Fui ao FAÇA e só me restou um delicioso “Ballet das Coisas”, de Bruna Granucci

Já faz um tempo eu, por motivos diversos, estive no FAÇA – Festival Audiovisual Catarinense (qualquer semelhança com o “Catavídeo” não é só mera impressão), na sua edição em Fpolis.

A primeira impressão que eu tive do evento foi “mais um festival”. Mas o que parecia ser o “lado bom” é que seria em três cidades catarinenses: Lages, Blumenau e Florianópolis – o que, de certa forma, poderia ser positivo porque finalmente descentralizariam este tipo de evento. Só não entendi, num primeiro momento, o fato da escolha das cidades e por que Joinville não estaria na lista – afinal, por lá não há curso de Cinema, como nas outras, mas ainda é uma grande cidade e teve, nos últimos anos, produções de destaque.

Enfim, em se tratando de audiovisual catarinense, a primeira impressão provavelmente será uma furada. Nada é tão inocente e puro como poderá parecer.

Eis que fui num dia assistir a todos do primeiro horário e depois alguns do segundo horário. Foi a primeira vez que eu pisei no “novo” CIC que, aliás, de novo não tem quase nada. Aviso aos navegantes: a entrada pela rua da Penitenciária não está aberta e é preciso dar uma volta linda para entrar pela frente. Lá dentro não há nenhum bar ou restaurante (vulgo lugar que venda qualquer coisa de comida ou bebida) e no dia nem água tinha. No “velho” CIC havia bebedouro e um cafézinho fuleiro para pseudo-intelectuais, mas que se você fosse emendar uma sessão na outra dava pra rolar um refrigerante e um salgado qualquer para enganar. Porém, não há nada disso atualmente. Já começou mal a noite, pois eu havia saído da aula direto para lá e a fome atacou, obviamente. O lugar mais próximo, segundo o atendente, é o Angeloni. Sem comentários.

Os banheiros realmente foram reformados. Estão maiores. O que me deixou curiosa foram as tampas dos sanitários, velhas, quebradas, sujas pelo tempo. Fiquei me perguntando se com uma obra tão grande e onerosa faltou dinheiro para comprá-las. Enfim…

Comprovado que as paredes do cinema são claras (oh, God!), sentei-me para assistir aos curtas.

Pensei se deveria colocar em ordem, um por um, ou se escreveria só sobre os que gostei ou que, por outros motivos, haviam me despertado a atenção. Enfim, falar de todos talvez seja desnecessário.

O único que me fez, ainda depois de tanto tempo, escrever este post foi o lindíssimo “Ballet das Coisas”, de Bruna Granucci. Dos outros, um comentário aqui, outro acolá, de todos, definitivamente, não tenho o que dizer.

“Ballet das Coisas” tem tudo o que um curta-metragem precisa, e é de encher os olhos. Uma decupagem em nada excessiva, uma trama simples e poética e atuações perfeitas para o mundo audiovisual.

A história é uma fantasia, e nem por isso afasta os críticos mais realistas. Afinal, meus queridos, o cinema é fantástico desde sua origem. Não vou me deter a pormenores da “história”, mas posso resumir que é o amor de uma boneca (ao belo estilo espanhola) pelo garçom do restaurante em frente ao antiquário onde ela mora.

Alguns detalhes fazem deste curta uma jóia rara, principalmente entre os seus concorrentes da noite. E por “detalhe” já começo minha crítica. Num curta metragem, plano detalhe só pode ser usado quando extremamente essencial para o drama. Excesso de planos detalhe sufocam a narrativa e as imagens perdem-se na paciência do espectador. Aliás, pretendo aqui deixar este e outro ponto bem claros – pois nesta noite os curtas que eu assisti me fizeram lembrar dessas questões. Plano detalhe tem um poder dramático, nunca deve ser usado num curta para “matar tempo”, como é, por sinal, usado por filmes longa-metragem (é muito fácil perceber num longa o excesso de planos detalhe para cumprir com um determinado tempo, alguns, inclusive, poderiam ser apenas média metragem). Ele precisa significar (e aí, queridos diretores, vão lá procurar os teóricos, aqui é só o meu blog, não dou aulas). Outra coisa que não é em especial para curtas é uma pontuação sobre a direção de Arte. Muitos filmes pecam pela direção de Arte que acha que é só escolher objetos, figurinos e cores e estar de plantão ali para colocar os objetos certos nos lugares certos em determinada cena. Não é assim. E, novamente, quem precisa saber que é mais que isso deve voltar às salas de aula.

Os objetos de cena, os figurinos, tudo o que compõe a imagem precisa ser estudado a partir de uma escolha de Arte, por isso “direção de Arte”. Quais as influências? Quais cores serão usadas? Quais linhas? Qual a concepção de “tempo” sobre o cenário, os personagens, os figurinos? Infelizmente muito ainda se erra nos filmes (principalmente brasileiros, em destaque os que gostam de uma imagem “retrô-saudosista”). Toda a concepção de Arte precisa ser pensada e arquitetada (aqui já deixo o gancho para um próximo post sobre storyboard, plantas baixa, etc.), planejada, levando-se em conta o roteiro, a construção dos personagens, a intenção dramática. Não é no dia da gravação que se escolhe qual carro será de tal personagem. Para quem não trabalha com cinema, nunca estudou, este tipo de coisa parece não fazer sentido, mas quem é da área deve(ria) entender do que eu estou falando.

Vou usar como exemplo oposto o curta “Qual queijo você quer?”, de Cíntia Bittar, exibido naquela mesma noite. Sobre os dois pontos acima, este curta vai na contra-mão. Ele tem excessivos planos detalhes (às vezes, uma obsessão do diretor/diretora) que, se pretendem servir para alguma coisa, é só para tentar ambientar ou “decorar” o cenário. Vejam bem, o cenário estará presente nas imagens dramáticas para compô-las, não é, necessariamente, um personagem. Transformar cada planos, cada elemento do cenário, em personagem é esvaziar a dramaticidade do enredo. Num curta, não há “tempo” para isso. No caso deste curta, o casal de idosos está em uma sala de TV cercado por um excesso (no sentido de exagero da Produção) de objetos que, juntos, deveriam compor uma longa trajetória a dois. A câmera desfila por vários e vários desses objetos para que eles se tornem personagens do drama ali representado. Contudo, é justo aí que se escancaram alguns problemas de uma direção de Arte, no mínimo, fraca. Vejam o detalhe da Bíblia. Obviamente, este e outros objetos passam pela cabeça de qualquer um que tem/teve avó. Contudo, a Bíblia ali presente é nova. Nova! Sem nenhuma marca de uso! E, detalhe ainda mais importante, ela é de um tipo gráfico bastante recente – eu ganhei uma igual a ela na minha primeira comunhão, cerca de catorze anos atrás, e, notem, a minha tem muito mais marca de uso (e nem sou assim fervorosa) do que a cenográfica. As Bíblias das minhas avós e a dos meus pais são em muito diferentes daquela ali. Pode parecer um detalhe bobo, mas aquilo ali gerou um desconforto em mim. O que, do drama do casal, já tinha me passado a forte impressão de um casal de idosos sendo retratado sob a ótica de uma pessoa jovem diante de um conflito contemporâneo, ali se confirmou. Pareceu um túnel do tempo para o futuro, “como eu me veria daqui a cinquenta anos”. Ao pecar pelo excesso de objetos de cena, o drama perdeu-se em objetividade e conexão temporal. Muitos objetos além da Bíblia cabem na mesma crítica. E da parte do drama, em nada me convenceu como uma história de velhinhos de hoje, mas sim de uma projeção futurística. Aliás, o enredo é bastante pobre pois cultiva o espectador levando-o pela mão e já antevendo quais as próximas falas e ações (muito poucas, por sinal). Clautrofobicamente ambientado em um único cenário (só nos créditos aparece a cozinha), ele perde em dramaticidade (e ganha em economia de gastos e tempo) e se ampara no uso excessivo de planos detalhe para tentar passar algo que seria muito mais “visível” se o apartamento do casal fosse acompanhando o diálogo. Os próprios atores parecem atados (ela teatral em excesso para a tela do cinema, ele intimidado pela atuação esbravejante dela) e precisam apelar também para os objetos além das falas simples e óbvias. O título, por si só, já praticamente conta a história toda. A atriz, que não me recordo o nome, fez recentemente uma ponta numa novela da Globo, numa cena (não acompanho a novela então não sei dizer mais nada sobre o papel dela) em que fazia a mãe de um noivo (havia a Carolina Ferraz em cena). Ali ela consegue ser atriz para a tela pequena, para o audiovisual, sem os excessos dramáticos do palco.

Vale ressaltar um incômodo sobre o curta “Qual queijo você quer?” que eu senti e já ouvi de várias pessoas: o acúmulo de “títulos” e “prêmios” que aparecem elencados antes do curta mesmo começar. São várias as participações e premiações, porém parece que a cada uma dessas são incluídas as nomeações numa nova edição. O que incomoda o público é, citando literalmente alguns comentários que li e ouvi, “se todos esses jurados e públicos elegeram este curta como o melhor, você também deverá gostar”. O “deverá” ali cabe como uma ordem. A sensação para quem vai assistir pela primeira vez é de desconforto, pois ninguém deve me dizer que pela trajetória que ele tem, eu sou obrigada a gostar. Como aqueles filmes que a gente pega na locadora e na capa do DVD vem “palma de outro disso”, “oscar daquilo”. E é por isso que é um excelente filme? É por isso que sou obrigada a gostar dele?

A planificação atenciosa e as escolhas de Arte zelosas fazem de “Ballet das Coisas” um curta fluido, cativante. A câmera não precisa ficar passeando pelo cenário para dar detalhes – nem dramáticos, nem de ambientação – e explicar nada. O “uso” dos objetos falam por si só, a quantidade também. A própria escolha da locação já consegue dirigir adequadamente o drama. Senti-me num pequeno vilarejo do mediterrâneo sem nem ter visto imagens externas ou tido qualquer indicação. O espectador entra na fantasia e consegue acompanhá-la sem esforço e sem ser guiado passo-a-passo. Um elogio à parte para o busto de gesso, personagem excelente e digno, suicida contundente. O movimento das coisas (seu “ballet”) não é óbvio, ao mesmo tempo que o amor da boneca pelo garçom o é. Nem a breve repetição de algumas frases alcançam a monotonia. O “tempo” dos objetos e do velhinho é próprio. Notável também a participação mais do que especial do pequeno gatinho laranja. A presença dele soa tão natural quanto espntânea e cheguei a duvidar de que estivesse no roteiro.

De certa forma, “Ballet das Coisas” prescindia de uma direção de Arte cuidadosa e especial. Contudo, nenhuma obra audiovisual pode abrir mão disso. Seja de qual gênero for. Tomemos como exemplo outro curta da noite (e um dos premiados), o “Vide Verso”, de Cristian de Ciancio. Mesmo se atendo a um cenário simples (exigência dramática) e com um enredo que prevê este espaço, a direção de Arte não cometeu nem excessos nem faltas. Os elementos esseciais para um drama tenso estão ali, o espectador facilmente identifica tudo o que precisa para construir o personagem. Não há nada além do drama e do personagem. O rádio (como produção sonora) é peça fundamental para ambientar (muito mais do que qualquer objeto de cena) a história. Reparem que no casal de idosos no apartamento nós nem temos a referência da TV, muito menos do áudio. Em “Vide Verso”, você não cai na desatenção porque os elementos de composição te prendem enquanto dramaticamente “nada acontece”, além, é claro, do suspense sobre o envelope. O crescente é uma opção de direção que nem sempre funciona, mas que ali é (auxiliado com maestria pela elaboração artística de um elemento essencial: o quebra-cabeças) angustiante e no tempo certo.

Caberiam alguns breves comentários sobre o “Babás”, de Consuelo Lins; “Sentidos”, de Samuel Moreira e Richard Maus e “Das Ocupações Instantâneas”, de La Osnofa.

O primeiro segue os melhores padrões do documentário brasileiro e acredito que é um deleite para os historiadores. O segundo é uma tentativa de dar vistas a quem não vê, mas sinceramente me senti muito desconfortável com um discurso construído previamente e recheado de referências visuais – o que me pareceu muito estranho. O terceiro é um ensaio visual e sonoro despreocupado, mas que captou alguns instantes belos (sonoramente e visualmente) abrindo mão de qualquer narrativa e nos mostrando a presença de uma câmera insuspeita. Não sei quem fez o “documentário” (se é para classificar nos tão discutíveis “gêneros”, eu colocaria como experimental), mas construí mentalmente uma viagem de mochileiros pela América do Sul, captada pelas sensações. Enfim, dos outros não vale a pena falar. Um sobre a perda do pai é chato e sem graça, outro sobre uma Alice assassina é entediante e uma animação boba e interminável que se pretende poética (e, pasmem, ganhou prêmio).

Aliás, aí é que mora o perigo desse tipo de “evento” em Santa Catarina.

Os prêmios foram vergonhosos. Como pode o próprio organizador ganhar prêmio? Como pode, aliás, ser produtor e etc. de obras concorrentes? Achei tudo muito estranho. Só não adentrei demais nisso para não ficar com mais nojo ainda. Uma dica: não misturar, na exibição, documentários, ficção, animação. Isso prejudica muito a obra. E digo com toda a sinceridade que assisti “documentários” muito melhores do que o tal “Fotossensível”, de kike Kriguer. Diante dos dois que eu assisti, este passaria longe de uma premiação – até porque eu também não o enquadraria em “documentário”, afinal é só um vídeo de família.

A velha “nata” (tem gente que adora nata, né? eu tenho ânsia de vômito só de ver!) de um grupinho do audiovisual quase não deve ter saído do palco no dia da premiação.

Não posso falar do eleito pelo júri nem do “melhor ficção” porque não assisti nenhum dos dois. Só sei que são famosos e o primeiro bastante popular. O “melhor ficção” não é produção recente (como o “Manhã”, do Zeca Pires, que é de 1989) e eu não achei muito correto isso, pois produções de épocas diferentes devem ser separadas também. Há muita coisa a ser levada em conta, tanto técnica quanto artística.

Um tal “prêmio estímulo” foi muito bem entregue para o “Vide Verso”. O “prêmio especial do júri” ficou muito esquisito. Pareceu “prêmio consolação para aqueles que nós queríamos que ganhassem, mas o júri popular não quis e tivemos que dar um jeito nisso”, vide a explicação do próprio evento no site “Pela diversidade e qualidade das propostas estéticas e narrativas das obras em competição o Júri Oficial do 1º Faça concede, além dos prêmios de melhor obra por categoria, Prêmio Especial do Júri.”. Engraçado o “pela diversidade e qualidade das propostas estéticas e narrativas”, pois um evento que se pretenda sério leva isso tudo em consideração para definir suas escolhas e as exibições. O que se perdeu no caminho? Se vocês olharem nos “jurados” e na “curadoria” verão uma propagandeação de tantos quesitos e seriedade que não traduz nada disso. Me nego a comentar as “menções honrosas”.

Tire um pouco do seu tempo e vasculhe o site. Veja o nome dos criadores, das produtoras envolvidas, coloque no Google-nosso-de-cada-dia e verá um mundo de conexões. Assim é o pobre audiovisual catarinense.

Por isso, raramente frequento este tipo de evento. E toda vez que eu perco meu tempo indo me decepciono ainda mais – normalmente com a organização, grupinhos, interesses. Mas desta vez “Ballet das Coisas” me fez perceber que há chance de se fazer boas coisas sem financiamentos astronômicos para projetos dialogados em uma única pequena locação, que ainda há quem saiba o que é uma boa Direção e uma boa Direção de Arte, que o curta-metragem tem peculiaridades que devem ser levadas em conta e que a Arte Audiovisual em Santa Catarina produz poucos e bons filhos – mesmo que nem todos rodem o país e o mundo.

(nem sempre o link funciona)

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