Eu temo por quem viu o saldo do banco hoje, mas perdeu o pôr do sol. Temo por aqueles que correram tanto, mas tanto, para chegar ao mesmo lugar. Pelos que não reconhecem seus filhos e pelos que choram sozinhos. Eu temo por quem não teve tempo de rever um grande amigo. Temo por aqueles que não se renderam ao prazer e à preguiça, pelos que não olharam para quem estava ao seu lado. Eu temo.
É esse meu temor que me leva a caminhar pelas cidades observando vidas que não me dizem respeito. Quero um tipo de certeza de que temos escolhido viver melhor, viver, enfim, de verdade. Temo que estejamos, ainda, perdendo tempo com as coisas poucas, com o banal e insignificante. É esse meu temor que me faz refém, dias em casa, da suspeita de que não sabemos como corrigir erros do passado. Soubemos refazer nossos caminhos? Soubemos repensar nossas atitudes? Ou apenas repetimos as ações que vimos nos outros, durante toda a nossa vida?
Imitamos os gestos que nos trouxeram para caminhos insípidos, sem cor nem gosto. Pergunto-me: não aprendemos? Temo pela resposta. Temo saber que giramos em falso, que falhamos em desbravar novas realidades. Temo abrir bem os olhos… e ver que nada mudou, nunca. É uma sensação bíblica, temer. Eu temo que exista uma força muito superior que veja ao vivo e em cores toda a nossa podridão e má vontade em fazer disso aqui um lugar melhor. E se essa tal força resolver se vingar? E se ela descer sobre nós sua mão pesada e impiedosa a nos cobrar pelas nossas faltas, das mais graves às mais severas? Nada restará de nós. Nada.
Eu temo não ter tempo o suficiente para pregar que podemos (se devemos for pesado demais) ser outras pessoas: mais gentis, conscientes e solidárias. Eu temo ser pouco clara e objetiva ao tentar converter novos fiéis às minhas crenças de um mundo justo, bom e recíproco. Eu temo, todos os dias, não dar conta da minha parte. Eu temo, por vezes, escorregar imperceptivelmente para o egoísmo… temo que minha desatenção sutil prefira o caminho suave e sem pedras.
Eu sei que é possível, mais do que o tanto que eu quero acreditar que é. Eu vejo minha esperança refletir nesses olhinhos opacos que mal viram o bem e o mal a lançarem-se em batalhas ignóbeis. Nem por mágica, porém, conseguirei arrastá-la pupilas adentro. São olhos assim, menos inocentes do que ignorantes, que imitam as velhas almas das quais precisamos nos livrar. Precisamos, é uma certeza. Eu temo que haja um círculo vicioso.
Temo não saber para onde voltar, qualquer dia desses, com a vista enevoada sob uma pesada fumaça cinza do rancor das nossas ações. Temo não encontrar mais a placa de salvação anunciando um retorno para breve ou um simples atalho – quem sabe um “Vá devagar: estamos em obras”. Temo pelo dia em que todos os relógios pararão e nossos dias serão o inferno da repetição. Temo acordar e lutar pelo que não me satisfaz a alma. Temo que, depois, eu veja que foi tudo em vão.
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