Tem dias que são curtos demais para tudo que queremos sentir.
Não falarei do meu dia de hoje, nem do de ontem ou de algum outro. Nem escreverei minhas ficções (seriam ficções?).
Escrevo para vocês que me lêem e que me fazem tão bem, sei que vocês existem e sinto-me feliz com isso. Escrevo sobre esses sentimentos que nos transbordam e que parece que não cabem na vida.
Queremos amar mais. Passear mais. Ver, ver mais. Não queremos que escureça às 18 horas e que não possamos continuar naquela trilha linda pelo costão da Ilha. Queremos que as decisões de um instante não afetem nossa vida inteira.
Porque um dia temos que tomar decisões. Sejam quais forem. E elas se resumem em assumir quem somos, o que queremos, o que sabemos fazer; e o que é necessário, o que tornaria as coisas mais “fáceis”.
Um dia é pouco para pararmos ali sentados num banco da beira-mar, ou numa fila no supermercado e admirar o andar incerto e claudicante de uma criança agarrada ao seu urso de pelúcia, em volta da sua mãe, ou aquela menina de cabelos nem loiros nem ruivos, volumosos, longos, lindos, ao lado da mãe com o irmãozinho no colo dentro do ônibus.
Não cabe num dia a quantidade de sol que queremos na pele, ali, deitados… no calor suave e delicioso. O sol que vai secando, esquentando… que traz a promessa de que a chuva vai demorar a voltar.
Um dia, de poucas ou muitas palavras, no telefone, nas conversas pessoalmente, na internet. As palavras em centenas de anotações pelos cantos, nos quadros de avisos.
O tempo que temos, tão curto, para ensaboar o corpo todo com aquele sabonete cheiroso na bucha mais gostosa. Um banho pra um dia. Dois banhos.
O olhar. Olhar quem amamos. Perder-se a só olhar. Olhar a decorar cada traço, cada peculiaridade.
As músicas que podemos ouvir num dia mas que o coração queria tanto ouvir mais e mais.
Aquelas fotos e vídeos que ansiamos por fazer todos os dias, como eternizar até o momento da mãe na cozinha preparando um prato especial.
Como o eterno não cabe num dia. Nem em uma vida.
Como um dia especial que dedicamos a uma pessoa se torna tão triste quando ela já não está mais aqui. O dia continuará sendo dela, mas esses que se vão persistem todos os dias para os que ficam.
A sobrevivência das flores que em poucas horas nascem, vivem e morrem. Assim, como se a vida não fosse mais que isso.
Quantos beijos cabem num dia?
Quantos sorrisos? Cada um deles conta. Até os que negamos. Até os que esquecemos. Até os que escondemos.
Porque o relógio caminha para a meia noite e o coração se aflige de não ter sentido tudo. Talvez, hoje, não tenha dado tempo só de telefonar pro pai e dizer “e aí, velho, beleza?”. Talvez tenhas faltado aquele “bom dia” pra vizinha sempre triste. Ou um “obrigada” por um pequeno presente do dia.
Não sentimos tudo e já temos que partir para o sono, para o “amanhã”. Posso não querer ir porque não terminei o “hoje”? Porque não quero sentir amanhã que o hoje vai se repetir. Porque as decisões e as minhas omissões me lembram de sentir mais amanhã.
E nada compensará. Sentirei menos, sentirei mais. Nunca sentirei tudo.
E acordarei sentindo que não me entreguei por completo naquele sonho.
Realmente sinto se decepcionei vocês, meus leitores. Mas hoje o coração falava aqui que o meu olhar queria ter ficado mais tempo detido naquela cor azul petróleo do mar, naquele brilho do sol no metal, naquela gatinha dormindo de boca aberta, naquela lua bem alta no céu, naquele olhar congestionado de quem amo, naquela conversa de telefone com quem está longe, no dia de ontem que era para dar tempo de lembrar de todos os dias 20 de julho dos anos passados, naquela água caindo do chuveiro, naqueles passos tortos de uma mulher com um sapato feio de salto. Meu coração fala aqui que o dia já passou, a meia noite já veio me fazer sentir que todo o tempo ainda é pouco.
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