Sem motivo

Quem dera fosse o espírito natalino. Quem dera fosse um peso na consciência sobre, sei lá, qualquer coisa. Quem dera fosse uma lista das últimas aventuras. Quem dera o motivo para escrever hoje fosse qualquer coisa boa que deixasse as pessoas de cara (ainda usam a expressão ou sou muito antiquada?) como a minha vida é fascinante.

Pois isso nunca desejei. Pois faz tempo guardo minha vida a sete chaves porque, bem, as pessoas não têm bons sentimentos. Pois depois de mais de mês volto a escrever aqui sem motivo algum.

Esses dias me peguei apreensiva e um tanto triste ao me deparar com escolhas alheias. Disse cá pra mim que eu preciso – com urgência – parar de ficar assim, pois as escolhas são dos outros. E nem afetam minha vida. Mas digo-lhes que minha experiência e meus pensamentos me impedem. Vejo as pessoas fazerem certas coisas e, oh, Lord, fico muito apreensiva. Pelas dificuldades que enfrentarão, porque não estavam sob juízo perfeito ao tomar certas decisões, porque seguem a boiada e não refletem. Sim, sim, quanta arrogância, certo?

E aí cheguei a duas conclusões quase epifânicas. Sou arrogante. Desconfio disso faz tempo demais. Eu não só pareço arrogante, eu sou. Aparentemente, lido bem com tal defeito. A arrogância de achar que sei mais que os outros – é o principal sintoma. Decorre, claro está, de uma velhice precoce que a vida, esta querida, me impôs. A gente fica velho antes da hora porque a vida antecipa uns capítulos e aí pula outros, fica uma loucura, e a cabeça, ah! a cabeça tem que dar jeito em tudo – os que dão jeito, envelhecem, os que não, perecem pelo caminho. Não pereci. Não tombei. Não ganhei todas as batalhas, mas sobrevivi. E aí, nessas guerras da vida, eu aprendi que o grande trunfo de todos os vencedores é saber quando retroceder. Calma, este é outro assunto.

A segunda, então, foi mais acachapante. Foi do nada que me dei conta. Estava pensando em uma situação (vida alheia com a qual não tenho nada a ver) e me ouvi (cá com meus botões) dizendo resignada “que sejam felizes”. É uma expressão que eu uso porque, afinal de contas, é só o que importa na vida – e não importa o jeito que ela estiver, dá pra ser feliz. No momento que eu disse isso me ocorreu uma lembrança. Eu digo isso já faz um tempo e nunca havia dito em situações iguais a qual me referi desta vez – não irei, de jeito nenhum, revelar qual era a tal situação. Meu normal é criticar, meter o pau, partir pra arrogância de achar que quem está na situação está fazendo uma grande burrada sem perceber. E, desta vez, só me saí com o “sejam felizes”. Porém, na mesma situação, com outras vidas alheias, uma pessoa que eu conheço sempre disse “sejam felizes”. Eis que esta pessoa sempre demonstrou uma sabedoria que eu, do alto da minha querida arrogância, nunca percebi.

Esta pessoa é daquelas que nunca deseja o mal a ninguém, que nunca fez mal a ninguém, que nunca me deixou nem de brincadeira falar algo de ruim pra quem quer que fosse. (ps: as pessoas, porém, em quase nada retribuíram isso, viu) A tal situação, evidentemente ruim para as pessoas envolvidas, em nada pode ser mudada por mim – portanto, só me resta, sabiamente, desejar que, dentre tudo de ruim que elas vão enfrentar, consigam de algum jeito ser feliz.

Mandar à merda é uma expressão que eu guardo com zelo (desculpem aí a baixeza). Uso-a muito de vez em quando e só em momentos de extraordinário descontrole. Mas, vejam só, diante de uma situação, eu olho ou penso na pessoa e chego à conclusão que a pessoa já está na merda, com uma vida de merda, num relacionamento de merda (ou na merda por estar sem um), faz escolhas de merda, num emprego de merda – mandar à merda não faz sentido, e não desejo nada, nem de bom nem de ruim, à pessoa. Ao contrário do caso acima, no qual eu desejo que encontrem pelo menos algo de bom, aqui me é indiferente.

E esta era a falta de motivo. Sinto um cansaço enorme das mesmas coisas que vejo todos os dias. Vocês aí publicando como são felizes, comemorando sempre as mesmas coisas, divulgando coisas que vocês acham que vão salvar o mundo e o planeta, se entupindo de frases de efeito e de auto-ajuda – tudo regado com muita foto desfocada e imagens fofinhas. Ah, sim, é fim de ano, então abundam, também, as fotos-comprovantes de que agora, só por agora, vocês foram lá fazer uma boa ação por alguém (invariavelmente crianças ou animais – cachorros e, no máximo, gatos). Sei lá se é pra chegar dia 31 com a consciência limpa ou porque é o espaço que há antes das fotos na praia e na piscina. Enquanto isso, passam o ano todo desejando – mesmo que só no pensamento – coisas ruins a torto e a direito.

Não comentei que um dos motivos de tamanha arrogância é que sempre fui muito crítica – antes mesmo de eu saber o que era isso. Ficava matutando demais sobre as coisas, é sempre horrível. As professoras da escola odiavam meu alto índice de críticas, meu pai vive apavorado com isso, não há homem que resista. Eu gosto de críticas. Vivo bem com elas. E adotei a prática da auto-crítica (não foi conselho de psicólogo). Sou carrasco de mim. Claro, não espero que todo mundo seja assim, mas, convenhamos, como faltam pessoas que pratiquem a auto-crítica! Faltam espelhos para tanto ego inflado. São esses que só vêem o mundo, não conseguem se ver nele. Junto à arrogância vem um brinde: o desprezo.

Vou cantar aquela música do tédio com um T bem grande pra vocês agora que as vidas alheias me despertam muito mais desprezo (e, em certos casos, nojo). Enquanto isso, os inocentes vítimas dos amores de alcova, os heróicos desbravadores dos caminhos tortuosos, os honrados homens e mulheres que não mancham suas escolhas, os ingênuos de corações aflitos, os que têm fé e os que acreditam em algo ou alguém terão o direito de ser feliz, entre uma tempestade e outra, e desejo que não percam as coisas boas que trazem no coração.

Não quis nenhum motivo para escrever e juro que não economizei na arrogância.

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