A Arte permanecerá – os políticos não

O artista sempre foi o ponto de inflexão da sociedade. Desde a primeira pessoa que teve necessidade de expressar-se, sem limitar-se pela mera comunicação, através das linguagens e em busca das sensações, o artista é um nó no meio dos outros. Então, desde sempre o artista é temido.

Muito se fala que tememos o desconhecido, pois bem, no caso dos artistas eles temem o que conhecem muito bem – nós levamos reflexão, nós debatemos, nós fazemos pensar, nós expomos as fissões que constroem as nossas relações e desigualdades. Não é por menos que um dia um filme é atacado, no outro dia uma exposição, semanas depois o cantor que levantou uma bandeira durante o show. 

Os artistas só querem dizer, o tempo todo, que os seres humanos não somos iguais. Enquanto as ideologias totalitárias querem fazer todos rezarem na mesma palavra sagrada. 

Ao longo dos séculos os artistas foram e são financiados pelos grandes mecenas, viveram na miséria e só são reconhecidos posteriormente, adequaram-se à indústria, foram financiados pelas políticas públicas estatais ou pelo capital. Em muitos desses momentos as “leis” tentaram calar os artistas, colocaram em marcha o “quem paga, manda”. Mesmo assim os artistas viveram e buscaram sua liberdade, a altos preços.

Porque a questão é simples: o artista não deve servir e assegurar os discursos do Estado e do capital – senão, não será Arte. Quem tenta impor seus valores religiosos como régua moral para o fazer artístico, ou seu posicionamento ideológico como critério para a produção cultural, cairá no abismo da chacota, da ilegalidade e do totalitarismo. A chacota rende piadas nas redes sociais, a ilegalidade e o totalitarismo rendem denúncias e processos judiciais.

Ao artista não cabe servir ao discurso ideológico do estado. Já vimos isso inúmeras vezes ao redor do mundo, ao longo dos séculos, inclusive na União Soviética, quando financiados pelo Estado os artistas eram tolhidos na sua liberdade de expressão. Tal como temos visto tentarem (apenas tentarem, talvez inspirados pelos soviéticos) certos políticos eleitos em Santa Catarina, por exemplo.

A máquina pública fará de tudo para impor medo aos artistas que são apenas artistas – essa raça que cria, que faz do mundo e da realidade uma fantasia e conta histórias e traz beleza ao mundo. Os donos do poder têm medo dos artistas. Quando do golpe e da ditadura militar no Brasil, por exemplo, além da questão ideológica, as perseguições focaram muito nos artistas – eles queriam calar todos os nós que existiam em meio à sociedade. 

E quem diria que eles temem filmes… quem diria que filmes seriam perseguidos, em 2024, que tentariam impedir um festival de cinema de acontecer, quem diria que tentariam me impedir de fazer filmes! Quem diria que o medo deles é que as pessoas assistam aos nossos filmes e se deparem com as inflexões que não estão rezando na palavra do livro sagrado deles.

Sim, porque o meu livro sagrado não é o mesmo que o deles. 

Quem trabalha com arte, quem produz através de políticas públicas – direito garantido pela Constituição – não trabalha confortavelmente para o Estado. O artista desafia o Estado ao produzir arte para muita gente sem pedir o amém da escritura sagrada desse ou daquele indivíduo que por conta de alguns votos já se considera um protótipo de ditador.

Observo quem trabalha em secretarias e fundações de cultura infringindo as leis para tentar – jamais conseguirão – impor aos artistas o jugo da perseguição política. A Lei (aqui da Terra mesmo) vai bater à porta de vocês. A sociedade que, por vezes, não reconhece o valor que tem um artista já não tolera mais o abuso de poder, a ilegalidade, a corrupção, a imoralidade e demais ações que não combinam com a nossa Democracia.

E já que é Páscoa, venho lembrá-los que ser cristão é muito, mas muito, difícil. Tem que oferecer a outra face, tem que perdoar, não pode cobiçar (nem a mulher nem nada do outro), tem que honrar pai e mãe, tem que ser humilde, tem que amar a Deus sobre todas as coisas. Pra esses que vêm a público defender sua ideologia política e seus “valores cristãos”, recomendaria voltar ao texto sagrado. Recomendo desligar o Instagram e ir para o quarto, lá na solidão e no silêncio é que o teu Deus te ouve – está escrito no texto sagrado, mas talvez vocês tenham pulado essa parte. Quando você for um exemplo de humildade, de alma caridosa e gentil, quando da sua boca não saírem línguas de fogo contra os teus irmãos, quando não mais julgares os demais, quando o amor for a única coisa que você tiver a oferecer ao mundo, aí você estará no nível mínimo pra defender a sua religião nas redes sociais e nas tribunas. 

Como sempre disse minha mãe, não adianta no domingo ir lá bater no peito e cantar os louvores ao Senhor, não. Ser cristão é muito, mas muito, difícil. Antes de pregar e querer impor suas crenças, garanta que suas ações e suas palavras são exemplos evidentes de cristandade. Não dá pra defender a tua religião cristã e querer fazer mal, deliberadamente, aos outros (artistas, por exemplo). Limpem a boca antes de citar qualquer Deus para atacar, difamar, expor e perseguir pela simples maldade – em troca de votos, apoio de partido ou 15 minutos de fama em redes sociais. 

Os artistas não são burros. Sabemos qual o jogo que está sendo jogado e os motivos de sermos envolvidos na lama que brota das almas mais sebosas da política local. Os secretários de cultura passarão, os prefeitos, vereadores, deputados e governadores passarão, a Arte permanecerá.

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