Por esses dias revelei uma daquelas verdades que temos para nós mesmos, mas que parece que existem só quando são formuladas em palavras para outrem – antes disso nem nós as conhecemos. Minha fruta favorita é a goiaba. A velha piada sobre encontrar meio ou um bichinho de goiaba inteiro é das filosofias para a vida. Gosto mesmo de goiaba. Sou louca por melancia, é verdade – e todo mundo sabe. Talvez, se perguntassem qual a minha fruta favorita, para as poucas pessoas que me conhecem, a resposta seria melancia. Sou doida por acerola, também. Dou um dedo por suco de maracujá. Mas a favorita é, certeza, a goiaba.
Naquele espírito genealógico de investigação subjetiva das razões obscuras do ser (rá! Abusei, né?) eu diria que é porque sempre vivi com um pé de goiaba em casa. A mais antiga, a maior, a que ainda vive (mas adoeceu e deu pouco nos últimos anos) foi meu paraíso por muito tempo. Nela eu subia, imaginava mundos inesquecíveis e insondáveis aos outros, e comia os frutos enquanto sonhava. A goiaba não é para frescos, tem que ter bons dentes e trincar as sementes (vai dizer que você tira a semente da goiaba?!). Na casa do meu avô havia uma bonita, nova, que vi crescer e, mesmo pequena, me aventurava para comparar os mundos inimagináveis dali.
Elucidado o motivo do meu favoritismo, passei a analisar a goiabeira. Ô coisa fácil de se criar, dá em qualquer lugar, dá frutos em pouco tempo (algumas frutíferas exigem tempo e a doce paciência), tem boas safras. Qualquer semente jogada num terreno baldio já pega (reparei hoje que num terreno baldio da vizinhança tem um pé bonito e já quero pegá-lo antes que o cara venha cortar o mato). Os cachorros também adoram – e nem digam que eles puxaram a dona porque é a mais pura verdade. O tronco é lindo, de madeira clara que descasca e tão divertido tirar suas casquetas. Também é boa de subir.
Acho que só comprei goiaba no supermercado umas duas vezes na vida – e nem de longe tinha o mesmo gosto. E foi a goiabeira aqui de casa, que fica bem rente à cerca, que me levou a todas essas reflexões. A da frente é mais rara, é a branca, a de trás é mais nova e é vermelha. Ambas deram bem neste verão, mas da frente, curiosamente, colhi poucas. Sim, as pessoas passam na rua e roubam, os vizinhos (esses queridos) aproveitam quando não estou e fazem a limpa. Vejam vocês, uma árvore tão fácil de ter e os marmanjos preferem pegar dos outros, claro. Se tem vizinho que pula o muro e faz a limpa no limoeiro de outro vizinho, não é de se admirar.
Por que as pessoas fazem isso? Eu me pergunto. Sei que não é fácil cultivar – minha mãe, como aquele personagem, sempre diz “plantando, dá”. Eu pego na enxada sem frescura, tenho paixão por plantar, claro que não espero isso de todo mundo. Mas se a pessoa não cultiva, então que vá até a feira da rua de cima todas às sextas, né? A terra é tão boa, mas as pessoas…
Numa semana do verão o vizinho emprestou a casa para um casal e dois meninotes. E não é que choveu a semana inteira? Os meninos, coitados, tiraram coelho da cartola para aproveitar o tempo sem poder ir para o mar. A mãe entediou-se às tampas e volta e meia se agarrava no celular, o pai aproveitou a rede. Uma vez ou outra divertiam-se juntos jogando cartas. Os meninos pareciam de apartamento, tudo era encanto para eles. Um dia vieram à cerca e perguntaram se podiam pegar as goiabas da frente, dissemos que sim. Precisavam ver! Os meninos nunca haviam tirado uma fruta do pé. Era um desafio, planejaram quais pegar, o que precisavam fazer em conjunto para chegar aos galhos mais altos, tudo com uma seriedade e uma fantasia incomparáveis. Admirei a cena como a um espelho. As crianças sabem pedir, coisa que os adultos preferem ignorar. As crianças sabem transformar um pequeno gesto numa aventura.
O horário de verão se foi. Daqui a pouco as goiabeiras irão se preparar para o frio. Já me entrego à melancolia de não ver mais o sol às oito da noite, logo encerrarei a colheita. Em breve será tempo de se recolher, sem goiabas, mas alimentando as aventuras. Verão deixa saudades, pensamentos e paixões que, ao contrário do que vovó dizia, sobem a Serra, sim.
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