Os dias assim na cidade me carregam para um túnel de introspecção. Tudo o que já foi entretém meus pensamentos, silencio as palavras para me assoberbar de passado. Onde você estará? Talvez tenha sido alguma música na rádio, ou o sonho pela manhã, o que me trouxe você às lembranças. Você, ou os outros. Tanto faz. É o momento de não lamentar nada, nem ninguém. De sorrir das coisas boas – elas existiram, não sei negar. Também é malícia. Passo as curvas e a chuva fina a lembrar das declarações e elogios. Tenho especial apreço por ambos. Guardo-os a sete chaves (guardo-os todos, nem você nem ninguém sabe). Quem me elogia por vezes nem lembra – mas eu sempre saberei. As declarações… as pessoas deveriam se empenhar mais em declarar-se. Dizer o que ama no outro, o que ele significa para você… Tuas declarações foram inesquecíveis.
A chuva polvilha o vidro do carro e desenha poesia com as cores dos faróis. É isso que me convence a viver, hoje. Quem sabe tenha sentido falta da chuva. No sonho o passado estava vívido no que vivemos e, muito mais, em tudo o que nem chegamos perto de viver – nem poderíamos. A vida juntos não era para nós. Essa vidas que se encontram nos piores momentos e se afastam porque, simplesmente, não era para ser. Assim é. Nos sonhos somos quem não podemos ser. Atamos os laços que a vida desfez o nó. Em dias assim a vida faz todo sentido, porque ela permanece enquanto tudo muda. Não está ao nosso alcance prendê-la. E é bonito olhar para trás, hoje.
O frio sorrateiro foi o golpe certeiro para reavivar o corpo e a memória. Sou a mesma de sempre, não tenho como negar. São as músicas companheiras, a solidão amiga, os sinais conselheiros, a natureza amante, o distanciamento inerente… sou eu. É preciso voltar ao prumo. É preciso ser quem se é. Meu desespero foi tentar ser aquilo que não posso ser. É bom deixar o mundo do lado de fora, ouvir uma canção de dor de cotovelo aos risos e lembrar das tuas palavras sedutoras. Por um instante retomo meu tempo e dou menos valor ao bizarro da repetição do cotidiano. E não esqueço tuas declarações. A chuva persiste a embalar nossos desejos e quem sabe os sonhos que a noite trará…
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