Talvez a chuva não passasse a esmo os meus pensamentos. A cada passo encharcava mais meus tênis e sentia os pés frios. Talvez o frio me lembre sempre a morte e, por isso, não consigo suportá-lo. Eu detesto a morte. Detesto pés frios. Detesto sentir frio. Talvez estar próxima do mar me fizesse sentir menos, menos solidão, menos tristeza, menos pessimismo diante de tudo. As idéias não haviam me abandonado, era só um “momento de introspecção” eu diria a quem quer que fosse. Os silêncios jamais me abandonariam. E eu reparava nas folhas dos sombreiros – que dizem estar mortos – abandonando-se na calçada tão bem preservada. Era poético, como a névoa chuvosa que chegara à praia habitada apenas por algumas garças – quase nunca vistas ali, pois incomodam-se com o chiar das pessoas. Eu observava as garças, sem querer atormentá-las com a minha presença. Talvez eu sempre tivesse reparado no charme da Estação. Talvez, ainda, eu tenha preferido ignorá-la porque a tristeza sempre me visitava por esta época. O frio, talvez, fosse o culpado.
E eu que detesto coisas artificiais – sobrancelha pintada, silicone nos peitos, unhas de gel, megahair, cílio postiço: de tudo isso Deus me livre – vivia esses dias no aquecedor, na água aquecida da piscina. Só assim conseguia suportar o frio. O frio que não me lembra em nada a vida. Essa era minha agonia saudosista, sentir o calor sobre a pele, sentir o cheiro de pele queimada de sol. Talvez eu banhasse em brasas de vinho meus sentimentos para passar mais rápido esses longos meses em que escurece tão cedo – tão cedo. Escurece muito cedo. Por aqui logo estão todos aninhados procurando o calor que deve ser a mesma coisa que amor. Eu tenho, por vezes, um pavor do frio. Tenho pavor de ficar tanto tempo sem ver o sol – é como se não houvesse vida.
Os dias vão passando e em nada eu busco contar dias a menos – somente dias a mais, de mais frio e de mais chuva e de mais nuvens. São menos dias que me separam da próxima (sempre inesquecível) Estação e eu insisto em não ver assim. Meus planos não duram uma tarde inteira. Meus entusiasmos não duram um fim de semana. Minha alegria nunca chega ao fim de uma segunda-feira. Em breve o dia finda, as cortinas se fecham, a escuridão toma conta e o silêncio se impõe. Até às sete da manhã seguinte. Como num túnel sufocante que mascara todas as nossas possibilidades. E só há possibilidades aos que estão vivos. A morte é o fim das possibilidades – todas elas. Talvez como um garapuvu que morre todo ano no frio para reviver alegremente no calor. Talvez tenhamos essa vida intermitente para apaziguar a alma. Talvez os fins sejam, quase sempre, recomeços. Às vezes, porém, são apenas tropeços.
A noite em pó se transforma antes de virar uma interminável madrugada. Enquanto isso eu choro ter perdido o que, por vezes, nem sei direito. Os livros que não li, os olhares que não amei, os lírios que nunca plantei, os desaforos que não vinguei. Nesse intervalo busco inspirações antigas, aguço o olhar à procura de poesia onde há somente vida, praguejo contra o tempo, sorrio de pés molhados, tomo um banho quente, experimento não pensar, às vezes. Daqui um pouco, lá se foi o mês, lá se foram os planos, lá me vou ao sonho.
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