era coisa pra mim. E não é, né? Só se eu fosse muito estúpida para continuar tentando e prejudicando os outros. Não há “maior acerto”. E sobre os erros, “grande” deve ser pouco. Eu sei que prejudiquei e até fiz mal (dentre os voluntários e involuntários) a certas pessoas. Sei que é isso que pensam de mim e o que sentem. É que poucas pessoas têm um instinto de auto-preservação tão alerta quanto o meu. Ou, até, poucas pessoas querem tanto aprender o que é amar – e, de fato, não conheço ninguém que tenha a confiança quebrada para sempre. Vocês devem conhecer o Glauber, outro amigo meu, e numa madrugada tensa e difícil ele me fez companhia. Numa carta que ele escreveu a alguém (não lembro, sou péssima nessas coisas) também tomei a pretensão de ver meus pensamentos na cabeça dele. Dizia ele “vou estudar, escrever e namorar” – e, pensei, quero mais da vida? E aí ele passava as seis linhas seguintes comentando que não era nenhum Apolo ou Don Juan (repararam nas nossas semelhanças?), e entre as três coisas, namorar é o mais difícil para alguém tímido, que não goste de “mocinhas frívolas”, que prefira as cultas e inteligentes e despreze os flertes baratos e passageiros. Me digam se não saltei da cadeira numa euforia assustadora e gritei pra mim: é isso, é isso! Por fim, ele diz querer amar como no século passado “romance ardente e perigoso”. Seria o amor algo tão sem graça e sem perigos? Eis nossa falta de comunhão?
O que me falta de amor, transborda da companhia de vocês. Eu tento ser uma aluna aplicada – só aqui na teoria. Eu espero do amor tudo aquilo que parece não ser da alçada dele. Só me resta não machucar mais ninguém. Eu, me machucar? Ah, posso não ter aprendido muita coisa nessa vida, mas quanto a lidar com minhas dores eu me viro. E agora quero encerrar pois não disse nada e quero dizer, ainda, tanta coisa… só sei, queridos, que finais sem fins me deixam desnorteada. Só sei que minhas atitudes não têm sido boas. E faço com a vida, no momento, o que fazia com os contos do Tchecov: abraço-a e fico com o olhar perdido no nada.
De onde a chuva me faz refém dos meus sonhos e pesadelos, daquela varanda nossa conhecida, de quem desconfia do mundo e das palavras, Fahya.
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