Saiu de moda criticar a sociedade. Afinal de contas, precisamos nos enquadrar para sustentá-la e ser crítico em relação às coisas como são não é produtivo. Porém, esta produtividade é tão hipócrita e sem sentido que é impossível não criticá-la.
Ontem conheci uma moça que tem três empregos. (e ela nem é professora…) Porque, se não fosse assim, não teria como sustentar-se – vejam bem, não é que não teria a “vida dos sonhos”. Um trabalho só não nos basta – e não estou falando de preenchimentos espirituais, mas apenas práticos, ou financeiros mesmo. O salário das pessoas mal dá pra se manter, esta é a realidade. E ainda com jornadas absurdas, patrões tirando vantagens de tudo e de todos (e se fazendo de injustiçados), descontos de tudo quanto é lado (até o governo, vejam só, que diz que nós é que somos o problema da iminente quebra dele), os preços em alta constante. Ninguém vive com mil reais por mês. Ninguém vive com o salário médio do brasileiro.
Assumimos uma vida que não nos satisfaz em nada. Trabalhamos cada vez mais, sem tempo nenhum para cultivar o espírito nem para estudar, divertir-se ou adquirir mais conhecimento. Até divertir-se tornou-se uma obrigação apenas para que os outros vejam. Aliás, sempre digo que adquirir conhecimento, no Brasil, não é visto como deveria. O brasileiro despreza o conhecimento, diariamente temos provas do tamanho dos erros aos quais a ignorância nos leva – e a escola virou mera obrigação, curso superior é caminho pra profissão, nada que faça elogio à busca pelo conhecimento. Saber é poder, já diria o filósofo. Mas, pra que estudar Filosofia, né?
Pensamos, erroneamente, que estamos nos dedicando aos que amamos, trabalhamos cada vez mais para dar um “futuro a eles”. Quase todo pai pensa assim. Passa horas no trabalho e não tem tempo nem para colocar o filho para dormir, contar-lhe uma história, perguntar como foi o dia ou levá-lo às lágrimas de tanto rir. Os pais nem conhecem os próprios filhos porque tudo aquilo que fazem hoje, pensando no seu futuro, os afastam de quem aquele ser é, em formação. Já ouvi criança dizer “mas em casa ninguém conversa mesmo”. Imagine o que passa uma criança para conseguir elaborar esta afirmação – nada sai por acaso da boca de uma criança. E aí os pais trabalham, trabalham, e seus filhos têm tudo do bom e do melhor: o tênis novo, o celular de última, os jogos e roupas da moda, as melhores escolas e cursos, vão ao shopping encher a praça de alimentação aos sábados e domingos. Mas, à noite, antes de dormir, nem se importam que não viram o pai naquele dia porque estão imersos em qualquer baboseira na internet.
E o que fazemos? O que estamos fazendo enquanto aqueles que amamos precisam de nós, da nossa presença? Presença física e espiritual, presença prática, de exemplo e companhia. Nos cansamos em trabalhos cada vez mais exaustivos e menos gratificantes, atropelamos nossos desejos e sonhos pensando no quinto dia útil. Quando, por fim, temos um pouco de tempo com eles, a irritação toma conta. Não estamos mais acostumados a conviver, não nos conhecemos, não temos a intimidade necessária. E cada um escapa para o seu lado, enterrando-se no vazio deste mundo que foi feito para que, mesmo nas horas de lazer, desejássemos voltar ao trabalho.
Não é novidade que adoro banho de mar. E se tem uma coisa que me desgosta é, durante o banho de mar, ouvir pessoas (nas férias! durante o banho de mar!) falando de… trabalho. É sintomático. Fomos treinados para isso, a vida não faz sentido se não estamos trabalhando. Se até quando temos nossos momentos de lazer saímos com… os colegas do trabalho. Vivemos internados neste ambiente, sendo catequisados que dele precisamos e dele dependemos. Como se não houvesse vida, afinal. Porém, vale lembrar que o trabalho deveria ser apenas uma parte da vida.
E como somos hipócritas! Aliás, apontar a hipocrisia nunca esteve na moda. Ninguém gosta, eu sei. Dizemos que estamos fazendo tudo “pelo futuro”, “porque amamos” e que tipo de amor é esse que não sabe conviver? Que nunca tem tempo? Que futuro é esse, do qual nem certeza temos? Que amor é esse que soma, todo mês, um pouco mais na poupança e passa todos os dias do mês ausente? Estamos distantes daquilo que pregamos. “Tuas idéias não correspondem aos fatos”. Estar junto ainda é a única significação do amor (já escrevi sobre isso). Mas, preferimos nos enganar. Preferimos emburrecer. Preferimos horas e horas no vazio de uma internet que mal sabemos usar. Porque esquecemos como é viver aqui fora. Porque o trabalho pesa e só queremos esquecer disso, mas sem pensar.
Trocamos a qualidade de vida pela produtividade, cada vez mais enfurnados em casas e apartamentos, em redes sociais, no trânsito parado, em fofocas e falsidades, em notícias falsas e ignorância travestida de novas idéias. E nem mais sonhamos com uma reforma nos padrões que diminua a carga horária e aumente os salários, para que tenhamos tempo para conviver com quem amamos e para que possamos cultivar o espírito – porque nem saberíamos o que fazer com isso.