Atravesso rios. Pulo, feliz, de pedra em pedra e a água corre límpida. Não sabemos aonde vamos. Aceitei o convite sem nada na cabeça – esta mesma que deitou no teu ombro. Atravesso rios que em tempos ruins secaram e a visão do leito me angustiava. Sim, sinto; sinto angústia. Atravessar rios, contigo, é livrar a alma deste desvario que é a vida. A alma, afinal, sai do corpo e pode cruzar rios tranquilos no teu abraço. Nos outros dias ela geme baixinho a inclemência de uma vida que ela nunca quis assim. Tantos ruídos nos separam, além do leito seco. Atravesso rios, já os vi mais caudalosos, mais violentos, mais sedutores. Rios vi que me fazem sorrir sempre que lembro deles. Atravessar rios minha alma necessita. Surpresa foi tê-lo comigo. Pois sei, atravesso-os sozinha – como de costume. Sorri ao tão bem cair no teu aconchego e partirmos. Surpresa me vi atravessando mais um rio – tão bonito e infinito. Atravesso rios em noites de chuva neste impasse entre estações. Atravesso rios quando travam batalhas, dentro de mim, idéias e mundos reais. Lembra-te da leveza dos nossos pés a saltar as pedras, a molhar os pés, a sentirmo-nos seguros – quem diria! – como nunca me senti. E o leito secou e a realidade virou pó e os gritos lancinantes das vozes incabíveis e o desgosto chegou. A angústia, por si, voltou. E as horas giram o relógio, as horas repelem os sonhos, as horas não sabem quem eu sou. As horas viram dias que viram noites – e quem sabe atravessemos mais rios – que viram semanas que viram finais de semana que viram meses e meu tempo não chega. Conto cada milímetro de passos que não dou. Conto cada centímetro da cela onde estou. Conto cada centavo da hora que me pagam. A angústia conta as histórias dos rios que atravessei, cada noite antes de dormirmos. Enfim, não iremos a lugar algum. E o corpo deixa de existir naquelas horas que teu braço me envolve e atravessamos rios. Eis meu sorriso mais sincero.
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