Devolve minh’alma. Devolve que peno dias sem tê-la, sem meu corpo ter rumo. De matéria se desfaz e ignora a desfaçatez de toda esta grande merda que nos circunda. Devolve que quase já não respiro. Busco luz, busco calor – é inverno, bem sabes. Devolve esta que até me tira o sorriso do rosto, por bons motivos quando nos entretemos só eu e ela. Que este sorriso simpático exibo de pura falsidade – é, é mesmo, creia-me. Falta-me a alma a florir este corpo e a brilhar estes olhos – porque vêem o sorriso no rosto e mal percebem o opaco dos olhos, seus frouxos. Alma é para poucos. Tirou férias de mim, deixo-me às lamúrias de em nada ver alegria, de folhear páginas a bocejar, de morrer de tédio ao fio dos dias que passam sem memória. Quero-te, volta pra mim? Faça-me tripudiar das ladainhas estridentes destas gazelas ao meu redor. Faça-me encontrar-te ao lado da cama, todas as noites, para nossa charla sincera. Faça-me de novo ouvir música como o universo a clamar meus sonhos. Cadê tu, alma querida? Esqueceu-se de mim; sofreste, eu sei. Não queres mais a pentelhação de tantos nós nas cordas que me amarram – não queres mais sentir-te amarrada. Nem eu. O que faremos, então? Faço-te promessas. Quaisquer e todas. Não foste por vontade própria, bem sei. Teu algoz é a dor. Devolve minh’alma, sem ela sofro em dobro. Sem ela o chão fica e a queda é dura demais. Sem ela só resta o chão, em verdade. Sem ela este inverno nunca terá fim – e já há flores nas pitangueiras e nas cerejeiras; apressa-te. Vem, alma, foge e vem ao meu encontro. Faço-te promessas sem intenção de cumprir (vês como te amo de verdade?). Prometerei o mundo, porque sem ti as manhãs demoram a chegar e os dias demoram a acabar. Devolve minh’alma, dor. Que estar sozinha é minha melhor companhia. Que com ela sinto-me segura e capaz e até as coisas banais tiro de letra – ela é meu apoio e minha guia. Devolve minh’alma que sem ela desatino, atiro e mato. Dela dependo para ter paciência e elevar-me desta mediocridade, desviando dos ignorantes e infelizes. Dela tiro forças para chegar feliz a cada degrau, sabendo aonde chegarei. Devolve minh’alma, sua filhadaputa. Devolve que nem contigo mais tenho limites. Fico boca suja e desdenho de medo e autoridades. Danem-se. Quero minh’alma a dar-me colo, quando preciso. Vê-se bem que minha cabeça dela também precisa. Nem às idéias mais presto atenção, deixo-as no ir e vir do desalento – só em minh’alma há paixão. Vê só, sumiu-me até a paixão. Aí não tem mais jeito. Devolve minh’alma senão farei revolução – mas como se só com ela ponho o mundo de cabeça para baixo? Amuada, sem alma, quero mais que o mundo se exploda. Alma, volta. Prometerei tudo, mas duvido que sequer consiga te levar a ver o nosso mar. Mas, volta. Peço-te, assim desesperançada e emputecida. É que sem ti, só sei pedir. Volta pra nossa vida que está aí parece música de descornado que toca na rádio. Volta, não sei até quando este sorriso eu saberei fingir.
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