Hoje não acordei bem. Com um dia cheio e tantas coisas para fazer e resolver, tudo em casa e online. Mas, eu não estava bem, o corpo cansado, a dor de cabeça e a frustração. Na agenda vi horas depois que era o 344º dia do isolamento rigoroso. Antes, deparei-me com o post de uma conhecida do Facebook que narrava também ter acordado mal, atingida pelo isolamento. Em pouco tempo vi outros comentários, de nós, pouquíssimos, que temos seguido isolamentos radicais e como nos sentimos derrotados. Não há vacinas, os outros não se importam com a vida, os governantes preferem a morte, o peso acachapante de um ano de pandemia, como as notícias nos têm derrotado dia a dia, a sensação de impotência diante desta realidade – e muito mais.
Nunca proteger a quem amamos fez tanto sentido, nunca tudo aquilo que é, de fato, supérfluo se fez tão ausente. Por um tempo, ao longo deste quase um ano, eu me debatia (em silêncio) sem entender a estupidez e a ignorância humanas. Pensava que talvez o vírus, tão invisível, não gerasse a resposta de precaução necessária nas pessoas. Procurava mil e centenas de respostas para este show de horrores que temos presenciado há meses, praias cheias, pessoas indo ao shopping, restaurantes, bares e baladas clandestinas, os xingamentos aos professores “que não querem trabalhar”, a disseminação de mentiras (que matam). Fui silenciando aos poucos, até que calei-me. Entendi, finalmente, que não há razão, razoabilidade nem lógica que ultrapasse o limiar da cegueira coletiva.
Relacionamentos terminaram no isolamento, não porque a pandemia causou o fim, mas porque ele já estava determinado – principalmente não falta de respeito pelo outro. Enquanto uns punham fim aos seus amores, porque preferem preservar a vida, outros tantos relacionamentos começavam, em pleno auge de um vírus altamente contagioso! – bem, esses não dão tanto valor à vida. Os mortos não são crianças nem jovens, e sucessivamente têm sido desprezados em números e números nos jornais diários. Enquanto morrerem velhos, está tudo bem. E milhares de idosos convivem com este desdém coletivo social, cientes de que a vida deles não vale nada para o resto – e que nem vacinas estão garantidas para salvar suas vidas.
Havia o medo de uma segunda onda, quem sabe uma terceira. E depois de uma semana (justo a semana antes do Carnaval) em azul – baixa do número de contágios – Santa Catarina cai no precipício, com o sistema de saúde colapsado. Mas o comércio peita decretos, as baladas continuam acontecendo e você foi até tomar um café na confeitaria. Entre ondas, naufragamos todos.
Abri o portão para receber uma encomenda e novamente uma entregadora estava sem máscara. Ao ser questionada ainda quis discutir, “não vou entrar na tua casa”. Ronda meus pensamentos que não são somente os governantes os culpados pelo nosso fim, mas toda essa população que corrobora os discursos abusivos e criminosos dos governantes. Sair algemado do Planalto é pouco para aquele lá, mas e para todos e todas que estão ao meu redor? E para cada um que publica suas fotos e stories ignorando que vivemos a pior pandemia do último século? Bem, só posso falar desse mundo virtual no qual convivo com vocês porque não tenho – felizmente – convivido com vocês presencialmente. Pelas telas eu não corro risco de me contaminar, mas o nojo e o desprezo pela irresponsabilidade de vocês cresceu tanto que nem vejo-os mais. Eu cancelei vocês da minha vida.
O corpo não respondeu bem ao dia, a cabeça voltou a doer depois que passou o efeito do remédio, a chuva não acalmou os ânimos e sinto há meses essa vontade louca de andar. Só isso mesmo, sair andando – é o que tenho sentido falta no cotidiano. Poderia fazer a lista do que me falta nesse isolamento, é curta e pungente. Porém, ao final do dia, respiro, faço o balanço do que resolvi e do que ficará para amanhã, pressinto que a noite me fará bem (longe da realidade) e sei que amanhã será igual.
Se penso em quebrar um pouco a rotina de 345 dias no isolamento radical? Se penso que estou “adoecendo” física e psicologicamente? Não. Força de vontade e consciência não me faltam – e não me faltarão até o fim desta longa pandemia. Esta que será ainda mais longa por culpa de todos aqueles que decidiram ser estúpidos e ignorantes – sabendo que a conta de milhares de vidas está nas suas costas. Eu, como sempre disse minha mãe, posso encostar a cabeça no travesseiro e dormir tranquila. Aos pouquíssimos que estamos seguindo o isolamento, ter a razão não nos conforta, porém, nos une. Saibam disso.
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