Noite de Natal

Naquela noite de Natal não havia nenhum pacote de presente debaixo da árvore. A mesa grande decorada com uma toalha cheia de bonecos de neve e papais noéis não ostentava nenhum enorme peru. As caixas de som não entoavam os mais belos cânticos natalinos. Nem o pisca-pisca estava aceso. Era um Natal onde faltava paz. Faltava que as pessoas acreditassem no futuro. No próximo Natal, caso tudo continuasse igual, o passo seria nem ter árvore a ser enfeitada. Os corações mantinham os adornos, apenas. Corações adornados não preenchem espaços. Viam-se invejados, pelo lado de fora. Sorrisos não pendiam dos galhos da árvore decorada no meio da sala. Crianças não enlouqueciam o chão com seus novos brinquedos. Cachorros e gatos não detestavam suas roupinhas vermelhas inexplicavelmente cheias de pompons brancos.

Naquela noite de Natal o entorno da mesa farta era ruidoso. Diriam que todos ali se entendiam. O churrasco de sempre passava de mão em mão. As caixas de chocolate já abertas descansavam no balcão. As crianças disputavam a vez na bicicleta nova da prima mais afortunada, logo estariam agarrando-se pelos cabelos. Todos suavam e o ventilador não dava conta do ambiente abafado. Uns disputavam conquistas do ano, outros discutiam a agenda da casa compartilhada na praia. A maionese seria pouca, é fato. A tia nunca acertava a quantidade. Ou sempre apareciam os que ninguém esperava. A família, já grande, crescia tanto a cada ano! A árvore-de-natal de plástico não chamava atenção no canto escuro, perto da porta do banheiro. E um papai Noel vesgo tilintava seu sino até acabar a pilha, para ver se a neta recém-chegada pegava logo no sono.

Naquela noite de Natal eles nem sabiam ao certo que era… Natal. Os tubos de oxigênio, as macas, os sacos de soro silenciavam a noite feliz. Um laço vermelho na mesa da recepção queria lembrá-los – em vão. Os lençóis brancos e os horários cumpridos à risca não queriam emular a neve nem preocupavam-se com a ceia. Havia um silêncio descomunal pelos corredores que pareciam ainda mais escuros. Nem as almas perambulavam naquela noite. Um ou outro era visto num canto a bocejar e esfregar os olhos com a mão adormecida de dormir meio sem jeito na cadeira. Todos torciam para que, até o fim do plantão, a sirene da ambulância não tocasse tal qual o sino do papai Noel.

Naquela noite de Natal eu colocaria um vestido novo e sentaria no sofá à espera dos presentes, minguados, por certo, porque não havia sido uma boa menina. Olharia a dança das nuvens depois da tempestade pelos janelões da sala de visitas. Contaria as horas para ver o velho barrigudo e de barba branca (verdadeira) entrar pela porta da frente carregando um saco vermelho. Veria a sala encher-se de gente, sendo, como sempre a primeira a ali estar. Esperaria com ansiedade meu nome ser chamado – uma, duas, várias vezes. Colocaria um presente sobre o outro, empilhados num canto, com medo de que alguém confundisse com os seus ou que se perdessem no meio dos pacotes vazios. O sono chegaria e eu, satisfeita com todos os regalos, abraçada a eles com medo de que eles deixassem de ser meus, partiria para a cama.

Naquela noite de véspera de Natal o cansaço levou-me tarde para a cama. Os olhos demoravam mais em cada piscada. O ventilador tornava o quarto fechado atrativo. Eu esperava por você. Esperava ter mais esperanças e fé no futuro. As pernas doíam pelo andar desenfreado da correria das compras de Natal. Pensava na praia, em pular para o Ano Novo, em como era bom que Natal só havia um por ano. Quando seria mais difícil te esperar, você apareceu. No portão de casa, você reclamava pelo meu colo. Talvez o coração aos pulos ou eu nem sabia ao certo. O Natal agora fazia sentido. Eu te esperaria, sempre. Sem sono, sem cansaço. Para ver teu sorriso, enxugar tuas lágrimas, dar-te abraços. Em nenhum Natal, até hoje, eu havia recebido o que mais desejava. E, ali estava, tua presença. Ao voltar, pé ante pé para não esbarrar nem no papai Noel que dizem que sai da chaminé, desliguei as luzes do pinheirinho, tirei o vestido embebido no teu cheiro e adormeci a sorrir com o melhor presente da minha vida.

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

Crie um website ou blog gratuito no WordPress.com.

Acima ↑

%d blogueiros gostam disto: