A parte boa dos dias ruins é que eles não duram pra sempre. Pode, ou não, haver a disposição de encará-los de frente, como: vou ser feliz, me entendeu? Ou podemos apenas tentar colocar a cabeça no lugar, os sentimentos em ordem e distrair com seja lá o que for. Às vezes, desejo escrever sobre o que sinto. Não o faço porque já passei da idade de acreditar que alguém se importa de verdade com os sentimentos alheios. Qual é essa idade? Não sei, certeza que não se trata de um número aleatório calculado pela data de nascimento. É a partir de um ponto na vida, de uma carga de experiências, que você entende o valor do silêncio acerca do lhe passa pelo coração. Ninguém se importa e trazer os sentimentos à tona só é chato e ridículo. Não que não devamos tê-los, longe disso. Mas é imprescindível saber conviver com os próprios sentimentos, sem que precise externá-los a ninguém. É só uma teoria? Talvez. Uma teoria que funciona na prática.
Nesses dias ruins, me pego pensando: o que faz alguém que não tem um quintal nessas horas difíceis? Joga vídeo-game, oras. Bem, eu não tenho vídeo-game e acho plausível que alguns tenham esta válvula de escape. O que fazem aqueles que não apreciam um bom chá para clarear a mente e confortar o corpo, quando as notícias não causam boas sensações? E os que não se encantam com um incenso aceso para liberar os pensamentos das coisas ruins? Vão ao shopping, talvez. Fazem hora extra no trabalho, quem sabe. Desde que cada um saiba identificar quando está num dia ruim e o que deve fazer para passar por ele sem muitos danos – e de preferência com ganhos – tudo ficará bem. Mas há quem não enxerga nada e por isso, também, não faz nada para melhorar. E há quem não se conheça o suficiente para saber no que deve mergulhar para não se afogar.
Ou, ainda, quando você sabe que só conseguirá passar pela turbulência ao ouvir as suas músicas favoritas para estes momentos. E aí parei pra pensar que há quem não ouve nenhum ruído deste mundo, nem a música. A estabilidade de uma vida com tudo “perfeito”, com saúde, braços, pernas, sentidos nos cega. É como viver todos os dias da vida sem nunca pensar que num instante podemos perder tudo e todos que amamos. Assim, num vapt. Porque quando der o vupt já será hora de lamentar não ter se prevenido do que poderia acontecer. Dizem que é sair da sua zona de conforto, essa vidinha cheia de pleonasmo que a gente leva e fica deitando e levantando todo dia da cama. E preparar-se para os dias ruins – dando aquele tempo pra cuidar do jardim, jogar vídeo-game, tomar um chá, estourar o cartão de crédito – é contornar de antemão os danos a si e aos outros.
Nesses dias ruins, até aquele livro adorável que estou lendo, que me fez enxergar e estudar tanta coisa, está acabando. Nas últimas páginas… no último conto, e eu faço como quando estamos comendo algo muuuuito gostoso, começamos pelas bordas, vamos comendo devagar, para prolongar o prazer. Eu não quero que o livro acabe. Não agora que talvez eu esteja num desses dias ruins. Então me delicio aos pouquinhos. Bem, isso só vale para o tipo de pessoa que gosta de histórias que os livros contam e, também, que não vai com toda sede ao pote – porque sabe que a vida é assim gostosa e bonita porque foi feita pra ser apreciada, e não engolida de uma vez sem sentir o gosto. As teorias nunca valem pra todo mundo, vejam só.
Se os dias ruins não duram pra sempre, os bons também não. E é essa balança que nos fideliza na experiência. Há quem se iluda. Há quem idealize tudo e todos. Há quem se engane. Há quem fuja. Na minha teoria, a vida foi feita pra ser encarada de frente. Vai arranhando, vai tirando pedaço, vai deixando saudade, vai sorrindo, vai surpreendendo, vai arrancando e brotando. Olhar de soslaio pra vida, ou de óculos escuros, ou por cima dela, é coisa daquelas pessoas que nos dias ruins nunca sabem que é hora de parar pra jogar vídeo-game, assistir a um filme, podar umas árvores, pegar a estrada, dar um mergulho no mar ou, sei lá, tomar um banho de chuva. Depois podemos até voltar, mas só depois.
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