Certos dias não nos dão inspiração. O escritor é este trabalhador das idéias e sonhos, também cumpre horários, agenda, por vezes trabalha em outras profissões, por vezes só escreve quando se aposenta. Ou, é claro, o escritor profissional, tanto pela arte quanto pelo dinheiro. De fato, pouco importa. Ser escritor sem ser reconhecido, nem pelos seus. Ser escritor sem ser publicado. Morrer, quem sabe, antes de alguém ler suas historietas. Escrever porque é o quinhão que Deus lhe deu – ou assim você pensa. A escrita é ingrata, dirão (eu sei). Não é não. Você não precisa de ninguém, só dela – e nos bastamos a ambos. Reconhecimento é outra coisa. Você pode ser reconhecido por tanta coisa, não é mesmo? Por ser o maior esquartejador da história de um país, por exemplo. Ou por ter levado um império à ruína. Ou por ter inventado o avião – ou qualquer coisa dessas que revolucionou as eras. Pouco importa. Para um escritor é preciso reconhecer-se nas linhas, no ritmo, nas rimas, no desespero de um personagem. Não falo de auto-escrita, longe de mim! Esse negócio do escritor que escreve sobre escrever é contemporâneo demais para mim. Pense na morte e na escrita. Você vai, seus textos ficam. Aquele mundo imaginado preso eternamente nas folhas do mundo. Deixa de ser você, certamente. Não apaziguará nenhuma eternidade, certamente.
Viveu, escreveu, foi feliz: parafraseando Merimèe. Ninguém entenderá. Talvez tenha querido mudar o mundo com suas palavras. Mais contente se fez o vento. Quiçá tenha encontrado admiradores. Outra coisa que de nada serve na vida: não se fica rico nem mais inteligente com isso. Saberá lidar com o desprezo alheio, mesmo dos mais próximos. Saberá lidar com o ego que almeja prêmios, publicações, fãs. Saberá. Senão, não o será. Para poucos escrever é dar a entrever um pedacinho de sua alma (para bem poucos). Outros têm grandes e importantes coisas a dizer. E que importância damos à alma alheia? Nenhuma. A vida passa, as letras ficam. Os livros acumulam-se nas estantes, os textos perdem-se na web algorítmica, as revistas viram lixo, os cadernos se perdem. O tempo passa e tudo o mais se produz novamente. As modas suplantam os gênios do passado.
O escritor era mais um alguém neste mundo. A morte não o cala, mas ele talvez quisesse dizer mais alguma coisa. Quem dera a vida se fizesse somente em palavras. Às vezes não há inspiração, às vezes não há nada, nem drama nem poesia nem personagens. E as palavras fluem porque escrever se traduz em ato e em ganas de viver. Viver, assim, por angústias que preenchem linhas vazias (que nem existem mais). De nada adianta. Se fosse sucesso, fama, dinheiro, teria. Mas quer aquilo que, enfim, ninguém entenderá.
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