Todos diriam que Mariana fora um bebê tranquilo e uma criança que nunca dera trabalho – e estariam certos. No meio de irmãos bagunceiros, sua retidão ganhara destaque. Previsível, Mariana fora sempre obediente e boa aluna. Aprendera cedo a cozinhar e a costurar. Um dia, diante de uma Mariana surpresa, a mãe ficara encantada com o vestido que ela havia feito para a irmãzinha e exclamara “Já pode casar!”. Mariana não entendeu a frase, mas ficou quieta.
Pouco tempo depois, ao fazer uma sobremesa para o dia dos pais, fora a vez deste surpreendê-la, “Já pode casar, filha!”, e assim ela cresceu e tornou-se adolescente; por algum motivo muito misterioso, quando ela cozinhava bem, costurava algo ou limpava a casa, as pessoas lhe diziam que ela poderia casar.
E foi no começo da adolescência que Mariana encontrou o amor da vida dela. A professora de Ciências falava sobre as fontes de energia renováveis, sobre o petróleo, o carvão, sobre formações sedimentares e todo este universo encantador quando Mariana descobriu a biomassa. Apaixonou-se. Pesquisou muito, procurou professores, falava sozinha sobre as maravilhas que a biomassa poderia fazer pelo mundo e pelos seres humanos. Depois de encontrar o amor da vida dela, a biomassa, ela queria salvar o mundo também.
Mariana decidiu que estudaria inglês para conhecer mais sobre a biomassa. E quando foi a primeira colocada depois de cinco anos de curso, não ouviu um “já pode casar”. Mariana teve as melhores notas da turma no ensino médio e isto lhe valeu uma medalha: mas nem depois da festa ela ouviu um “já pode casar”. No ano que faria vestibular, decidiu trabalhar meio período para pagar o curso de alemão, pois o inglês não bastava. Apesar das dificuldades que teve, em menos de um ano já se sobressaía na turma: nem por isso ouviu “já pode casar”. Fazia o terceirão, trabalhava, cursava alemão e ainda arranjou tempo para o intensivo do pré-vestibular. E no final do ano lá estava ela, com foto no jornal e tudo: primeiro lugar geral da universidade federal. Teve até faixa na frente de casa, mas ninguém lembrou de lhe dizer “já pode casar”.
Sempre a melhor aluna do curso, não perdia de vista a biomassa. Os professores a admiravam e no segundo ano conseguiu estágio e participava de um grupo de pesquisa. Nem assim, com artigos publicados e pesquisa avançada alguém lembrava de lhe dizer “já pode casar”. No dia da formatura, claro, foi a melhor da turma e recebeu a notícia de que já estava aprovada no melhor mestrado do país. Nesta noite de comemoração, ela até aguardou que alguém lhe dissesse “já pode casar”. E nada. Terminou o mestrado em menos tempo do que o previsto e tinha em mãos o projeto do doutorado – elogiadíssimo pelos seus pares. Com confiança, mandou para a melhor universidade do mundo que pesquisava biomassa.
Naquele dia, ela entrou esfuziante em casa, com uma carta nas mãos. Seu sorriso gritava alegria: fora aprovada no doutorado. Encontrou o namorado no sofá, assistindo a um filme com tiroteios sem fim.
– Amor! Amor! Fui aprovada! Pro doutorado! – ela engasgava de felicidade.
– Ah, é? Que bom, amor. Mas a gente tem que ver isso daí. Não dá para esperar quatro anos para casar, e eu não posso ir. Depois a gente vê, né? Me traz uma cerveja?
Mariana foi até a cozinha, abriu uma lata de cerveja, deu um gole e ficou pensativa. Deixou a cerveja na mesa sobre um bilhete: “Não posso casar”.
(texto publicado originalmente no jornal Notícias do Dia, de Joinville, na página da Confraria do Escritor, em 14 de setembro de 2014)
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