para o João.
Neste nosso céu passavam balões… de todas as cores. Abríamos mais os olhos para vê-los rasantes sobre o telhado de casa, temíamos que eles se descontrolassem e colidissem. Seria uma tragédia, não? Os balões cruzavam nosso jardim, de lado a lado. Embelezavam o azul sombreado de nuvens esparsas daquelas Primaveras. Eram nossos, mesmo que à distância, naqueles instantes que por ali se quedavam.
Começavam ao amanhecer e seguiam a esmo. Porque eles não podiam estar nos céus pelas noites, nos enchiam o coração o dia inteiro – nossos sonhos então eram deles. Não era a leveza, nem a perfeição da forma, ou os mistérios físicos da sua flutuação. Era a paixão pelos céus que ele carregava. A paixão por nos encher daquela doçura que leite condensado nenhum é capaz – porque dura. Nosso jardim não era ponto turístico de algum lugar exótico do Oriente, nem faziam competições por ali. Nosso jardim vivia amor, eis a condição da paisagem repleta de balões sobre nossas cabeças. Enquanto cultivássemos o amor em cada centímetro daquelas terras, teríamos balões. Era condição que ali nos amássemos todos os dias, diante dos olhos de Deus e dos céus, sem preguiça, tédio ou brigas. Então eles voltariam no dia seguinte a cruzar nosso espaço apaixonado. As cores refletiam-se na nossa pele e refulgiam nossos olhos às vezes cegos pelo sol.
No nosso jardim o amor tinha hora marcada: acontecia todos os dias. Não éramos mesquinhos. Economizar amor é envenenar-se. Víamos amor em cada gota de chuva. Ouvíamos amor em cada zumbido dos zangões. Sentíamos o perfume do amor na grama cortada. Era um amor que fervia sob a pele e carecia de explicações. A cada palavra cuidávamos para que apaixonássemos um ao outro. O amor transcendia aqueles corpos e sentia-se no ar que respirávamos. Cada passo que um dava, olhava para o outro buscando a aprovação do coração alheio. O amor selava nossos caminhos. Porque o amor é assim exigente. Ele não dá bobeira. Ele não desiste. Ele atravessa o espaço que sequer compreendemos. Enquanto houvesse amor, haveria balões. E enquanto houvesse balões, amaríamos mais.
Foi um descuido. Um descuido qualquer. Faltou um bocadinho de amor. Faltou olhar nos olhos… faltou aquele “boa noite” sussurrado… faltou um abraço em meio às lágrimas… faltou dizer que sentia falta. Foi o descuido de imaginar que se sabia quanto amor ali existia, então não precisava mais ser dito. Amor proferido é sempre amor aumentado. Faltou sorrir um ao outro ao ouvir os sinos da igreja. Faltou lembrar do outro ao ouvir o apito do trem ao longe. Faltou colher as flores mais belas para o arranjo de boas-vindas. Faltou… amar ainda mais. Foi o descuido de acostumar-se aos balões enchendo de beleza aquele céu que era só nosso. O descuido de acreditar que nada mais era preciso fazer para tê-los sempre ali ao alcance do coração. Era preciso o único exercício digno da alma: amar.
E em amar nós falhamos. Déramos o amor por certo. Por presente naquele jardim tão bem cuidado. Achávamos que o amor nunca nos abandonaria a superfície tão sensível da pele. Acreditáramos que o amor alimentava-se de poucas palavras. Em amar nós falhamos. Cuidávamos daquele jardim da mesma forma, todos os dias, antecipando o olhar do outro, os balões engrandecendo aquele céu que, também, tanto amávamos. O amor, então demoramos a descobrir, não se prevê. O amor, enquanto amor, não é certeza nenhuma. Por mais que se cultive, o amor nos escapa num descuido qualquer do cansaço do dia, no olho tremido de uma noite mal dormida. O amor foge numa palavra mal interpretada. E os balões jamais voltarão a habitar nossos olhos desolados deste amor que nos escapa sem que desconfiemos…
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