Escrever sobre Florianópolis, ou sobre Fpolis como eu prefiro, ou ainda a “Ilha” como eu chamo, é algo especial. Desperta em mim centenas de sentimentos, mas, claro, com um bom senso do muito que se diz por aí, do que as pessoas pensam e como agem. Não é, em absoluto, “definitivo”.
Sobre classes sociais muito se fala atualmente porque o Brasil encara um “sucesso” econômico (que causará mais problemas e uma derrocada nunca antes vista, mas esse é outro assunto). A única coisa que eu gostaria de escrever aqui sobre isso é que tem quem está lá em cima, sobre o seu umbigo, e tem aqueles que andam por aí com as viseiras de cavalos, tem os que, ignorantes, disso muito se orgulham, os que nasceram para reclamar e não entendem a existência de um mundo além das suas janelas, e muitos outros “tipos” que empestam o mundo que é, assim, tão lindo.
Vamos pensar em algumas das coisas que mais se diz da cidade: provinciana, atrasada, “imóvel” (sobre a falta de mobilidade urbana), sem atrativos culturais, cara, somente para turistas, “pequena”, etc..
Antes de tudo, como em muitas discussões que já tive sobre o assunto, gostaria de ressaltar um ponto (que por mais óbvio que seja parece passar despercebido): tirando a pequena porção continental de Fpolis, ela é uma Ilha. Sim, uma Ilha. E eu tenho um desejo invencível de que as pessoas entendam de que uma Ilha tem limitações, a começar pela física. Aqui, há um começo, um meio e um fim. Sinto-me boba em citar isso, mas infelizmente é necessário.
Um dia, levei meus pais para almoçarem no Ribeirão da Ilha. A famosa Baldicero Filomeno lá com seus mais de 20 kilometros. E meu pai dispara: onde vai dar essa rua? Eu: em lugar nenhum, ela tem “fim”. Se o pai quiser, por trilha, deixando o carrinho lindo estacionado, chegará a uma bela praia chamada Naufragados, com farol! A cara de incredulidade do meu pai dizia tudo. Curitibano típico, não concebia que uma rua daquelas não levasse a lugar nenhum, que não fizesse conexão com outro bairro, outra via.
No mesmo dia, levei-os pela Pequeno Príncipe (agora posso dizer “pertinho de casa”) e meu pai chocou-se ao ver que a rua acaba na praia. Pai, aqui é uma Ilha! Nem preciso dizer que ele detesta dirigir aqui. Para ele não faz sentido. Meu namorado, por outro lado, manézinho típico da Lagoa, não se entende com o sistema de “quadras” de outras cidades.
Com esses exemplos posso mostrar o rídiculo de pessoas que vêm para cá e reclamam de coisas sem perceber, inicialmente, as peculiaridades do local. Do alto dos seus umbigos e da sua ignorância, não identificam expressividades tão latentes de onde se encontram e volta e meia você ouve um “mas lá em São Paulo”, “porque no Rio não é assim” e blá blá blá. Sim, muito blá blá blá.
Eu devo dizer que tenho fascinação pelo fato ilhéu de que a rua termina na praia. Sempre quis morar em um ilha só pra mim (quem me conhece lá dos velhos tempos sabe disso), aqui só tenho que dividi-la com umas centenas de milhares de pessoas. E, sinceramente, em vários lugares sequer percebo que existem essas milhares de pessoas. Sabem por quê?
Pois lhes digo: porque muitas pessoas não vivem a Ilha. Sim, isso mesmo. Como em todas as cidades, a maioria da população restringe sua “vivência” a poucos lugares, bairros e regiões. Eu acho isso triste.
Conheci algumas pessoas que moravam a anos aqui na Ilha e não a conheciam de verdade, sim, fiz lá minha boa ação e levei-as a explorar esse mundinho lindo. Outras sequer se interessam em conhecer. Paciência.
Não vou cometer a infâmia de compará-la a Ibiza, às ilhas gregas, à Salvador, ao Rio, ou a sei lá mais qual “lugar-maravilhoso-do-mundo-quando-somos-só-turistas-e-não-moramos-lá” que as pessoas tanto gostam de comparar, até porque nem os conheço. Fácil chegar em um lugar, ficar dois dias, uma semana, como turista, achar tudo lindo maravilhoso e comparar com o “inferno” onde você mora, trabalha, estuda e passa 90% do ano querendo fugir dali.
Sou turista de carteirinha e não me atrevo a, como turista, comparar nenhuma cidade na qual eu não tenha vivido de fato. Por isso, posso falar de duas cidades além da Ilha: Joinville e Curitiba. Talvez ao final eu diga o que me impede de voltar a morar nessas duas e o que me motiva a ainda morar por aqui. Talvez.
Pois falemos de Florianópolis (Floripa, nunca!). É uma cidade pequena, sim, é. Lembrem da limitação física. É linda? Sim, sem dúvida. É feita só de surfistas, turistas e marias-da-praia? Não, é óbvio que não.
Geograficamente a Ilha é linda. Áreas planas por onde o mar passou e baixou intercaladas por morros altos que eram antigas ilhas. Simples assim. Norte e Sul com características distintas, e as pessoas esquecem que há sudeste, oeste, sudoeste. O Leste as pessoas lembram porque tem a tão afamada Lagoa da Conceição, o reduto mais “cosmopolita” da Ilha para alguns. Dizem as más línguas que a Lagoa com seu cosmopolitismo subdesenvolvido não é nada perto dos lugarezinhos pop mundo afora tipo uma Lapa da vida do Rio de Janeiro. Geograficamente, portanto, ela viabiliza regiões e lugares com muitas características distintas e até, diria eu, para quase todos os gostos.
Sobre um comentário bem comum que citei acima: quem insiste em dizer que tem gente que acha ou que parece que a Ilha é só para surfistas e afins, eu digo que é de uma ignorância sem tamanho! Muito mais coerente dizer que é o lar do funcionalismo público, por exemplo. Uma fatia enorme da população da cidade é dessa “casta”, seja federal, estadual ou municipal. São eles que elevam alguns índices da cidade como a renda per capita, o número de automóveis, o valor dos imóveis e de alguns lugares. Não esquecemos que ela é a capital do Estado (este, por sinal, nutre por ela um ódiozinhoo doentio).
Os morros limitam, também, fisicamente o avanço dos seres humanos. Ponto positivo, sem dúvida. Um pouco de História: a Ilha foi “colonizada” em pequenas vilas, divididas pelo morros e pelos limites naturais dela. Comum era encontrar as trilhas ou caminhos de bois que ligam esta àquela vila, freguesia e afins. O manézinho vivia no seu terreno enorme, cultivando a mandioca, tendo seu engenho, pescando. O filho casava, fazia sua casa no mesmo terreno e por ali ficava. Localidades como Brava, Ponta das Canas, Lagoa, Sertão do Ribeirão e dezenas de outras formaram-se assim. As distâncias, à pé ou com carro de boi, eram enormes, com muitos morros quase intransponíveis. Pouco havia de “mobilidade”. As freguesias e o que chamamos de “bairros” hoje se formaram assim, com grandes propriedades familiares e que supriam suas necessidades com os famosos “centrinhos” na “geral”. A “geral” é normalmente a rua principal ou mais central de uma localidade, e onde há o centrinho com um mercado, uma loja disso ou daquilo. Assim os manézinhos contornavam as limitações físicas da Ilha (vejam bem, hoje eles são chamados pejorativamente de “manézinhos”, mas sempre foram bem espertos, compreendiam algo que os mais letrados e graduados hoje não percebem), fazendo seus caminhos e suprindo suas necessidades sem grandes desgastes.
Eis que um dia o mundo descobriu a Ilha. E aí chegaram pessoas de fora que ficaram deslumbradas com paisagens que são, no mínimo, deslumbrantes realmente! Se o manézinho sabia disso? Claro que ele sabia. Porém, é uma característica do manézinho não achar assim tão extraordinária essa paisagem, como, por exemplo, é raro o manézinho tomar banho de mar. A Ilha, para o mané, é o comum, é o diário dele, ele conhece e vê aquilo como “normal”, “natural”. Dali ele tira seu sustento e ali ele vive. O mané não está de férias aqui, nem precisa tirar fotos para mandar para os amigos dizendo que ele mora ali. Há uma diferença de perspectiva aqui. A perspectiva do mané e a nossa, mundo deslumbrado. (vejam bem, há os pobres de alma que nem conseguem se deslumbrar com as belezas naturais da Ilha)
E aí os deslumbrados chegaram para aquelas famílias pacatas com seus terrenos à beira-mar e ofereceram dinheiro (pouco, é verdade) para eles, em troca do terreno. Os manézinhos que não são burros, pegaram o dinheiro, olharam para aquele terreno insípido, grande demais, que dava trabalho e foram lá para o centro, para algum lugar que não fosse tão longe do trabalho, fizeram concurso e se estabeleceram com um novo tipo de vida.
Os terrenos? Foram estripados, construíram coisas abomináveis sobre eles, avançaram terras proibidas, hiperinflacionaram seus preços e mais gente veio para cá ficar deslumbrado, inclusive os argentinos. Assim a Ilha tomou seu novo rosto, muitas daquelas freguesias e vilas que ficavam isoladas foram conectadas ao mundo com vias simples e longas estradas, a construção de casas, prédios e coisas inomináveis surgiram e pintaram novas paisagens, ali ao lado do mar e das lagoas, no morros, nos penhascos.
O manézinho se modernizou, dispensou a casa à beira-mar ou a casa com uma vista maravilhosa, pois isso tudo ele sabe que é dele. E a Ilha, por um lado, ganhou muito com isso. A maioria esmagadora do comércio na cidade é de pessoas de fora, o manézinho mesmo não tem muita familiaridade com esse ramo. Uma facção deles gosta de viver à sombra de aluguéis de temporada ou desses estrangeiros que por aqui decidem ficar alugando construções duvidosas, casas e similares. Outros fazem carreira no funcionalismo público. Alguns poucos ainda vivem como seus antepassados, ali à beira do mar, pescando, cuidando da sua pequena plantação, em localidades de difícil acesso (segundo uns). Essa é a Ilha deles.
Se dependesse deles a Ilha teria alguns sérios problemas. Mas quem veio (e vem) de fora supre algumas dessas “falhas”, como o exemplo do comércio. Este, aliás, que é muito bom, acima da média do Estado, tem para todos os gostos e todos os bolsos – faltando um pouco, talvez, o do super luxo (que, na minha opinião, não faz nenhuma falta porque quem quer isso vai lá pra Londres). Em algumas áreas, pelo contrário, os que vêm de fora apenas estragam.
E aí é o ponto mais triste da situação: Fpolis é a cidade mais descartável de que eu tenho notícia. As pessoas vêm, usam, abusam, tiram todo proveito e vão embora – deixando um rastro de sujeira, danos e estragos irreversíveis. A “mobilidade” da Ilha, neste sentido, é enorme. E eles, é claro, aproveitam para criticar, criticar e criticar enquanto estão aqui. (dizem as boas línguas que depois que vão embora “morrem” de saudade, declaram seu amor e volta e meia ligam para os amigos e/ou familiares dizendo quando chegarão – nem que seja por um dia!)
Não vou dizer que lamento, porque acho que devo lamentar coisas mais sérias e irremediáveis como as chuvas que castigam algumas regiões do Estado nas últimas semanas. Poderia dizer que tenho aversão, aí sim. Vejo textos e mais textos da playboyzada paulista ou do high society mané (filhinhos de papai que choram por terem nascido aqui nesse mundo atrasado e fogem para qualquer europa da vida na primeira oportunidade) e até comentários ao vivo sobre essa Ilha tão retrógada.
Pois eu digo que quem não sabe viver onde ama não merece nada da minha atenção. Desprezo profundamente as pessoas que vivem onde não estão felizes, são esses que só pioram o lugar, não fazem nada para melhorar e, por isso, são dispensáveis. Além de só saberem criticar do alto dos seus umbigos, no meio das suas baladinhas do P12, dentro dos seus carros do ano com seus Ipods entupidos de músicas do momento. Ou mesmo aqueles que chegaram de pára-quedas, foram morar nos rincões perdidos (e baratíssimos) da Ilha, pegaram um subemprego qualquer e sentam seus bundões nos ônibus para suspirar por São Paulo “que não é como aqui, tudo longe!”. Porque Educação, bom senso, auto-crítica nem nada dessas boas coisas escolhe quanto você tem na carteira.
Só lhes digo uma coisa, esta publicação “to be continued”. Pois comecei a escrevê-la impulsionada pela revolta, levei mais tempo do que esperava por turbulências de um dia e me aflijo sinceramente com a chuva que vai, novamente, devastar Santa Catarina, principalmente o Vale do Itajaí.
No próximo, prometo dizer do que gosto daqui. E tentarei imaginar porque isso não faz a cabeça de muitos. Tentarei elencar os “problemas” da cidade e farei meus comentários, mas já adianto uma coisa: as pessoas criam os maiores problemas da Ilha. Voltaremos!
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