The Book of Negroes (um desassossego)

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Há algo de filosófico em pensar que, quando temos as respostas erradas talvez tenhamos feito as perguntas erradas. Eu sempre penso nisso numa atitude de inquirir e questionar o que se pretende apresentar. Há, também, algo de filosófico em pensar se o problema que se apresenta está colocado da maneira correta.

Pensei em começar assim para justificar que, não desmerecendo outras lutas e pautas, aprendi muito uma forma diferente de ver uma mesma questão. Muito se reclama, no meio audiovisual, que faltam negros nas produções (nas telas e por trás delas). Não, não é só nas novelas brasileiras (ou mesmo em telejornais e etc.). O mesmo acontece na indústria cinematográfica e televisiva estrangeira. A TV americana, porém, trata isso de uma forma menos pior, digamos. Me parece que tem uma boa quantidade de produtos audiovisuais com personagens negros. Volta e meia esses “problemas” entram em discussão, o atual é sobre os salários das atrizes, depois do discurso politizado de Patricia Arquette ao receber o Oscar. Bem, seria repisar dados conhecidos demais dizer que os homens (brancos e blábláblá) dominam praticamente todas as áreas e tal. Não é isso que me interessa hoje.

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A despeito, também, dos estudos (dos quais realmente não sou detentora) decoloniais e afins, pois acredito que não se encaixe na minha idéia.

Assisti a minissérie canadense The Book of Negroes, dirigida pelo negro jamaicano Clement Virgo. Não pretendo ser spoiler nem tratar da trama, apesar de ter alguns tantos elogios. Enquanto assistia, me peguei pensando que não é só dizer “não há negros nos filmes, séries, novelas”. O brilhantismo da minissérie, pra mim, está no fato de pensar a fotografia para a pele negra. Estamos acostumados demais em ver as imagens de brancos, loiras, morenos, com luz e fotografia pensados para essas “cores”. Porém, há vários casos de audiovisuais que têm negros no elenco, sem perceber que eles se perdem nas imagens com luz apropriada para as peles brancas ali presentes. O trabalho de fotografia de The Book of Negroes é fantástico – mesmo que sutil demais para um olho desatento.

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Sim, a história é emocionante. Sim, cobre um período e fatos que não são de amplo conhecimento do povo em geral. Sim, é dar visão às atrocidades. Sim, é uma história de esperança. Sim, tem atuações brilhantes. Seria só mais uma série/minissérie que eu teria gostado (de época, óbvio), se não fosse o despertar de um olhar para as cores que compõem o quadro de um elenco negro. E assim eu acredito que a questão deva ser recolocada: não só faltam negros no audiovisual (na frente e atrás das câmeras), nem faltam temas e histórias que estejam em sintonia com os personagens negros, falta pensar como ver (no sentido literal) a pele negra nas telas. E, pra mim, isso faz muito mais sentido.

Do que eu estou falando? Da beleza que, em meio às desumanidades cometidas no enredo, surge da pele brilhante sob a chuva. Do uso intenso dos tons terrosos que combinam e dão realce à pele negra. De usar a paisagem fria, gélida, branca, casar com perfeição e não deixar um traço de sombra sobre o rosto negro, enquanto salta gritante a branquidão da pele dos outros que, estes sim, parecem destoar ali. É tão batido (apesar de ter um filme fofinho que trata bem disso, com a Juliette Binoche e, infelizmente, o Clive Owen), mas uma imagem vale mais que mil palavras (e eu sou do tempo que as imagens eram menos mentirosas e manipuláveis).

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Ou seja, só assistindo para entender. Mas, justifico-me novamente, este blog tem a premissa de ser campo para meus desassossegos. Então, cá está. Listo mais um deles. É uma minissérie que eu acho que nem chegou nem chegará no Brasil, passou em janeiro no Canadá e em fevereiro nos EUA, tem apenas seis capítulos e é baseada num livro de Lawrence Hill (acredito que sem tradução para o português), outras informações é fácil encontrar por aí. Sim, sou apaixonada por essa coisa de acesso quase irrestrito à arte e à cultura, então deixo avisado que tem para download em site seguro (só não vou deixar aqui por questões óbvias). Partindo da minha compreensão da fotografia da minissérie, confesso que já fui longe, por isso comecei com as atitudes filosóficas de mudar o ponto das questões que nos apresentam.

E só uma curiosidade, houve uma campanha para explicar o termo negroes no título, pois é ofensivo nos EUA, mas ele é explicado na história e, pá, assistam e não fiquem lendo spoilers.

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2 comentários em “The Book of Negroes (um desassossego)

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