“deixem tudo como está, voltarei”

Hoje eu escrevi um bilhete: deixem tudo como está, voltarei.

E o plano era ir, sumir no mundo com a roupa do corpo.

Minha vida vai muito bem, tenho tudo que quero e o que preciso. Amo uma dúzia de pessoas que também me amam. Mas hoje o caminho era perder-se sem destino.

Deixaria a cabeça cheia, os celulares, as coisas materiais. Eu sou muito, muito mesmo, apegada e dependente dos meus bens materiais. Mas sei que posso viver sem eles e posso me desapegar quando quiser, precisava apenas praticar isso.

Deixaria a casa fechada, as chaves para alguém regar minhas roseiras, minhas orquídeas, minha flor da paz, meu pé de alecrim, minha erva doce, meu jasmim, minha palmeira e aquela flor da minha infância.

Deixaria as meninas com minha mãe porque sei que lá serão sempre bem cuidadas e amadas.

Planejei tudo nos mínimos detalhes, em poucos minutos após escrever a única linha de despedida. Ao contrário do bilhete do suicida, dali eu partiria para a vida.

Deixaria algumas contas para pagarem, uma louça suja, um filme 35mm para um amigo, uns livros lidos em partes, as roupas sujas no cesto.

Não diria qual o destino, não daria nem pistas, pois desse nem eu sabia.

Não levaria esmaltes, lixas, cremes, sabonetes, pilhas, câmeras nem malas. Quando escrevi a linha de despedida me bastava a roupa do corpo para não ser presa ao sair pelada. Fazia calor, não fosse a lei iria sem nada.

Pois então que bastasse a todos o “voltarei”, a mim bastava. E deixava muito de mim no “deixem tudo como está”, assim garantia que não fizessem algo que me irrita muito: mexer no que é meu. E dava um alento da certeza do retorno.

Enfim, suspirei, amassei o papel, senti pontadas de dor, um tanto zonza. O telefone tocou, peguei a bolsa e saí sem a alternativa de não ter destino.

E talvez fosse muito por mim, hoje eu só queria ficar em casa.

(Uma breve despedida temporária do blog e da vida breve, sei que não tenho obrigação em escrever, nem regularidade, mas não estranhem uma breve ausência. Ela se deve à escrita do destino.)

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