O explicável para os porcos

Uma mulher, magra, gestos tensos contidos e os olhos sempre para o chão. Um homem, doce, cadenciado, sorridente.

– O amor é inexplicável… – diz o homem com um sorriso tímido.

– Ora, não fale essas bobagens. – a mulher responde imediatamente em tom quase inaudível.

– Bobagens, minha cara, minha mais bela do mundo…

– Shiii! Não fale assim, já disse que não gosto! Por favor! – interrompe a mulher olhando para os lados.

– Acreditas, pelo menos, que me apaixonei por ti quando te vi pela primeira vez, naquela festa?

– Apaixonou, apaixonou… isso não é amor.

– Não? – o homem pula de onde estava, encostado na varanda – Não?! Ora, se apaixonar-se não é amor! É a forma mais cálida e deliciosa do amor! A mais verdadeira!

– Paixão, paixão… é disso que falas! – ela se exalta, o tom de voz fica estridente – Amor é algo digno! É da alma, não dessas… dessas… dessas coisas… dessas coisas que as pessoas fazem.

– Mas tudo isso é amor, minha bela! Tudo… nossos olhares, nossos sorrisos, nossos sonhos, nossos carinhos… – a voz doce e calma atravessa a penumbra que os separa.

– Não me chame assim! Você não sabe o que é o amor. Você pensa que as coisas mundanas e sujas são sublimes! Como pode desejo, essa coisa irresponsável e desenfreada, ser um alimento para a alma? Para duas almas! Nunca! Desejo, vontades, beijos, mãos, pés, suor… – ela estremece e baixa a cabeça tremendo.

– Você sabe que eu estou certo. – a voz agora é metálica, seca, prudente – Você nega o que lhe convém. Nega o que mais lhe atrai, o que você não consegue é fazer seu corpo negar. – a voz é um desapontamento cristalino.

O silêncio se abate na varanda. Nem o vento, nem o mar, nem vozes ao longe. Ele vira de costas para ela e lança um olhar para a escuridão. Ela, ereta, encosta-se à parede e suspira.

– Você sabe que eu te amo. Desde aquele dia eu sabia que você seria minha, e você sabe. Você viu como eu olhava pra você. Lembra quando todos íamos embora? Eu caminhava ao seu lado, ajudei você a descer a escadaria. Quando ficamos sozinhos, antes da despedida, eu segurei a sua mão. E hoje… hoje estamos aqui. Você não acredita em mim. Você reprova meus ímpetos.

– Não fale mais! Por favor! Por favor! – o rosto tenso, uma lágrima ferve.

– Eu não falarei… – a voz é dolorida, presa.

– O amor é explicável. Para vocês, que atam o amor ao que o corpo e os sentidos dizem. Para os escritores e compositores que o reduzem a “olhares” – ela coloca desprezo na voz e no rosto – e toques e essas “coisas”. É explicável o amor de vocês como o “amor” dos porcos. Cheiros, posições, contatos, corpos. Isso é bem explicável! – ela levanta a cabeça, altiva, olhos de um desprezo congelante, e sacode a cadeira com seu movimento intempestivo.

– Não me admira. – ele volta o rosto para ela e lentamente vai girando o corpo de volta, com a serenidade nos olhos – Agora até porco eu sou. Nunca mereci nada de você. Meus sentimentos não são tangíveis para você. Ninguém os ignora, além de você. Gostaria de saber o segredo para destruir essa escuridão na qual você vive.

– Não há escuridão. – interrupção abrupta.

– Por que você não tem sentimentos? – duro e certeiro.

– Cale-se! Sentimentos! Eu os tenho! Superiores aos seus! Seu… seu… Você fala assim porque eu não sou só mais umazinha que cai nos braços de qualquer homem inteligente, interessante, bonito e de boa conversa que aparece! Eu sei dos meus sentimentos! E eles não são isso que você, como qualquer porco, tem! – os olhos vermelhos saltam, as mãos brancas e finas tremem, os lábios contraídos.

– E agora o porco aqui vai voltar para a sala… fazer de conta, novamente, que não ouviu nada dessa conversa e sorrir para os outros. Estarei lá, tentando esquecê-la. Até… até… Até você voltar a sorrir para mim. Chegar com alguma conversa inocente e boba e me pedir para buscar alguma coisa na cozinha. Ver seu rosto iluminado e alegre enquanto as crianças apresentam a peça. Mas, claro, sem encostar em você, pois se eu tentar segurar a sua mão para descer a escada você me olhará rancorosa e puxará a mão com asco. Esse é o seu amor… Eu não estarei ali naquela sala à sua espera dessa vez. Por isso esse meu “amor de porco” é tão melhor que o seu, eu me apaixono, e do mesmo modo desapaixono. O amor só pode ser compartilhado com quem consegue se desvencilhar dele tão bem quanto a ele se entrega. – palavras pausadas, indiferentes, o oposto do inexplicável.

– Isso não é amor! Viu?! Bem como eu previa, hoje uma, amanhã outra… – a partida dele, para sempre, cala suas acusações desalmadas e insinceras; golpes que não machucam, destroem o que o outro construiu com os próprios sentimentos e com as esperanças que lhe deram.

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