O mundo precisa de amor

O segredo sempre foi fazer tudo com amor. Quem me vê andar pela rua com um sorriso no rosto, saiba que ele vem de dentro. Aos que me retribuem com um cumprimento ou com outro sorriso, que bom que sabemos que o mundo precisa de mais sorrisos e amor.

Com amor eu respondo aos que me traem, àqueles que se lambuzam na maldade e no veneno, a quem manipula e usa as pessoas e a mim. Não serão vocês, com seus ressentimentos e tantos corações mal resolvidos, que vão tirar isso de mim. O mundo precisa de amor. O resto eu deixo pra vocês.

Apesar de eu sempre falar que o segredo é o amor, fica a questão: então não é mais segredo. É segredo, sim. Porque eu conto que esse é o segredo, mas não conto como se faz.

A importância de fazer tudo com amor é saber respeitar as pessoas, saber que nós nem desconfiamos quais são as cruzes que os demais carregam – porque cada um de nós tem suas cicatrizes, suas dores, suas experiências, seus medos, suas inseguranças. Fazer com amor é fazer com responsabilidade. Enquanto pessoas que vivem em sociedade, nós somos responsáveis com as emoções e os sentimentos dos outros a partir das nossas ações. Esse mundo ególatra em cada um confinado no seu umbigo (e nos seus celulares) parece ter feito as pessoas esquecerem disso e, obviamente, perderem a noção de como lidar com seres humanos de verdade.

O mundo, o patriarcado, o machismo e misoginia estruturais não exigem que vocês, homens, sejam pelotudos e prezem pelo distanciamento e pela covardia. Para muitos, a frustração e o ressentimento incitam esse desprezo pelo cuidado com as pessoas e o que elas sentem. 

Por isso, é um segredo como viver o amor em tudo que se faz – apesar de tudo isso. Podem copiar as atitudes, podem copiar as ideias, podem fingir, podem se afastar: jamais saberão como fazer tudo com amor.

Tenho pensado muito nisso: o amor assusta. Quem vive o amor dá medo em quem não sabe o que é ser amado. Lamentavelmente, gerações e gerações têm crescido sem amor. A pessoa entra em choque ao ver que não faz quase nada com amor na própria vida. Bate o desespero.

Pensei em como, ao longo da História, vimos o poder e a força do amor, nas grandes histórias, nos monumentos construídos por pessoas apaixonadas. Hoje, no máximo, acham que amar é publicar foto junto no perfil da rede social. Em dois segundos é possível apagar a foto, não canso de lembrá-los.

Sempre acho curioso ao ouvir, dos homens, que “não tenho nada a oferecer” quando se interessam por mim. Eu não sou um produto que precisa ter “algo em troca” (escambo) nem vivemos nos séculos passados quando precisavam pagar um dote. Os homens, imersos nas suas inseguranças, acham que precisam “comprar” o que uma mulher sente por eles, ou o tempo que ela lhes dedica, ou mesmo a minha atenção ou interesse. Eu sei que relacionamentos (e muitas mulheres) vivem objetivamente e focam em questões práticas da vida (não é o meu caso). O amor está nos detalhes, está em entregas sinceras, está na vida livre. Quem não é livre, não ama.

Assim que temos hordas de homens com tanta facilidade em passar o endereço de casa, mas que não conseguem falar sobre o que sentem. Ainda mais nos dias de hoje, que precisamos estar alertas sobre golpes e tudo mais, dar o próprio endereço é algo arriscado. Também não se aconselha fazer isso por inúmeros motivos. Quem é livre e sincera não quer o seu endereço nem saber o seu salário ou o que você tem a oferecer. Quem é livre e sincera se aproxima, ouve, se importa. E isso assusta. 

Foi fácil aprender que quem guarda o segredo de fazer tudo com amor está exposta a muitos ataques. Porque isso não dá pra copiar. Porque isso não dá pra fingir. Levou um tempo para aprender que pessoas que fazem tudo com amor têm o super poder: suas vulnerabilidades.

Nos atacam e tentam machucar justo naquilo que temos de melhor: a sinceridade do que vivemos. Jamais me juntarei ao ressentidos e frustrados a fingir na vida. Minha vulnerabilidade é meu super poder e quem abusa disso é que terá que acertar as contas com a própria consciência. Eu continuo livre para amar – para me doar, me entregar, para viver.

Dezembro

Era domingo e era dezembro. A vida soprou da janela com calma e os pássaros cantaram novos dias. Ainda bem que o tempo havia chegado, sem mais peso nem lamento. Juntamos tudo numa fogueira no jardim: queimamos o passado e o mal, as cinzas adubaram as roseiras. Este ano o jacatirão já floriu. Sorrio para as flores que eu cultivo contra cada braços cruzados e cara feia de quem furou o barco esperando que eu naufragasse. São anos de experiência no timoneiro.

As peças se encaixam no quebra-cabeça como água que rola pelo rio. Há um dom em alguns seres humanos de destruir o que é bom. Mantenho distância das fraquezas daqueles que não sabem ser quem são. Era dezembro, mais um belo ano chegava ao fim: eu nem no meio do caminho ainda estou. Cada dia, alguns leões, cada ano mais força de nem sei onde. Ou, sei muito bem.

Lágrimas vieram, de alegria. Eu sorria naquela sexta, noite adentrando as frestas da porta, esta porta e estas paredes tão velhas companheiras de grandes sonhos e muita luta – amor, sempre amor transbordando – eu sorria com lágrimas doces brilhando na escuridão. É preciso saber brilhar na escuridão. Quando apagarem a última vela, quando cortarem todos os fios, quando destruírem os postes, aí mais que nunca é preciso saber brilhar – algo assim que vem de dentro, do mais duro e profundo que posso ter. 

Era a última sexta e era dezembro. Anunciam as boas novas, previsões não cansam de chegar, exibem-se a escancarar seus vazios e desesperos. Eu silencio. Ouço a luz que brilha em graças na janela. As nuvens são bom agouro. Aprecio o silêncio desde o início da manhã até alta madrugada. O ritmo pontuado pelo bem-te-vi a bater galhos na calha, em cadência com o sabiá a preparar a minhoca pro desjejum. Sempre foi fé. Quando nem mesmo eu sabia o que estava por vir, era fé. Quando souberem, já será tarde. Meu coração não olha pra trás.

No silêncio e na paz, você me visita em sonhos. Quem sabe mês que vem não apareça mais. Plantei jasmins no jardim e enterrei junto nossos sorrisos para que eles floresçam mais viçosos na próxima Primavera. Sim, vivo em saudades da Primavera – até lá já terei muitas mais histórias para contar e amores em poesia para cantar. Amores de Verão não sobem a Serra, os da Primavera não duram uma florada – qual o destino dos amores de Outono? 

Sinto falta da poesia. Fiz promessas – sou dessas. Minha única promessa de Ano Novo. Não prometo nada aos outros, só a mim. Sou dessas. A poesia vai invadir os dias, as horas, as noites, as páginas. Sê fiel a si mesma. É preciso e preciso.

Amor não se conjuga. Amor é prática e precisa ser alimentado dia a dia. Quando eu me levantar amanhã, vou calçar os passos do Destino. A confiança passa pela sola dos pés descalços. É preciso despir-se de tudo, desnudar-se por completo o corpo e a alma. Não importa qual vestido ou sandália, é preciso descer do salto. Eu sempre soube, dezembro é tempo de eterno retorno. 

Dezembro. Domingo. Sexta. Últimos… próximos passos a abrir portas e janelas ao Destino. Enxugo as lágrimas enquanto sorrio. O segredo é o amor que sempre esteve em todos os sorrisos.

Texto sem título

Foram-se os dias, foram-se as noites. Enganei-me horas a fio, sem hesitar percorri estradas e praias fingindo acreditar que existia sem atentar para o que me perturbava por dentro. Meus olhos nunca me traíram. Talvez o gesto, o breve gesto da impaciência – o chegar e já partir, o não quedar-se mais que o tempo estritamente necessário, o sorrir sempre. Nem a inconstância já contumaz era possível, nada justificaria esse não deter-se em lugar algum, em olhar nenhum, os abraços frios.

Isolei-me, eu só tinha a certeza de não querer companhia alguma – além da minha, que me sufocava nos momentos ruins, que me acalma nos momentos distraídos. Mas, eu só queria a mim. Como é doloroso se fazer presente quando a única sanidade possível é estar sozinha. As pessoas falam e eu não ouço, me contam histórias, fofocas, causos e minha cabeça está em outro lugar. Eu finjo o tempo todo. 

Meus ouvidos, em períodos afogados em água, sem foco, a fixarem-se no último volume do rádio do carro. Nada mais eles ouviam. 

Tanta gente, por tanto tempo, tão perto. É demais.

Porque a vida é viver coletivamente, mas as pessoas só pensam em si mesmas e no que importa para elas. Ainda acham ruim quando você as confronta com a realidade. A vida não merece ser desgastada com gente egoísta.  A vida é curta para esperar virginianos dizerem o que precisa ser dito. Passa uma lombada, um controlador de velocidade, mais um domingo de trabalho. Logo, já será outubro. Eles não conseguem acreditar no que sentem. 

Parado não se chega a nenhum lugar.

Não todo dia, mas um dia romper o silêncio e a solidão. Buscar companhia, arrastar o coração ferido na areia, encharcá-lo de vinho, afogar as lembranças no mar – é uma nova história, daqui uns meses será mais um marco, uma conquista, uma superação.

Novos finais para bons começos. Sou péssima em esperar. Eu gosto de ação, de movimento, de vida correndo nas veias e na cabeça. Quem sabe um novo projeto, um novo roteiro, um outro bar, uma ideia que me cutuca o sono da madrugada.

Amanhã, de novo a estrada.

Boa a companhia de quem se ama, de quem analisa, de quem nunca se deu de verdade – sou demais minha. Os nomes, os rostos, as pessoas. Limpar a vista, acalmar a paisagem, mirar o mar, a praia em lua cheia. Pode ser fugir, será sempre encontrar-se.

A sós comigo mesma assumo até que tenho pensado cada vez menos nele. Amor, como eu sempre disse, precisa ser alimentado todo dia. A distância faz morrer o prazer. Assumo, porém, há anos não conhecia alguém tão interessante – alguém com quem conversar valia a pena. Ando sem vontade de conversas. Vou, aos poucos, apagando-o da memória. Se os olhos não vêem, a lembrança se esgota.

O amor, porém, também sufoca, morre de tédio e de claustrofobia.

Qual será a medida certa do amor? Vou descobrir, qualquer dia eu conto. Tenho praticado experiências sócio românticas nas horas de distração. Me distraio, quase nem a cabeça nem o coração se ocupam dele. 

Queria que esse final fosse mais triste do que tem sido. Preferi ficar sozinha a lutar. Foram os dias, foram as noites sem saber se ele lutaria ao meu lado. Não compro mais qualquer guerra sem alguém ao lado.

Volto ao caminho. Escrevo versos e o muso inspirador se desvanece no tempo de quem perdeu a oportunidade e uma baita mulher. Quem sabe qual será o próximo? Meus olhos nunca me traem.

Rasgar o coração aos poucos

Como é delicado e doloroso e precisa ser aos poucos rasgar o coração e expô-lo ao outro. Como é tradição sempre fechar-se, viver em pedra e cascas grossas, camadas e camadas de cascas onde ninguém pode adentrar porque é um santuário protetor da nossa paz e segurança (de ser quem somos). Tão diferente é demonstrar vontades, não é? Vontades qualquer um pode vê-las, tê-las, satisfazê-las. Para despertar vontades não precisa nada além de qualquer coisa, não demanda nem laços, nem sedução, nem inteligência.

É delicado e doloroso e eu nunca aprendi a fazer. Estou tentando, pela primeira vez. Nem acreditava em mim, nunca teve quem me despertasse para desvelar o que se passa debaixo de tudo – das aparências, do exterior, do que vêem. É aos poucos, em semanas, meses… entre parênteses que dizem tanto e não revelam nada. Delicado como uma estrela-cadente, doloroso como os dias sem notícias. Doloroso como expor-se a quem não se expõe. Incerto ao calcular tanto o próximo passo e, ao dá-lo, sentir-se cair no precipício de ter afugentado aquele a quem quero cada dia mais perto. Delicado como senti-lo tão junto, a ponto de sentir-lhe as lágrimas à noite, e viver a uma centena de quilômetro de distância… 

Escrever, caro poeta, se aprende com as porradas e gozos da vida. E, graças a tudo isso, que manejo as palavras com cuidado… revelo o que penso, subtraio cada palavra que trai meus sonhos. Deixo as vírgulas e os pontos de interrogação como cortes de leve sobre o coração: os olhos vão lê-los com a devida atenção? É ali, bem ali, que rasgo a ti meu coração. Ensaiamos uma dança pródiga em subterfúgios, eu gosto. Confesso, gosto. Não alcançamos, juntos, um ponto final. Por quê? Eu tentei. Sou de pedra, gosto dos pontos finais. Quando menos esperei, a casca da cicatriz já secando, a memória guardada: você escreveu mais um capítulo. Como é doloroso reabrir a cicatriz e ver tatuado ‘esperança’, como é delicado decidir reviver aquilo que pode ainda rasgar mais e ser caso para uma sutura dolorosa no futuro. Não sei se quero. Tudo começou com uma simples e animal vontade… 

Como é delicado ler cada linha, suspeitar entrelinhas, manter-me sóbria, admirar a profundidade e a sinceridade que se abre de tão pouco em pouco… corrói minha curiosidade, atinge minha loucura. 

Nunca quis seguir somente a vontade, pela primeira vez (também). Quem diria… foi essa delicadeza de decisões sérias que me trouxe até aqui. Por que já não é passado? Talvez saibamos dançar. Quando deixei a pista, dei as costas, fui embora – é o que eu sei fazer. A música voltou a tocar e eu não ouvi, lá estava, um convite? Uma mão estendida? Um olhar? Perdi o sono, aquela noite. Como é delicado rever decisões. 

Como é delicado e doloroso rasgar-se, aos poucos.

Em busca dos versos perdidos

Eis que no bloco de anotações consta: poesia. Relevante: entre tudo, eu penso e agendo que preciso escrever poesias. Hoje, porém, não é o caso. Sinto versos e caminho em prosas. Piso na areia e arrasto a alma pelo asfalto. Vejo a vida a rir de mim e retruco num impulso: há método na loucura. Estou hoje aqui e amanhã estarei longe – vá me encontrar pra correr beiras-mar e beiras-rio num suspiro de manter-me viva. VIVA. Cadê a poesia pelas esquinas? Cadê a graça em cada linha? 

Cadê as garças sobre os troncos de árvores, a lagoa poluída da minha infância, as tartarugas a jantar antes do sol de pôr? Estão aqui nesses olhos que não saem do mar. Meus olhos de mar a prometerem nada além do que o horizonte e o futuro, dias de ressaca e de vez em quando alguma calmaria – a ser implodida em dias de tempestade severa e raios e trovoadas. Não sei ser pouco, não sei ser contida, não sei não ser eu. Eu assumo o que sinto – dor maior no mundo não há. Quem não assume o que sente, vive escondido, se consome e definha. Vê?: é a felicidade logo ali ao alcance (só precisa assumir o que sente). Estrada pouco trilhada, essa. Somos poucos, caminhamos devagar e, roucos, não nos fazemos ouvir. Bebemos, é certo, para manter o equilíbrio – Aristóteles, você não me sai do pensamento. Eis a felicidade lá, tão certo, no meio-termo. Talvez, quem sabe, a balança esteja desregulada. Há método na loucura. Percorri despedidas antecipadas e quero viver como rainha – mentira, sou só eu quando descalça e de maiô, nem lenço nem documento só a alma a abençoar. Hoje acendi uma vela e foi por mim. Estou viva, parece. Não se acendem velas somente para os mortos. Acendi vela e fiz minhas preces, não sou o Papa para pedir que rezem por mim – afinal, até isso sou eu mesma que faço por mim. Coleciono versos impublicáveis e declarações em atos. O mundo dá voltas, quem perder essa não entra na próxima e estará condenado a viver a mesma volta para todo o sempre. Sei lá, não faz meu gosto. Os dias a conta-gotas em trânsito parado e a rotina a pauladas. Mircea, me ajude. Martelar as obrigações num coração felino é abrir as portas do inferno. Como jogar a chave da razão fora e abraçar Cérbero e lançar mão do método da loucura e dizer: sou maior e mais forte que isso. Bate, que eu não apanho. Eu revido.Se tenho tudo, busco lábios em paixões à queima-roupa em novos corredores. Não sei ser pouco – nem oco. Azar no jogo… sorte e juízo, enfim, fizeram as pazes. Percorro lembranças em praias, canções, fotografias, sentimentos adormecidos e tenho feito as pazes. Paz no presente encharcada de eu em paz com o passado. Previsões me dizem que sairei machucada – um arranhão é sempre um arranhão. Revi meus erros, a dor é menor para um coração que não se anula. Fiz juras que dessa vez seria diferente – gargalhadas se ouvem lá dos céus que a tudo testemunha. O medo abriu a porta e instalou-se confortavelmente na poltrona principal, não queria sair e esfarelou minhas bases mais experientes. Foi a lua cheia, quem sabe, a esperança, talvez, o coração sonhador, peut être, e o medo fugiu no rastro de um choro doloroso e pungente – como nunca antes. E falta poesia. A poesia espanta o medo e seca as lágrimas. Sem versos tomba sobre os olhos a lista dos afazeres atrasados e as cobranças na caixa de entrada. Viveria no mundo das ideias sem muitos problemas, adiando o fim do filme sobre o fim do mundo. Acreditar em amor, numa hora dessas?! Não fode, Coutinho. E tudo recomeçou com os versos de uma canção no rádio, numa tarde perdida numa semana sem fim. Tão doce reencontrar a poesia em meio ao afogamento da cidade insensível. Vais entender: há método na loucura.

Não sei preparar café

Eu não sei preparar café. Sem dúvida que fica mais bonito em espanhol (tudo fica mais bonito em espanhol) e numa canção da Shakira. Não saber preparar café tem selado meus dias. Não nasci para beber café ruim. Aliás, faz dois anos que comecei a apreciar o café e a relação nasceu forte com um café irlandês numa cidade linda da América do Sul. No cotidiano, já comprei cafés estrelados e erro a quantidade absolutamente todas as vezes. Relações são assim, quando temos que falar de dois é melhor começar por si mesma. 

Faz tempo que entendo de futebol, é uma herança. Há alguns dias voltei ao velho hábito de usar relógio – as horas me interessam, o tempo é meu mais velho e fiel amigo, cada minuto num relógio bonito faz com que pensar em você seja algo menos obsessivo. Comigo nada é fácil. O tempo passa, já passou demais, às vezes penso: vai passar indiferente aos desejos.

Como deve ser bom saber preparar café. Hoje ainda lembrei da Dona Florinda (ela que sabia das coisas), eu nem sei convidar pra um café – logo eu que já amaldiçoei os convites para tomar café. Bem, tenho uns filmes bons pra assistir. É só o que tenho pra oferecer, mas garanto que tomo banhos aos domingos. Jamais deixaria de tomar banho criando versos apaixonados depois de uma longa caminhada para colocar os pensamentos e angústias em ordem.

Pelo menos agora, com o aquecimento global, deixamos de chorar uma vez ao mês. O frio acabou – não confunda, o frio acabou, a frieza das pessoas segue firme. Tenho dormido às dez uns dois dias por semana e nos outros tenho trabalhado em três turnos até às 23h. Os deuses do sono me acordam pontualmente às seis da manhã para uma oração – sempre fui fiel. Comigo nada é fácil. Trabalhar me afasta das insatisfações e as insatisfações no trabalho me fazem produzir mais. É um jogo nada fácil.

Claro, ainda respiro. Todo dia, por cerca de uma hora, tenho focado apenas no fato de que eu ainda respiro e não posso deixar de fazê-lo nem por um segundo. Tenho me empenhado em dominar o dom de prender o ar – tudo muito incerto por enquanto. Queria, quem sabe, perder o ar. Pela primeira vez na vida fiquei nervosa, foi inevitável. Vou ver o que fazer comigo, afinal por aqui nada é fácil.

Enfim, é só questão de confessar. Não sei preparar café. Ninguém pensa em você como eu. Tristeza maior é tudo isso ficar tão ruim em português. Não sou Shakira, mas, se der bobeira, saco uns versos brotados de desilusões de amor. Deus abençoe as desilusões de amor. 

Cartas na manga

Cada escolha revela um pensamento, por vezes uma intenção. O vestido é sempre escolhido baseado em detalhes e critérios que conjugam os compromissos, a viabilidade de sucesso do dia, o destino que assombra, as possibilidades de felicidade (mesmo que egoístas), as lutas e batalhas a serem encampadas, os inimigos à espreita e até mesmo o desejo – seja ele de quantas tonalidades for.

Escolher o vestido é desafiar-se a traduzir numa linguagem que pode passar despercebida toda uma personalidade e uma vida, é ter apenas alguns tantos de algum pano a enviar mensagens e declarar guerra – ou paz. Por vezes, o mesmo vestido pode dizer algo diferente, conforme os acessórios, o dia, a lua, a estação e até mesmo, jamais ele não dirá nada.

É como encampar um diálogo com o mundo, sem palavras ditas, contudo que calam mais do que gritos. Gritos. De onde quer que venham os gritos. Há uma eu que quase ninguém conhece e que graça teria a vida se fosse tão fácil assim conhecê-la. E desse quase ninguém há poucos sobreviventes. Para lograr conhecer alguém há que se ouvir os diálogos sem palavras, há que se aproximar de quem ela é quando não há ninguém a testemunhar seus atos e pensamentos. Deus foi tão grande quando não permitiu aos humanos que lêssemos os pensamentos uns dos outros! 

Até mesmo quando a escolha não é um vestido ela emite sinais sensíveis ao tato e ao olhar mais apurado. Porém, não é possível tocá-la. As traduções simultâneas são da pior qualidade, sempre com impressões deturpadas pelos olhos que a vêem. Consolida-se o fracasso do diálogo humano tão ressecado ao hábito do bê a bá.

Como o Destino não se pronuncia quando dará o ar da graça, só me cabe tecer inúmeras estratégias em cada passo, em cada olhar, em todas as escolhas e, por vezes, ter vestidos como uma boa jogadora têm cartas na manga.

Sempre uma de nós

A Fernanda chegou no início da madrugada em casa, numa kitnet onde morava sozinha. Futura Engenheira, jovem, tinha ido a um evento naquela noite. Em pouco tempo, seus gritos foram ouvidos. Um vizinho entrou, violentou-a, roubou sua TV.

Uma jovem caminhava pela Beira-rio, um homem agarrou-a, em plena luz do dia, e assediou-a (ou violentou-a, como deveria prever a lei, mas, são homens que fazem as leis).

Nunca vou esquecer daquela que foi encontrada enterrada numa praia da região, o marido era policial.

Todos os dias, sem falta. Uma de nós, sempre.

Tento não ficar obcecada ao acompanhar esses casos, porém não os evito. Não há como evitá-los – a não ser que você entre num perfil de rede social de alguma grande empresa de notícias de SC e viva aquela realidade onde não há sequer menção aos casos de violência contra a mulher.

Todo dia, muitas de nós, a cada minuto. A cada segundo.

Filmes sobre violência contra mulher, feitos por agressores de mulheres. Exibições de filmes sobre violência contra mulher, exibidos por agressores de mulheres. Agressores de mulheres em sala de aula, como professores. Agressores de mulheres nas câmaras de vereadores, como representantes do povo. Agressores de mulheres nas polícias, como defensores da lei. 

Agressores de mulheres, por onde quer que eu olhe e onde quer que eu vá.

Todos os dias, uma de nós.

Viver concentrada em não dar chance, em não dar bola, em não dar a entender o que nem foi sequer pensado. Viver sob a tensão de um botão do pânico. Não há agradecimento do tamanho da dor da Maria da Penha, ela, por nós – por quantas mais de nós?

Não acaba. Não deixa de existir por um único dia.

Ela estava na Avenida Atlântica, de Balneário Camboriú, uma das ruas mais conhecidas de Santa Catarina. Ele desferiu um tiro à queima roupa nela e depois tentou tirar a própria vida.

Minha vizinha, som de socos, gritos, liguei pra polícia. Eu devia ter ido ajudar?

Estatísticas, números, epidemia. Nove estupros por dia. Quase 90 mil casos de denúncias, 10 casos de violência doméstica por hora. Por. Hora.

Na praia, ela caminhava sozinha. Ele surgiu do nada, assediou-a, agrediu, violentou. A cidade que é uma ilha começa a preocupar-se com as inúmeras praias, lugar onde também não temos paz nem segurança.

Foi morta e teve seus órgãos arrancados, pois denunciou o marido. Agrediu a vizinha, porque discordou de qualquer coisa. Duas jovens na trilha do Morro do Morcego, paisagens lindas, ambas estupradas. 

Sempre uma de nós.

Aquela menina de doze anos na região sul da cidade.

Todas as horas, uma de nós.

Não parar de bater as pernas, para continuar viva. Todo dia.

Com quantos agressores, estupradores, assediadores, condenados ou não, topamos em um dia? Todos os dias?

Sempre uma de nós.

Ontem fui eu. Hoje eu escapei. Amanhã talvez seja eu novamente. Porque não foi nem nunca será minha culpa. A culpa não é de nenhuma de nós. Mas, sempre uma de nós.

O silêncio – Missão Fotográfica Joinville

Este ano eu me inscrevi, e fui artista selecionada, para a Missão Fotográfica Joinville. A Missão é uma residência fotográfica para desenvolver propostas fotográficas autorais sobre a cidade, pensando o tema das cartografias, orientados por Lucila Horn e Daniel Machado, numa iniciativa vinculada ao NEFA – Núcleo de Estudos em Fotografia e Arte. Entre março e agosto, fomos desafiados a fotografar Joinville, para apresentar uma narrativa autoral sobre a cidade, a ser publicada num livro de fotografia.

Quando vi a divulgação para os inscritos, pensei que era justamente o que eu precisava. Vivo imersa em reflexões (o que é muito bom e eu super recomendo) e uma delas é o motivo de eu ter tanta dificuldade em fotografar a cidade onde vivo, a qual eu conheço minha vida inteira. 

Fotografo por paixão desde criança, minha mãe sempre fotografou a família, viagens. Minha primeira câmera comprei aos nove anos e desde então tive breves períodos da vida afastada dos cliques. Contudo, Joinville nunca foi meu objeto principal de desejo fotográfico. Sempre levo a câmera e fotografo bastante as viagens, mesmo que sejam para as cidades que eu costumo frequentar, sempre fotografei muito Fpolis (e ainda fotografo).

Por vezes, levo a câmera ao sair por Joinville, desde que retornei à cidade. Em outras vezes, quando não estava morando aqui, uma vez ou outra saía e fotografava, mas é como se sempre faltasse algo. A Missão Fotográfica Joinville era exatamente o que eu precisava, obrigar-me a olhar para a cidade e fotografá-la.

Para a inscrição, que acabei fazendo no último dia já como forma de resistência à idéia de fotografar a cidade, era necessário enviar uma proposta e um portfólio. Na proposta, escrevi essa minha dificuldade e uma relação de “amor e ódio” (não são os termos corretos, mas é para que as pessoas entendam), o amor ao observar os contornos da cidade, o mar que a abraça e que ela ignora, os morros, o rio Cachoeira (que faz parte do meu jardim), as casas históricas.

O projeto da Missão é algo que sinto muita falta na cidade, projetos culturais interessantes, diversificados, diferentes – lembrando que feirinha fim de semana cansa. Como caminhar é a única forma de viver e sentir um lugar, assimilei a parte de caminhar e pedalar para olhar Joinville com outros olhos – que não aqueles sempre tão críticos sobre a mentalidade, os apadrinhamentos, as dores de cotovelo, e essa mesquinharia toda que vemos todos os dias. Então, propus fotografá-la nos seus limites, a partir da crítica e contradições. Argumentei que amar e odiar a cidade é uma contradição que muitos de nós vivemos (por favor, digam que sim, senão me sentirei muito solitária – mentira, não tem problema se só eu passo por isso).

Mal sabia eu que viveria um processo de aprofundamento incrível em olhar as contradições da cidade e que o desafio de traduzir isso em fotos transformaria algumas coisas em mim – como pessoa e como artista. Ao longo dos encontros, fui compreendendo melhor como pensar uma narrativa fotográfica (eu sou da narrativa escrita e audiovisual, na fotografia eu ainda não havia experimentado) e dialogando comigo mesma. Descartei parte das fotografias que me levaram à inscrição, desisti de fotografar certos locais da cidade (até porque um deles um colega de Missão fotografa com muito mais propriedade), entrei num período de bloqueio e os prazos para apresentar as fotografias estava chegando ao fim. 

Em meio a isso, que artista é artista 24 horas por dia, mas também gente, aconteceram outras coisas. Uma delas foi o ataque que o curta-metragem Gritos do Sul (2022), sofreu de políticos e pessoas muito mal intencionadas (da cidade, dos meios de comunicação e, vejam só, até da própria cultura!). Foram dias tensos, porque o fascista, quando se olha no espelho, não gosta do que vê – e o modus operandi deles é bem organizado e ataca com violência esperando que a gente esmoreça. Mas, querer usar o curta para atacar o prefeito, o secretário, tentar desvencilhar os laços que unem fascistas em maior ou menor grau, e querer atacar a Lei do SIMDEC e o direito à Cultura não deu certo. Não era um ataque ao Gritos do Sul (2022) nem a mim, e o tempo todo minha consciência esteve tranquila.

Ninguém disse que seria fácil ser mulher que produz e ensina arte em Joinville – bem pelo contrário. Minha vida nunca foi fácil, a vida de nenhuma mulher é fácil. (mesmo que a gente saiba que fazer certas escolhas, em Joinville, dificultam ainda mais a vida) Sem baixar a cabeça em nenhum momento, o olhar crítico para as enormes e aterradoras contradições dessa cidade foram aguçados. A gana de lutar e trabalhar só cresceu – e tem dado ótimos frutos. O que não mata, fortalece, né? 

Imersa em conflitos, saí para fotografar. Cometi o erro de tentar criar a narrativa antes, e depois buscar as fotografias que a comporiam. Foi um erro que me atrasou alguns dias. Mas, peguei a mochila e saí caminhando. Novamente, encontrei comigo mesma e com a cidade que eu enxergo e fomos felizes em muitas fotografias. Agora sim, eu tinha material para apresentar.

Acredito que a experiência foi profunda para todos os participantes da Missão que se deixaram transformar pelos encontros. Gosto muito da experiência do fazer, do processo criativo, como já disse aqui recentemente. Essa experiência, quando compartilhada pode ter várias consequências, nem sempre boas. Li um artigo esses tempos que me ajudou muito a não fazer comentários irresponsáveis sobre os processos dos demais colegas, mas gostei de muita coisa que vi, como cada um conduz o nosso olhar por Joinville.

No dia do encontro, reconstruí essa ideia da relação de “amor e ódio”, pois havia compreendido (como uma epifania mesmo) que meu “amor” é minha origem, as raízes que me prendem à cidade, e o “ódio” é tudo isso que está aí fazendo mal para a cidade – mas que fazemos de conta que não existe. E então eu descobri: o silêncio. O incômodo atroz que me dá o silêncio que paira nessa cidade, a melhor do país e onde mais morre gente de dengue! A cidade que tem canteiros floridos na frente da prefeitura e não tem álcool em gel em nenhum dispenser no PA Sul. Não se preocupem, não ficarei três dias aqui escrevendo sobre as contradições de Joinville e como é sufocante viver nesse silêncio.

O silêncio. Como é difícil e impossível escrever sobre ele. Como fotografar o silêncio? E os coordenadores ainda pediam um texto que fosse enviado junto às fotos escolhidas! Não consegui escrever sobre o silêncio e, por incrível que pareça, consegui fotografá-lo. Ao analisar e analisar as fotografias, fiz uma seleção e era aquilo ali, era o que eu queria dizer. A Lucila Horn disse que meu projeto é o mais conceitual e crítico, espero que com conceitual não seja algo inacessível às pessoas, mas sobre ser “crítico”, bem, sou eu, né, não tinha como ser diferente.

E esse texto de hoje era para falar sobre o silêncio que reina em Joinville. É um silêncio imposto de cima pra baixo, como disse um amigo esses dias – é como somos criados aqui. É o silêncio exigido para que você não seja banido dos círculos, para que você consiga sobreviver, porque se você começar a falar, a apontar as contradições, a questionar, você não vai mais conseguir viver em paz nesta cidade. Eu sei. Também sei que não sou a única que se incomoda com o silêncio – mas não vejo os outros reclamando dele. É tipo o silêncio sobre silêncio, sabe? Aqui e ali, ao pé do ouvido, às vezes os cochichos…

Esses dias conversei com uma produtora cultural de outra cidade e ela contou como a classe artística de lá era “barulhenta”, conseguia no grito as mudanças necessárias e tal. Criticamos e avaliamos como as coisas são nas políticas públicas da Cultura de Joinville e lá fui eu falar sobre o imenso silêncio que domina os artistas da cidade – eu disse pra ela que aqui isso não acontecia. No meio artístico de Joinville é tudo perfeito, por que eles fariam barulho, não é mesmo?

Talvez eu tenha a audição muito aguçada, mas o silêncio me é muito mais incômodo do que o “barulho”. Aliás, esses dias a ciência comprovou que conseguimos ouvir o silêncio, não? 

Hoje era para escrever sobre o silêncio. Não poderia deixar de contar a experiência com a Missão Fotográfica que me trouxe tantas coisas excepcionais, verdadeiro crescimento enquanto artista e pessoa (é disso que trata a autoria, ser quem somos no que fazemos). Não sei, acho que falei pouco sobre o silêncio, mas certeza que não fiquei em silêncio. Voltarei a escrever sobre ele – e a fotografá-lo. Aliás, é um dos meus temas favoritos para conversar também.

Sobre a Missão, está quase terminando a residência e logo iremos para a edição do livro. Confesso estar contentíssima com os resultados e com os frutos que virão desta experiência. Numa das orientações que tivemos, o fotógrafo disse que eu precisava “vomitar”, que minha narrativa era sobre isso. E é. Quanto mais tentam me calar, mais eu planejo e executo colocar para fora. Ninguém disse que seria fácil e, enfim, o fácil não tem graça.

Enquanto eu não volto a escrever sobre o silêncio (este texto mesmo foi gestado em silêncio), ouçam-no: ele está por todos os lados.

Hello

Hello, from here, from these empty streets during the night. I’m here to say to you how fucking great is everything.

Hello, from the future. I just need to say that every decision were your best movement. Today you have no idea everything your doubts will bring in a very positive way – but, from here, the future where I am, I know what you suffered in silence and, yeah, it worth it.

Hello, from a very spontaneous heart, like yours. You know, the past still remains there, where it belongs. You are more than they. Your heart believe, and it’s enough for you two. Don’t ever and never put it in the wrong place, far from your eyes. You’ll thanks me someday.

Hello from this special night, like others nights without any previously explication. That’s your night, baby.

I’m here to assure you that’s the way and no one can help you. You’re strong enough and brave enough.

Do it for yourself and change some lives around you.

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