Eu estranho quem tem muitas certezas. Quem tem todas as certezas, então, me assusta. A pessoa tem certeza que ama o cônjuge. O cara tem certeza de que está na profissão certa. Os pais têm certeza que deram a melhor educação para os filhos. Não sei o que há de errado com as dúvidas. Parece uma fraqueza, uma inconsistência na vida, tê-las. Eu as tenho em enorme quantidade, queria lhes dizer.
Por isso mesmo sempre usei muito o “será?”. O que, aliás, me rendeu desastres em relacionamentos interpessoais. Quando alguém afirmava alguma coisa, bradava suas certezas, suas hipóteses, eu – por preguiça de discutir o assunto, ou por vontade de (precisando ou não) instigar a pessoa a refletir, ou por questionamento puro e simples (bom não perder a prática) – lançava um solícito “será?”. Deixei-o cair em desuso porque as pessoas tornaram-se agressivas, irritavam-se com a expressão da minha dúvida. As pessoas não sabem viver com dúvidas. Elas precisam das certezas mentirosas para acreditar na vida que levam.
Senão, vejam vocês, por que continuar casada com alguém que você não tem certeza que ama? Por que continuar crendo no Deus e nas doutrinas que você não tem certeza que existem? Parece sem sentido. Parece inútil ou inseguro. E as pessoas precisam de segurança. Mais vale uma certeza vazia do que uma dúvida bem construída. Pois eu prefiro, ainda, as dúvidas.
Depois de abandonar o “será?”, adotei recentemente o “talvez”. Nada mais divertido e apaixonante para instigar as dúvidas. As pessoas, diante de um “talvez” jogado na cara, calam-se. Fica fácil, assim, ver qualquer certeza precária desmoronar diante dos nossos olhos. É mais angustiante do que o “você está certo disso?” do Show do Milhão. Falando assim parece abstrato, mas quando alguém aparecer com alguma certeza, diga-lhe um mero “talvez você não saiba do que está falando”. Se der tempo, você verá os olhos arregalados, a boca aberta, aprecie o silêncio. As certezas são falantes e fofoqueiras. Ah, as dúvidas calam! (eu, particularmente, que já não sou grande fã de pessoas, admiro quando ficam em silêncio)
Pode ser que seja influência da Filosofia, admito. Porém, vejam só, a Filosofia constrói-se sobre dúvidas. Você só alcança algum conhecimento porque questionou ou duvidou de algo. No entanto, fato triste da realidade, o estudo da Filosofia descaracteriza as pessoas que nela entraram, por ela se apaixonaram. Em pouco tempo o academicismo dominante as faz ter todas as certezas do mundo. Elas têm certeza do que Heidegger quis dizer, o que Sartre pensou e até o que Schopenhauer sentiu. E ai de você se duvidar de alguma das certezas delas. Chega um ponto na vida dos amantes da Filosofia que eles esquecem o que foi que ensejou aquele amor – como acontece nos casamentos. Eu poderia criticar muita coisa sobre o academicismo, mas a ausência de dúvidas é, em si, o suficiente para desmoralizá-lo. E, sabemos, não é só na Filosofia. Isso acontece na maior parte (em todas, será?) das áreas. O mais conceituado exponencial da sua área é aquele cara que tem todas as certezas do mundo, convidado para palestras, eventos, plateias concorridíssimas. Nunca vi um cara desses chegar dizendo “não sei” ou “talvez não seja assim”. A dúvida, meus queridos, não faz sucesso. Garanto-lhes.
Ah, mas as certezas são necessárias, inclusive nas Ciências. Sim. Mas não se chega a nenhuma certeza a partir de outra, na raiz há sempre as dúvidas. A pessoa que tem dúvidas é considerada incapaz, fraca, titubeante, mas só pelo senso comum – para o qual não há espaço aqui. Em muitas discussões eu já lancei “ó, não sei”. Eu posso até agir, tomar uma decisão, mas deixo claro que, porém, não há uma certeza na correção ou exatidão daquilo. A pessoa que duvida não necessariamente é uma pessoa sem atitudes. Ocorre que ela as toma ciente da incerteza do que faz. Eu temo quem só toma atitudes das quais tem plena certeza.
Ninguém gosta de que duvidem de si. Eu, como não acredito nem confio em ninguém, tenho meu salvo-conduto. Eu vou duvidar de você, sempre. Você pode se declarar, vou achar bonitinho e tal, mas ali no canto estará presente o “será?”. Eu não tenho problema com isso, mas os outros têm. Você só pode ser alguém muito arrogante para achar impossível que duvidem de você. Deixe que duvidem, corra o risco de acharem alguém muito melhor do que você mesmo acredita que é. Vai por mim.
A dúvida aguça os sentidos. Duvidar de tudo e de todos o tempo todo mantém a atenção alerta. A dúvida amortece a queda. Duvidar, nos piores momentos, te conforta. Quando aquele cara que te amava tanto bater a porta e nunca mais voltar, você vai lembrar daquelas vezes que duvidou de tanto amor, tanta foto postada nas redes sociais, tantas declarações em público e dos buquês de flores – e vai dizer pra si mesma, “bem que eu duvidei”. Porque duvidar não é o mesmo que não acreditar. Vocês sabem, é claro.
Não importa a estratégia que eu use ou que eu tente amenizar as expressões de dúvida, ninguém gosta que eu duvide ou questione as suas certezas. Ninguém. E eu acho a dúvida tão bonita! Ela é tão construtiva. Ela mantém o coração batendo forte. Ela faz olhar pra vida com mais paixão. Porque com dúvidas você encontra mil possibilidades mundo afora, as certezas te limitam. As pessoas gostam mesmo de ter certeza que estão certas, que suas pregações são as corretas, que suas vidas estão no caminho certo. Elas esmorecerão se duvidarem disso. Simples assim. A dúvida, meus queridos, é para os fortes. Acho curioso, não estranho, quem cospe a certeza de ter votado no melhor candidato das últimas eleições, de ter feito as melhores escolhas, de ter os princípios mais coerentes. Sabe aquela pessoa que tem em si a certeza de só professar e praticar verdades absolutas? Jamais as entenderei. Acho curioso porque me pergunto se ninguém nunca lhes jogou um “será?” na cara. Caso fosse feito, talvez (rá!) estivessem sentadas no meio-fio até agora, banhadas em arrependimento. Repito: jamais as entenderei. Porque quem não percebe o quão sedutora é uma dúvida, não terá minha empatia. Jamais.
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